Programa de Extorsão em Curso |
Domingo, 02 Outubro 2011 |
No início era o verbo O caminho há muito estava traçado nos planos da burguesia, mas só agora o sonho se vai tornando realidade. A troika é o veículo de ataque, mas o governo já prometeu que irá ainda mais longe do que o memorando. O objectivo é uma recomposição profunda das relações entre trabalho e capital, com o desmantelamento de muitas das conquistas de Abril. Os primeiros meses da governação de Passos Coelho não deixam quaisquer dúvidas sobre as opções de classe das políticas. A medida mais emblemática deste governo foram as alterações ao Código de Trabalho para o embaratecimento dos despedimentos, mas mais desvalorização do trabalho está à espreita. A precariedade, essa, é a promessa de futuro para aqueles que só terão a incerteza do presente. Pelo caminho, abre-se espaço à quadratura do círculo da exploração que é ter os desempregados a trabalhar de borla. Os aumentos de impostos agudizam a desigualdade da taxação fiscal entre os rendimentos do trabalho e os rendimentos do capital. A ladainha liberal, requentada há séculos, continua dando o mote para a protecção do capital: o capital, porque não tem pátria, não pode ser atacado sob pena de se assustar e fugir; o trabalho, porque tem rosto, não o deixam sequer virar a cara aos sacrifícios. Ao capital não se cortam isenções, nem se congelam distribuições de dividendos, antes se oferecem privatizações low cost. O terceiro pilar é o do brutal aumento do custo de vida, através dos impostos sobre o consumo ou dos custos de serviços essenciais. A antecipação de medidas da troika, como o aumento do custo da electricidade, gás ou transportes, agrava a recessão e cria enormes dificuldades às famílias já sobrecarregadas. Mas, tudo indica, ainda é o aquecimento: será no próximo orçamento que o panorama geral do saque será concretizado.
Tratamento de choque As taxas anémicas de rendibilidade do capital ao longo das últimas décadas levaram a um apetite voraz pelos sectores que se encontravam fora do mercado. O Estado Social, representando 30% do PIB português, é um dos anseios do capital. O governo procurará satisfazer esses desejos. O Orçamento de Estado para 2012 tem já anunciado cortes massivos nas obrigações sociais, aumentando custos e reduzindo quantidade e qualidade nos mais diversos serviços, empurrando os utentes para as mãos do privado. O Ministério da Saúde, por exemplo, terá um corte de 10% em 2012 e em 2013. Comparando com o orçamento de 2011 teremos em 2013 menos 20% de dotação financeira para o Ministério da Saúde, num total superior a 1600 milhões de euros. O Serviço Nacional de Saúde será delapidado, com o objectivo de se tornar um paliativo para os mais pobres, mas não uma alternativa para os que ainda estiverem em condições de ir ao mercado. A direita procura a desforra sobre o Estado Social, cortando em serviços essenciais para os portugueses. Depois de anos de discursos em que as exportações se transformaram no desígnio nacional do discurso dominante, a verdade é que o capital olha para fora procurando rendas cá dentro. Assim, vê nos serviços públicos a sua grande hipótese para uma maior acumulação. O mercado saliva pelos serviços públicos. O discurso sobre o país que vive acima das suas possibilidades é a justificação para o depauperamento dos trabalhadores. Os cortes no Estado gordo transformam-se no ataque ao Estado Social. A linha política é a da criação do Estado assistencialista para os pobres, num trajecto de empobrecimento de grande parte da sociedade. A criação do passe social + é disso exemplo claro. O aumento brutal do custo dos transportes para todos, foi apresentado com a criação do novo passe para os mais pobres. A marca da pobreza foi colocada nos 545€. Acima disso estão os aumentos brutais. Abaixo disso está a humilhação de percorrer filas intermináveis com a declaração de IRS na mão para provar a situação económica. Pelo meio desaparece a universalidade dos serviços públicos.
Quem cala, consente O caminho de ataque às conquistas sociais está a ser percorrido pelo capital. A força desta ofensiva é enorme e acontece num cenário em que o próprio sistema capitalista está em mutação, criando novas dificuldades na resposta a este ataque. Mas, a exemplo do passado, é na criação de pontes que será possível a acumulação de forças para resistir. A degradação das condições de vida dos portugueses será um processo aceleradíssimo que o capital não conseguirá realizar sem tensões sociais relevantes. Esse é o rastilho da luta contra a burguesia da recessão. Face a um programa que está em curso de uma profunda extorsão de direitos e rendimentos do trabalho para o capital, a resposta tem de ser mobilizadora e transformadora. Diz-nos o Pedro Passos Coelho que o país não será o mesmo depois de executado este plano, que é o da burguesia. Lutaremos para engrossar as fileiras daqueles que recusam essa inevitabilidade. Pedro Filipe Soares |
A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
Karl Marx