Privatização da TAP: negócio, e que mais? Versão para impressão
Sexta, 12 Junho 2015

Tap. Kok VermeulenA pressa do governo PSD/CDS-PP na privatização da TAP só pode ser completamente entendida no quadro do ataque em curso, profundo como nunca, ao mundo do trabalho.

 

Artigo de José Castro

 

Nos últimos meses a privatização da TAP  foi quase tema diário. A pressa foi muita. No Decreto Lei nº 181-A/2014, de 24 de Dezembro, sobre a entrega da TAP a privados, o governo até introduziu no artº 4º um elemento pouco comum nestes processos: o conselho de ministros pode prescindir da fase preliminar de recolha de intenções (ofertas provisórias), podendo passar diretamente à obtenção de propostas vinculativas, finais.

O que fez correr o governo PSD/CDS-PP? O negócio para favorecer empresas privadas, certamente. A TAP é uma companhia  bem cotada em termos de segurança aérea e os privados, para além de não terem de assumir  dívidas, ainda irão herdar créditos fiscais de 157 milhões de euros.

O transporte aéreo de passageiros é hoje uma atividade económica que dá lucros significativos. Dados da IATA – Associação Internacional de Transporte Aéreo indicam que a aviação civil está em alta (mais de 3 mil milhões de viajantes em 2014)  e o VAB (valor acrescentado bruto) por trabalhador continua a crescer. Mais de 80% dos turistas que entram em Portugal utilizam o transporte aéreo. Daí que companhias aéreas e infraestruturas aeroportuárias sejam cada vez mais objeto de aplicações  dos fundos de investimento. Por exemplo, quase 70% do capital da Vinci, que tomou conta dos aeroportos portugueses por 50 anos, é detido por  500 fundos de investimento.

A razão para o crescimento anual de 6% do ganho por passageiro e km, tem a ver com as alterações na organização do trabalho das companhias aéreas. Mesmo as companhias de aviação tradicionais como a TAP, também conhecidas como FSC (Full Service Carrier), estão a ser geridas cada vez mais como as companhias de baixo-custo (ou Low Cost Carrier). E estas têm conseguido custos de funcionamento bastante baixos graças aos cortes nos salários e à fuga aos encargos patronais. Numa sentença de finais de 2014 dum tribunal de Aix-en-Provence que condenou a Ryanair a pagar mais de 9 milhões de euros à segurança social da zona de Marselha, pode ler-se que os encargos patronais sobre os salários dos trabalhadores são de 40 a 45% na França contra 10,75% na Irlanda. Desde a abertura duma base em Marselha em 2007, a Ryanair nunca declarou a atividade de 127 trabalhadores à segurança social francesa, efetuando os pagamentos salariais ao abrigo da legislação irlandesa, com muito menos encargos patronais. Tal atuação constituiu um autêntico "dumping" social.  Também são conhecidos  os impedimentos pelas companhias de baixo-custo  à sindicalização do pessoal de voo, bem como a frequente utilização de contratos de trabalho de 6 meses.

E aqui está, para além do negócio tão vantajoso para o dono  da companhia aérea Azul, a outra razão para o frenesim do governo em entregar a TAP como se abrisse agora a época de saldos. É que o PSD e o CDS/PP querem mesmo cumprir o programa de austeridade desenhado na universidade de Bocconi (Itália) por Alesina e outros economistas fanaticamente neoliberais. E a austeridade tem como objetivo principal baixar salários, enfraquecer as organizações dos trabalhadores, destruir a contratação coletiva para aproximar, tanto quanto possível os custos do trabalho ao modelo laboral da China.... Não é por acaso que o ex-presidente da Portugália tem insistido que na TAP os sindicatos têm demasiado poder. Quebrar a espinha ao mundo do trabalho, eis o motivo mais profundo para entregar a TAP ao dono da companhia aérea Azul, o tal que a CUT brasileira conhece bem pela sua atuação anti-sindical...

José Castro, jurista, Porto

 

Imagem: TAP. Kok Vermeulen <https://www.flickr.com/photos/rocky_holland/4806178757/>.