Armas de Pobreza Maciça Versão para impressão
Sábado, 16 Outubro 2010

Em Outubro de 2008, o Parlamento Europeu e o Conselho decidiram conjuntamente declarar 2010 o Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social. Na declaração de anúncio, afirmaram que a exclusão social deteriora o bem-estar dos cidadãos e que o emprego digno é a forma de reduzir significativamente o risco de pobreza. O empenho político subjacente à declaração do Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social surgiu após o Relatório Conjunto sobre Protecção Social e Inclusão. publicado pela União Europeia também em 2008. onde se assinalava o número de 78 milhões de pobres na Europa. Construídas com base nas conclusões do relatório, as iniciativas foram orientadas para o reconhecimento do direito a viver com dignidade e a participar activamente na sociedade; para reforçar a apropriação das políticas e acções de inclusão social; para a coesão social e para a promoção do empenho político e da materialização de acções concretas da União Europeia e dos Estados-membros no combate à pobreza. O enquadramento financeiro para a realização das iniciativas foi de 17 mil milhões de euros.

A poucos meses de terminar este Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social, não podemos deixar de referir que, pesem embora os discursos, os concursos e o trabalho meritório de diversas organizações não governamentais, as políticas e medidas de recuperação da crise impostas pela União Europeia revelaram-se verdadeiras armas de pobreza maciça.

Os países da União Europeia, vinculados ao pacto de estabilidade e crescimento, devem respeitar os objectivos macroeconómicos e evitar défices públicos superiores a 3% do PIB, bem como valores da dívida pública superiores a 60% do PIB. Esta meta é de tal modo importante para os líderes dos estados membros que estes elaboram os seus orçamentos nacionais em função desta, sem ponderar os custos para os seus países e para os seus povos.

Mas não são apenas as medidas impostas aos Estados membros que têm destruído os esforços nacionais de luta contra a pobreza. As acções do Banco Central Europeu, que não são apenas independentes do poder político mas impõem limites à independência política, têm sido torpedos certeiros de empobrecimento dos europeus. Por exemplo, para assistir à banca europeia a braços com falta de liquidez devido à crise, o Banco Central Europeu optou por emprestar-lhe grandes somas de dinheiro a uma taxa de 1%. Com esse dinheiro os bancos privados emprestaram dinheiro aos clientes europeus a uma taxa média de 3,5% e adquiriram títulos da dívida pública dos Estados remunerada a uma taxa de cerca de 5%. Deste modo, o BCE garantiu que a banca europeia continua a apresentar lucros fabulosos, levando os Estados a aumentar as despesas com a dívida pública e os europeus a sufocarem com juros elevados e com os cortes dos Estados nos apoios sociais, ao mesmo tempo que enfrentam elevados números de desemprego e uma crise económica provocada pela ganância das grandes instituições financeiras.

No que se refere ao papel do BCE, para além dos Tratados europeus e os seus próprios estatutos  exigirem a independência do poder político, o que temos vindo a assistir é a uma indiferença relativamente à vontade dos povos da Europa e às suas aspirações e a uma submissão vergonhosa aos mercados financeiros. Em nome da estabilidade e do crescimento das economias, a União Europeia tem aplaudido os Estados que optam pela contenção salarial e a redução de direitos sociais numa tentativa de cumprir as metas do PEC, o que em última instância é um aplauso ao aumento da pobreza. Basta pensar que o enquadramento financeiro para as iniciativas do Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social foi de 17 milhões de euros e que a banca privada europeia já recebeu dezenas de milhares de milhões de euros de ajudas e pelo menos até 2011 podemos esperar ver esses apoios a crescer, para perceber onde pára a lealdade e a solidariedade do BCE e dos líderes europeus.

O combate à Pobreza e à Exclusão Social parece estar longe de passar à história. Olhemos apenas para Portugal e às opções em debate para o Orçamento de Estado: aumento de impostos, cortes nos apoios sociais, privatizações e contenção salarial. Uma receita estafada que garante apenas o aumento da pobreza e põe em perigo a coesão social. Em tempos de crise, com uma taxa de desemprego brutal, o aumento da idade da reforma, o congelamento das admissões na função pública e os cortes nos apoios sociais são como uma lança que dilacera o coração dos desempregados que já estão desesperados. Lembremos que o número de famílias que estão a trabalhar, mas que precisam de recorrer ao Banco Alimentar e a outras instituições de solidariedade, revelou uma realidade assustadora que é o facto de que mesmo as pessoas empregadas não auferem dinheiro suficiente para assegurar a sua sobrevivência.

O combate eficaz à Pobreza tem de passar pelo pleno emprego e pelo emprego com direitos. Só populações empregadas com estabilidade no emprego podem realizar-se plenamente. Um combate eficaz à Pobreza não só acaba com as vergonhosas desigualdades a nível europeu, como contribui para solucionar outros problemas. Por exemplo, mais do que qualquer campanha, prémio ou apoio à natalidade, a estabilidade no emprego promove o aumento da natalidade e ainda aumenta o poder de compra, o dinamismo das economias e o incentivo à poupança e ao investimento. E não é verdade que sem medidas de contenção salarial e aumento de impostos se possa salvar o modelo social europeu. Um passo fundamental neste combate teria sido utilizar os recursos financeiros, que foram mal gastos na salvação da banca, em projectos sustentáveis de criação de emprego, formação e protecção social. O combate eficaz à Pobreza exige apenas opções políticas que se foquem nas pessoas reais e na resoluções dos seus problemas e não na manutenção do status quo da banca privada, que como vimos tem como prioridade a realização de mais valias para os seus accionistas. O combate eficaz à Pobreza exige assim a refundação da Europa e a superação do capitalismo que, tal como disse o bispo D. Carlos Azevedo, na sessão de abertura da XXVI Semana da Pastoral Social, é um modelo económico "indecente, injusto, desigual e desproporcionado" porque "agrava a pobreza e a exclusão social".

Ana Cansado