Manuel Valls, o amigo dos poderosos que queria virar a página do socialismo Versão para impressão
Quinta, 10 Abril 2014

manuelvallsRetrato. Manuel Valls troca a Place Beauvau pelo Hôtel Matignon. Leva nas suas malas as ideias sociais-liberais tiradas dos círculos patronais, pondo o "chapéu" de uma esquerda socialista presa nas suas contradições.

Artigo publicado no L'Humanité

«O nosso país precisa de temperança e de medida. Os franceses vivem um período difícil.» Manuel Valls vai reciclar esta parte do seu discurso aquando da sua chegada ao Ministério do Interior a 17 de Maio de 2012? Ainda recentemente, ele afirmava querer «aproveitar este momento para ganhar em força, maturidade e experiência». Mas finalmente aceitou substituir Jean-Marc Ayrault no cargo de primeiro-ministro. Antes da sua nomeação, o novo chefe do executivo dizia de si próprio: «Sou ambicioso e tenho as capacidades para ir mais longe. (...) Encarnar este país, eu já o faço!» (declaração a Jacques Hennen e Gilles Verdez em Manuel Valls, os segredos de um destino). O catalão naturalizado francês em 1982 é um homem com pressa. Um traço de carácter que ele partilha com um antecessor da Place Beauvau? Tal como a sua modéstia. «Desde as primárias, um autêntico gatilho para mim, sou ao mesmo tempo legítimo e credível.»

Confrontando-se no decurso de 2011 com o voto dos eleitores socialistas – dentro e fora do partido – para determinar o candidato à eleição presidencial de 2012 e mesmo não tendo o resultado (5,63%) estado à altura das suas expectativas, Manuel Valls conseguiu regressar ao caminho percorrido desde o seu começo. Assessor parlamentar em 1983, conselheiro regional da Île-de-France em 1986, o seu apetite incita-o a acelerar. Em 1989, à frente do grupo socialista e Verdes – «atenção, em sentido!» – no conselho municipal de Argenteuil, ele quer desalojar os comunistas da câmara municipal. Ele "arrebanha tudo", relembra um conhecedor da política local interrogado por Jacques Hennen e Gilles Verdez. «Ele chega mesmo a arrebatar a adesão de pessoas de centro direita, está tudo dito. Viu-se logo que ele iria longe.» Longe mas para outro lugar: nas legislativas de 1997, fica em quarto lugar atrás do PCF, do RPR (Rassemblement pour la République) e da Frente Nacional. Felizmente para ele, a dissolução da Assembleia nacional oferece-lhe, apesar do seu desaire, a ocasião para uma ascensão fulgurante. Torna-se conselheiro de imprensa do primeiro-ministro Lionel Jospin.

No começo dos anos 90, tornou-se «xiloglota», perito em retórica ("língua de madeira")

Os jornalistas descobrem-no então, «brilhante» mas «arrogante», e não o deixarão mais, como são testemunhas disso os idólatras destes últimos meses. O seu amigo Christian Gravel, hoje conselheiro de comunicação do presidente da República, vê na sua relação com a imprensa «uma das chaves da sua ascensão». Não é a única. A sua plasticidade política é outra. Secretário nacional para a comunicação do partido socialista no começo dos anos 90, tornou-se «xiloglota» - perito em "língua de madeira" – talento que exercerá no seio do bureau político do partido, a par de Jean-Luc Mélenchon, Jean-Paul Huchon, Daniel Vaillant e dos seus amigos Jean-Christophe Cambadélis e Jean Glavany. Depois, ele pratica muito: para o «não» ao tratado constitucional, ele fará campanha pelo «sim» por «disciplina» e votará mesmo em 2008, como deputado de Essonne, pela ratificação do Tratado de Lisboa. Pro-Royal aquando do congresso do PS de Reims em 2008, opõe-se a Martine Aubry decretando que «a palavra socialismo está sem dúvida ultrapassada», mas não retirará como determina a nova primeira secretária, as «consequências» das suas palavras deixando o partido, preferindo «virar a página» com o apoio de personalidades de primeiro plano como Gérard Collomb e... Jean-Noël Guérini. « Jean-Noël Guérini está no coração de tudo», insistia ele. Durante as primárias socialistas, ele será forçado a abandoná-lo, considerando inelutável a sua demissão do conselho geral...

As primárias socialistas marcam um grau suplementar na sua ascensão. Demasiado acanhada, a sua cidade de Évry (Essonne), onde teria gostado de ver «mais brancos, "white", "blancos"»? Deixa aí uma pesada factura, segundo a revista Capital: uma pressão fiscal a subir 45,7%, despesas de comunicação a subir « de 852,6 % entre 2001 e 2003 ». O seu destino nacional, ele esboça-o num livro programa intitulado Pouvoir publicado em Março de 2010. «É possível salvar o nosso modelo social?» interroga-se ele, querendo «hierarquizar as prioridades» e «propor reformas realistas». Por exemplo, «prolongar a duração das nossas contribuições». E se ele liga esta medida ao «aumento do nível das reformas e nomeadamente das pequenas reformas», o seu congelamento sob a presidência de Hollande não provocou reacção da sua parte. Nem reeditou as suas propostas de «retirada das contribuições sobre as stock-options» igual a «5 mil milhões de euros» ou a reposição em causa das reformas complementares que ele preconizava na obra... apesar dos ecos positivos no discurso do candidato François Hollande no Bourget. Uma nota de análise da Sociéte générale de ontem, lembrando que ele se tinha pronunciado por ocasião das primárias por um IVA dito «social» e uma disposição das 35 horas resume bem «esta viragem prudente para medidas social-democratas»: «A notícia devia ser recebida positivamente nas esferas financeiras.» As suas amizades no meio (François Dubos de Vivendi, Henri de Castries de Axa, Marc Ladreit de Lacharrière, da agência de notação Fitch Ratings...) confirmam a mensagem.

Plebiscitado pela direita, sofre de má imagem à esquerda

O que motivou a decisão de François Hollande de o chamar para Matignon foi a pressão de uma grande parte da opinião de direita (41 % dos simpatizantes de direita plebiscitam-no, contra apenas 20 % à esquerda, segundo uma sondagem BVA para le Parisien aparecida em Março)? Diz-se que ele trabalhava em boa união com os seus adversários de ontem. Com Arnaud Montebourg, teria uma « análise partilhada dos problemas, (uma) acção comum e concertada», declarava este último a 12 de Março no Mediapart. Outras análises deixam transparecer um cálculo mais em sintonia com o pragmatismo um nadinha cínico de que Manuel Valls faz habitualmente prova: plebiscitado pela direita, sofre de uma má imagem à esquerda, que Montebourg lhe poderia trazer.

No ministério do Interior, o seu credo resumia-se a : «A segurança não é de direita, nem de esquerda.» Apesar das promessas, a «política dos números» do seu antecessor continuou a ser seguida, como as expulsões. Batendo todos os recordes, duplicando o número de expulsões de ciganos (perto de 20 000). Sabe-se que é hostil ao direito de voto dos estrangeiros não comunitários nas eleições locais, como o tinha sido na entrega de recibos aquando dos controlos de polícia – na origem da primeira recusa do governo Ayrault. Quanto à reforma penal conduzida por Christiane Taubira, terá a mesma sorte que a proposta de lei comunista sobre a amnistia social dos sindicalistas? Ele mesmo não o sabe, confessando nos Secrets du destin, «uma verdadeira dificuldade de (se)projectar no futuro».

 

Tradução de Almerinda Bento para acomuna.net