Marx: jornalismo com letras vermelhas de protesto Versão para impressão
Terça, 08 Abril 2014

nova gazeta renana"All the papers that matter live off their advertisements, and the advertisers exercise an indirect censorship over news"  (George Orwell, 1941).

 

Artigo de Bruno Góis

 

Várias são as datas em que se comemora o jornalismo e a liberdade de imprensa, não apenas consoante os países, mas também no mesmo país. A data mais divulgada é o dia Internacional da Liberdade de imprensa, 3 de maio. Essa data, instituída em 1993 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, celebra a adoção da Declaração de Windhoek, em 1991, que visa promover a liberdade de expressão.
Outra das datas comemorativas, no caso brasileiro, é o 7 de Abril. Trata-se aliás de uma das seis datas em uso no Brasil, e tem uma particularidade praticamente desconhecida em Portugal: coincide com a abdicação do liberal D. Pedro de Bragança, então Imperador do Brasil e futuro, mas breve, rei de Portugal como D. Pedro IV.

Essa data foi instituída pela Associação Brasileira de Imprensa em homenagem ao jornalista e médico João Batista Líbero Badaró. Este jornalista foi assassinado em São Paulo por motivos políticos, em 22 de novembro de 1830. Mas a data escolhida para o homenagear e à sua profissão é 7 de abril de 1831. Isto porque uma das razões que levou à abdicação do imperador do Brasil foi o movimento popular que se gerou devido ao assassinato do jornalista.

A ligação entre um acontecimento relevante do rei que liderou o campo liberal na guerra civil portuguesa (1828-1834) com os absolutistas é uma chamada de atenção curiosa sobre a relação entre o liberalismo e as liberdades. Sendo certo aliás que foi inegável o avanço que o triunfo do liberalismo em Portugal trouxe ao país, não se pode esquecer que D. Pedro outorgou uma a conservadora Carta Constitucional (1826) em substituição da Constituição de 1822, que instituía um regime político de feição mais liberal-radical (embora também esta sem suprir a monarquia e tendo todas as características de um regime burguês e patriarcal do século XIX).

O Marx jornalista

Serve isto de pretexto para uma nota breve sobre a relação de Marx com o jornalismo. O marxismo, devido aos desvios do chamado socialismo real, é por muitos conotado com a censura e o pensamento único. Ora nada de mais anti-marxista que o policiamento das ideias.

Também Marx foi um jornalista, nunca nos podemos esquecer disso. Após concluir o seu doutoramento em filosofia e tendo-lhe sido fechadas as portas da academia, Marx inicia a sua carreira no jornalismo e torna-se redator-chefe d' A Gazeta Renana em 1842. O jornal será fechado após publicar uma série de críticas ao governo da Prússia, em 1843, quando a burguesia alemã, até então apoiante desse órgão de comunicação ligado à democracia radical, mudou de campo para conciliar com o regime vigente. Essa experiência foi uma importante aprendizagem para Marx e também teve papel na digressão que iniciou pela geografia, pelo pensamento e na luta política.

Anos mais tarde, também a Nova Gazeta Renana, diário publicado por Marx em Colónia entre 1 de junho de 1848 e 19 de maio de 1849, deixará de ser publicada na sequência da expulsão de Marx do país e da ameaça de prisão e extradição dos demais membros do jornal. A edição de 19 de maio ficará conhecida o a edição vermelha por ter sido impressa nessa côr, em protesto.

Além destes episódios, importa referir que na obra de Marx devem ser considerados importantes artigos de jornalismo político que fará mais tarde, com destaque para o New York Daily Tribune.

Recordemos Marx, na juventude, falando sobre o potencial da imprensa: "A função da imprensa é ser o cão-de-guarda, o denunciador incansável dos opressores, o olho omnipresente e a boca omnipresente do espírito do povo que guarda com ciúme sua liberdade".

A liberdade de imprensa e de opinião são imprescindíveis à democracia. Assumimos essas conquistas como garantidas, porém o poder governamental e dos grandes grupos económicos cerca em grande medida o potencial da liberdade de imprensa. Parte desse problema são limitações que o capitalismo impõe à democracia, mas há todo um campo para resistência e para avanço dessa liberdade.

Bruno Góis

Referências

George Orwell (1941) - The Lion and the Unicorn.