O dia 25 de Abril de 1974 Versão para impressão
Terça, 06 Maio 2014

O dia 25 de 1974 - Maria João BarbosaEstava a três dias de completar os 23 anos quando se deu o 25 de Abril.

 

testemunho de Almerinda Bento

 

Tinha tido uma experiência de um ano em Olhão, como professora na Escola Comercial e Industrial com um horário de 30 horas lectivas, a leccionar 10 turmas nas disciplinas de Português, Inglês e História. Uma experiência de trabalho muito pesada e intensa que terminou no final do ano lectivo, sem subsídios de qualquer espécie e sem perspectivas de continuação no ano seguinte. Desempregada durante praticamente um ano, de regresso à casa paterna para continuar os meus estudos no curso de Filologia Germânica na Faculdade de Letras de Lisboa ao mesmo tempo que procurava um novo emprego de preferência em Lisboa, até que fui chamada por uma empresa metalomecânica em Camarate – PRECIX – para trabalhar como tradutora e intérprete. Entrei precisamente em Junho de 1973, quando a minha faculdade tinha sido fechada compulsivamente depois da intervenção da polícia de choque no período da luta estudantil contra os "gorilas".

No dia 25 de Abril de 1974 vivia pois em casa dos meus pais e trabalhava como tradutora há um ano numa empresa metalomecânica. Foram as nossas vizinhas goesas que viviam no andar de baixo que ligaram para nossa casa para nos dizer que algo se estava a passar, que tinha havido um golpe. Acho que nesse dia imperou o nervoso miudinho e a expectativa sobre para que lado a balança estava a pender, pois as experiências repressivas, a recente tentativa gorada das Caldas, mais aquele friso dos generais da Junta de Salvação Nacional dirigindo-se à população pela televisão perspectivavam nas nossas cabeças muito mais um desenlace negativo que qualquer coisa de libertador.

Penso que a meio da tarde as coisas começaram a ficar mais claras, pelos sinais que conseguíamos ter e pelos primeiros jornais que conseguimos comprar. Uma imensa alegria. O ver derrubado um regime que estava a condenar os nossos amigos e primos – eu não tinha irmãos, só irmãs, mas tinha vários primos – a ir para a guerra ou a desertar e que era motivo de imensa apreensão na nossa família. O ver derrubado um regime opressor, de bufos, de pides e "gorilas" que rondavam as nossas faculdades e as nossas associações de estudantes.

Daí que a primeira ideia que tive e a mais persistente foi que a guerra iria acabar imediatamente e que os nossos jovens regressariam rapidamente a casa. Seguidamente que era o fim da PIDE e que tudo iria ser diferente.

E foi. Os primeiros dias, as primeiras semanas, o primeiro 1º de Maio são inesquecíveis. São para mim inesquecíveis e não acredito que quem tenha andado pelas ruas de Lisboa nessa época possa esquecer aqueles dias: as pessoas sorriam e riam, falavam alto umas com as outras mesmo que nunca antes se tivessem visto, comentavam sem medo, tomavam conta das ruas, havia manifestações constantes, gritavam-se palavras de ordem, os amigos abraçavam-se... a Poesia estava na Rua como bem captou a pintora Vieira da Silva nos seus dois quadros sobre essa época.

Lembro-me que também na fábrica o clima se alterou e que a forma entusiástica como os/as operários/as acolheram a revolução dos cravos teve, por parte de grande parte do pessoal de escritório mais próximo da administração, uma atitude de reserva e muito cautelosa. Desde sempre os plenários de trabalhadores tinham uma composição e participação que espelhavam o estado de adesão da massa aos acontecimentos que se sucediam de maneira vertiginosa. Para mais, trabalhávamos numa fábrica cuja administração era maioritariamente composta por generais com interesses nas colónias e no fabrico de armamento e as diferenças e lutas estalaram de forma clara. Também na fábrica, a liberdade estava a passar por ali! Lembro-me tão bem do primeiro caderno reivindicativo feito pelos/as trabalhadores/as e de entre as reivindicações aparecer 5.500$00 de salário mínimo e de "a trabalho igual, salário igual"! Na altura eu recebia 4.500§00 como tradutora!

Foi um tempo memorável, inesquecível, de grande energia libertadora. Não havia cansaço. Depois do dia na fábrica, havia muita coisa a correr na rua e era preciso estar lá. O tempo para dormir nem sempre era suficiente, mas parecia que a palavra cansaço tinha sido banida do dicionário.

Parecia que tudo era possível, que não havia limites.

Rapidamente aprendemos na luta, que as coisas não são assim lineares, fáceis e que havia muitos interesses divergentes e antagónicos. As aprendizagens eram rápidas.

Com o tempo, com as lutas, amadurecemos e percebemos que a história que então fizemos foi um passo de gigante, mas também porque olhamos para a História sabemos que nada do que está ganho está seguro se não lutarmos por isso.

Almerinda Bento - A Comuna nr. 31 (Maio 2014) 25-26.

edição Especial 40 Anos do 25 de Abril.

ilustração: Maria João Barbosa/LunaKirscheIllustration para A Comuna