"The Bisexual Is The Political": bissexualidade como conceito político Versão para impressão
Terça, 23 Setembro 2014

bisexual erasure imageHá dois anos decidi finalmente assumir-me alto e bom som como bissexual.

 

Artigo de Valeria Del Castillo

 

Encontrar um rótulo que me ajudasse a compreender a minha orientação sexual foi ao mesmo tempo excitante e assustador. Excitante porque me senti muito mais em paz com a minha luta interna para perceber quem sou, na medida em que tenho estado sempre muito em contacto com a minha sexualidade e com os meus sentimentos. Assustador, no entanto, porque tive que lidar com a minha própria bifobia internalizada, com as expectativas sociais e com os julgamentos das pessoas e com as vozes dentro da minha cabeça.

Desde então, tenho falado mais abertamente sobre a minha bissexualidade com o/a meu/minha parceiro/a, amigos, família e comunidade feminista online. E com isto e com muitas leituras, encontrei-me cansada de ouvir a acusação de que os indivíduos bissexuais são cissexistas porque, supostamente, reforçam o binarismo de género.

Partindo das maravilhosas perspectivas de Julia Serano no seu ultimo livro Excluded: Making Feminist and Queer Movements More Inclusive e do espantoso blogue Radical Bi de Shiri Eisner, vou explicar a importância da etiqueta bissexual em oposição a "termos mais inclusivos" como pansexual or omnissexual, dentrodo movimento queer por causa da excepcionalidade da nossa luta contra o monossexismo e apagamento bi.

Antes de continuarmos, gostaria de esclarecer que não sou contra as pessoas que se identificam com as etiquetas BMNOPPQ (bissexual, multissexual, sem rótulo, omnissexual, pansexual, polissexual, queer). Cada um tem o direito de se identificar como quiser. Só advogo o uso de bissexual* como palavra guarda-chuva para criar uma forte comunidade bissexual* contra as nossas lutas únicas.

Bissexual e transgénero com asterisco (*) no fim significa palavra guarda-chuva.

A Bissexualidade é Cissexista? Ou a Pansexualidade é Bifóbica?

Há muitas diferentes definições da palavra bissexual. Estas definições variam de pessao para pessoa e das suas experiências individuais. No entanto, a definição tradicional de bissexual refere uma pessoa que sente atracção sexual e/ou romântica por pessoas do mesmo e de diferentes géneros. Portanto, é implícito serem apenas dois géneros ao usar-se "atracção em relação a ambos os géneros". Outras definições tradicionais substituem "o mesmo e diferentes géneros" por homens e mulheres, tornando-a mais explícita. Estas definições são assumidas como reforçando o binarismo de género e por isso acusadas de cissexistas.

Mas há outras definições de bissexualidade que estão a ganhar força. Julia Serano define no seu livro bissexual como "pessoas que não limitam as suas experiências sexuais a membros de um único sexo ou género". Qual a dicotomia que aqui é usada? Ela diz que ser hetero, gay ou lésbica reforça o binarismo de género tanto como a definição tradicional de bissexual, visto que são exclusivamente atraídas pelos géneros opostos ou igual. Dicotomia Mesmo/Oposto, algum? E nem sequer estão a usar as palavras homens e/ou mulheres!

O Bisexual Index esclarece-nos dizendo que a definição de heterossexual, gay e lésbica tem mudado com o tempo porque agora as pessoas reconhecem a existência de mais do que dois géneros.  Por este motivo, heterossexual, gay e lésbica são agora definidos como pessoas que sentem uma atracção sexual e/ou romântica por pessoas de género muito diferente ou semelhante, respectivamente. O género é uma norma e portanto, como que existe como se fosse uma caixa rígida (por exemplo, homens e mulheres), mas com efeito, nunca a performatividade de género (por falta de uma palavra melhor) é igual. O teu género, o meu género, o dele, o dela, o género zie podem ser semelhantes na expressão, mas eles são todos únicos!

O Index Bissexual define bissexual como a possibilidade de atracção romântica e/ou sexual por pessoas de mais do que um género.

Mas independentemente destas definições que acolhem todos os géneros, há indivíduos que defendem a completa eliminação da palavra bissexual pelo seu cissexismo "intrínseco". Algumas pessoas que defendem que bissexual só se refere à atracção em relação a homens e mulheres podem escolher identificar-se como pansexuais, queer ou com designações menos populares como omnissexuais, polissexuais, multissexuais or sem nenhuma etiqueta.

A palavra pansexual denota uma pessoa que pode sentir atracção romântica e/ou sexual por pessoas de todas as identidades e expressões de género. Ou, como é frequentemente descrita, uma pessoa pansexual sente atracção romântica e/ou sexual por pessoas, independentemente da sua identidade e expressão de género.

Assim, falando do meu ponto de vista, as duas são muito semelhantes. De facto, muitas pessoas usam-nas, ora uma ora outra. Se assim é, por que é que as pessoas continuam a lutar a propósito da utilização destes termos? É para ver se descobrem que é o mais queer de nós todos?!

Enquanto há muitas semelhanças entre bisexual e pansexual (e não apenas o facto de sentirmos atracção em relação a mais do que um género), há uma diferença fundamental que dá a resposta à pergunta que fizemos antes.

A activista Shiri Eisner explica neste post no blog e Julia Serano explica no seu livro que a bissexualidade se foca na identidade sexual enquanto que a pansexualidade se foca na identidade e expressão de género. Isto quer dizer que essas duas diferentes etiquetas de identidade estão relacionadas com diferentes estruturas binárias opressivas: bissexual refere-se à dicotomia hetero/homo que reproduz o monossexismo (já lá vamos!) e pansexual refere-se ao binário sexo/género que reproduz o cissexismo.

Assim, basicamente, quando uma pessoa se identifica como pansexual, dá prioridade a acabar com a opressão – na forma de cissexismo e transfobia – que os seus possíveis parceiros podem sofrer devido à sua identidade e expressão de género. Isto quer dizer que estão activamente a procurar minar a suposição de que o que está entre as pernas determina se uma pessoa se sente homem ou mulher (conhecido como o binário sexo/género). Resumindo, os indivíduos pansexuais concentram-se em tornar explícita a sua atracção em relação às pessoas trans* e queer para acabar com a transfobia.

Mas quando uma pessoa se identifica como bisexual, dá prioridade a acabar com a opresão que enfrentam – na forma de monossexismo e bifobia – sentindo atracção em relação a mais do que um género.  Numa sociedade que nos condicionou a pensar que as pessoas só podem ser atraídas pelo mesmo ou diferente género (gay/hetero), reclamar uma identidade bissexual* é revolucionário e radical porque provamos que existimos e que não somos invisíveis visto que as nossas orientações sexuais são sempre definidas dependendo de com quem temos relações sexuais. É um acto que deseja destruir o monossexismo e a invisibilidade bissexual (se não tiver certeza sobre o que isto quer dizer, aceda ao meu blog aqui).

Com isto, não estou a dizer que os bissexuais estão a fazer uma luta diferente dos pansexuais. De facto, nós temos o mesmo objectivo através da libertação. Mas tal como existe transfobia no interior dos círculos bissexuais (infelizmente!!), existe bifobia nos círculos pansexuais (infelizmente, também!) Isto por causa do facto que, independentemente da história por detrás do movimento bissexual e da nossa luta única contra o monossexismo e o apagamento bi, as pessoas pansexuais escolhem identificar-se como tal porque não querem reforçar o binarismo de género (e como vimos, os indivíduos bissexuais não reforçam o binarismo de género mais do que  os heterossexuais, gays, lésbicas e algumas pessoas trans*). Parece-me isso bastante bifóbico. E francamente, até parece o começo dos Jogos Olímpicos Queer.

Julia Serano cita no seu livro o trabalho de Shiri Eisner porque ambas são duas académicas bissexuais no espectro trans* que apelam à comunidade bisexual* que priorize, debilitando a sua luta única contra o binarismo hetero/homo e não o sexo/género, visto que isto contribui para o apagamento bissexual. É a seguinte a citação de  Shiri Eisner:

"Uma discussão centrando-se na bissexualidade exclusivamente em relação à política transgénero produz apagamento bissexual estrutural na medida em que prioriza a política transgénero sobre a política bissexual numa discussão sobre identidade bissexual."

Por esta razão, independentemente de como as pessoas escolhem identificar-se dentro do guarda-chuva bisexual* de BMNOPPQ, é importante reter o termo guarda-chuva bisexual* para lutar contra o monossexismo e a bifobia.

Sem ter em conta o facto de que muitos indivíduos bissexuais (e outros indivíduos dentro da comunidade queer e trans*) querem reduzir o significado da bissexualidade ao de atracção em relação a homens e mulheres desejando reforçar o binarismo de género, precisamos de lembrar que só queremos definir o que significa bissexual (felizmente na perspectiva mais inclusiva). Como Julia Serano explica lindamente, bissexual é a nossa palavra: "é sobre as nossas experiências com a sexualidade e com a opressão sexual e não faz quaisquer exigências acerca de como as outras pessoas são, ou como deviam ser do ponto de vista do sexo ou do género".

Não podemos fingir que a  longa história por trás da palavra bissexual não existe, porque é a primeira palavra que os indivíduos bissexuais* usavam para lutar pela sua inclusão dentro da comunidade queer e a sua luta pela libertação. Não podemos ignorar o facto de que a palavra bissexual é o termo mais familar para que toda a gente perceba as identidades BMNOPPQ e que criar novas palavras para descrever bifobia, invisibilidade bi, apagamento bi, monosexismo etc. seria problemático e só faria continuar a nossa invisibilidade dentro quer da comunidade homo quer queer.

Não deveríamos abandonar o termo guarda-chuva bisexual* porque isso iria debilitar quaisquer esforços feitos para criar uma comunidade bissexual. Infelizmente, esta comunidade bissexual não é tão forte, pelo que criar novas palavras só iria enfraquecer qualquer tentativa para a formar. Advogo a criação de uma comunidade bissexual* que se mantenha responsável, que partilhe e lute e que se afaste da tentativa persistente de se assimilar e navegar entre os círculos gay, lésbico e homo.

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Quero lembrar que este post não quer menorizar as pessoas dentro do guarda-chuva bisexual* que escolhem identificar-se com qualquer terminologia BMNOPPQ; pelo contrário, apoio totalmente o direito de todos os indivíduos à auto determinação. Mas estou a encorajar-nos a ater-nos ao termo guarda-chuva bissexual por razões políticas.  Eu quis trazer à luz do dia os problemas de uma comunidade bissexual fraca, a bifobia e a transfobia dentro da comunidade e desmistificar o mito de que a bissexualidade reforça o binarismo de género.

Valeria Del Castillo

 
publicado originalmente em Queering your lens (19 de agosto de 2014) e traduzido por Almerinda Bento para A Comuna