Ska ska ska |
Sexta, 27 Janeiro 2012 | |||
Falar da relação entre música e sociedade leva, geralmente, a uma reflexão sobre subculturas e ideologias, principalmente quando nos referimos a géneros desligados da corrente comercial. O caso do ska não é excepção, e a sua relação estreita com o movimento skinhead leva a inúmeras confusões devido a ideias pré-concebidas sobre o tema. Assim, para percebermos a sua ligação à esquerda, é necessário começar por uma breve aula de história. Voltamos aos anos 50, na Jamaica, onde começam a chegar os sons de New Orleans, o Rhythm and Blues. Misturando estas novas sonoridades com as influências musicais caribenhas, os jamaicanos criam o seu próprio estilo musical, que rapidamente se tornou popular. Marcado pelo bater seco nas guitarras, em contratempo, ganha assim o seu nome, que, no fundo, não passa de uma onomatopeia: “ska, ska, ska”. Esta primeira fase coincide com o processo de independência do país que esteve sob domínio imperial britânico até 1962, deixando-o na miséria. Os jovens deparam-se com um futuro incerto, poucas oportunidades de trabalho e de habitação, e vêem-se obrigados a migrar para os guetos de Kingston. No meio da pobreza e violência dos guetos, surgem os Rude Boys - jovens delinquentes, que adoptam o visual dos gangsters dos filmes. Assim, o anterior sentimento positivo reflectido nas letras das canções adapta-se à realidade vivida e o ska torna-se o hino dos Rude Boys. Aparece a Trojan Records, chancela das grandes bandas de ska da altura, como como Skatalites – que duraram até aos dias de hoje! - Symarip, Judge Dread, The Maytals e vocalistas como Desmond Dekker, Laurel Aitken, Prince Buster, Lee Perry, entre outros. A necessidade de encontrar melhores condições de vida leva muitos jovens jamaicanos a emigrar para a Grã-Bretanha, onde se fixam nos subúrbios operários e se integram na vivência da classe operária. A música acompanha este processo e dá-se um passo importante para percebermos a proximidade do Ska com a esquerda. Há que perceber que o Ska não é ideológico por si só. Durante muito tempo, mesmo nesta segunda vaga, era apenas um género musical de influência jamaicana, associado à classe operária inglesa, uma cultura que primava pelo interesse no futebol, álcool e diversão, muito pouco politizada e com uma estética específica. Por necessidade, os jovens rapam a cabeça, vestem de dia botas de trabalho, suspensórios finos e calças de ganga dobradas nos tornozelos, mas à noite transformam-se em elegantes rude-boys ou hard-mods, frequentando clubes de ska. Aparecem então os primeiros skinheads. No entanto, as novas bandas que surgem são influenciadas também pelo punk, que aparece em força nesta altura, e os seus membros e fãs são tanto brancos como pretos. O princípio base era a união. O “two tone”, nome pelo qual é conhecida esta segunda vaga, simboliza isso mesmo: dois tons, duas cores unidas. O Ska torna-se sinónimo de anti-racismo e da vida e orgulho da classe operária, associado muitas vezes aos movimentos SHARP – Skinheads Against Racial Prejudice. Destacam-se nomes conhecidos como The Specials ou Madness. Os próprios The Clash, considerados punk, incluem influências ska na sua sonoridade, aliada a uma temática já com um cunho de esquerda. Com a chegada dos anos 80/90, entramos numa nova vaga. O ska chegou aos vários cantos do planeta, assimilando outras influências. De um modo geral, perde o seu caracter R&B, aliando-se à distorção e guitarradas do punk-rock. É impossível nomear todas as bandas que aparecem desde então, mas a maior parte delas desligou-se completamente de qualquer tipo de associação ideológica. No entanto, houve umas quantas que, pelo contrário, utilizaram a sua música e a tradição de aproximação à classe operária para fazer passar uma mensagem marcadamente esquerdista e anti-fascista. Em Portugal o melhor exemplo foram os Skamioneta do Lixo, com o seu “Ska contra o Rascismo”. Do outro lado da fronteira temos bandas a investir o seu som na causa basca, como é o caso dos Kortatu, ou focando-se em temas como os problemas sociais, o anti-fascismo, o capitalismo e a religião, bem como a legalização da cannabis, como acontece no caso de Ska-P, Skaparapid, entre outras. Entre RASH, SHARP, Anarquistas ou mesmo pequenos grupos de esquerda, preocupados com a situação sociopolítica em que se encontram, quase todos os movimentos adoptaram o Ska como um dos meios de expressão das suas crenças e preocupações. Ainda que não tenha sido um género nascido como reflexo de uma consciência política, como acontece com outros, a própria evolução do ska e as circunstâncias em que este se desenvolveu tornaram quase intrínseca a inclinação para a igualdade, união entre raças e defesa e orgulho da classe trabalhadora, terminando numa mais recente politização da música, que não deixa de ser um forte instrumento de luta. Bárbara Sequeira (também publicado em A Comuna nr 28)
|