1. Paz de Carvão e Aço?
No contexto da pós II Guerra Mundial, com a devastação da
Europa e pressão da emergência do bloco de leste, a França e a Alemanha acordam
criar uma Alta Autoridade, de carácter supranacional, para o carvão e o cço.
Conforme a Declaração Schuman (9 maio 1950): “A solidariedade de produção assim
alcançada revelará que qualquer guerra entre a França e a Alemanha se torna não
só impensável como também materialmente impossível”. O apelo dirigia-se não só
à Alemanha mas também aos demais Estados europeus.
A assinatura do Tratado de Paris em 1951 (entre a França,
Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Itália), ao criar a Comunidade
Europeia do Carvão e do Aço, iniciou um processo de ‘fusão de interesses’ pela
‘delegação de soberania num domínio limitado’ - Jean Monet. Os mesmos seis
estados, em 1952, assinam um novo Tratado de Paris visando a criação da
Comunidade Europeia de Defesa (CED) e posterior integração das comunidades numa
Comunidade Política Europeia. Esse projecto será chumbado pela Assembleia
Nacional Francesa, a qual não ratifica o tratado.
Após aquele fracasso no domínio da defesa, em 1957,
conhecem-se novos avanços com os tratados de Roma. Os tratados de Roma, entre
os mesmos seis estados, alargam o âmbito da delegação de soberania económica
com a criação da Comunidade Económica Europeia (CEE) e da Comunidade Europeia
de Energia Atómica (Euratom). O processo de fusão de interesses progredirá
através da 'ramificação' que (necessariamente) se desenvolveu a partir do eixo
económico.
Como vimos no fracasso da CED, o interesse particular dos
estados e dos seus líderes, que pretendem reservar para si as competências em
matéria de defesa e política externa, impediu a integração nesta área. O
processo de comunitarização de interesses económicos, ainda assim, exige um
mínimo de cooperação entre os estados das Comunidades e, a partir dos anos
1970, desenvolve-se à margem dos tratados (a um nível informal) a Cooperação
Política Europeia (CPE) – cooperação intergovernamental.
2. Um Acto Único e uma União Europeia com 3 pilares?
O Acto Único Europeu, 1986, é o primeiro passo na
formalização desta ‘dualidade de sistemas e métodos’ uma vez que: o mesmo acto
jurídico internacional codifica as disposições relativas à CPE (método
intergovernamental) e revê os 3 Tratados Constitutivos (Tratados de Roma, CEE e
Euratom, e Tratado de Paris, CECA –as três comunidades europeias, nas quais se
aplica o dito método comunitário).
Em 1992, o Tratado de Maastricht, Tratado de União Europeia,
dá um impulso ao carácter político da integração europeia e assume como
objectivos a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capital.
Maastricht cria a cidadania europeia e o objectivo da união monetária (o futuro
euro).
O Tratado de Maastricht institucionaliza os chamados três
pilares: 1º pilar: assuntos relacionados com a agricultura, ambiente, saúde,
educação, energia, investigação e desenvolvimento, Euratom, CECA e CEE ( com o
Tratado de Nice 2001/03, a CECA é integrada na CEE); 2ºpilar: Política Externa
e de Segurança Comum; 3ºpilar: Justiça e Assuntos Internos (a partir do Tratado
de Amesterdão 1997/98 passou a chamar-se Cooperação Policial e Judiciária em
Matéria Penal).
3. Como é que é isso dos dois métodos?
O método comunitário aplica-se ao 1º pilar, ao pilar das
comunidades, e está relacionado com o conceito de integração. O método
comunitário caracteriza-se pelo: monopólio do direito de iniciativa da
Comissão; recurso geral à votação por maioria qualificada no Conselho; o
Parlamento Europeu, sempre sob iniciativa da Comissão, co-legisla com o
Conselho (e faz pareceres, propostas de alterações, etc.); uniformidade de
interpretação do direito comunitário assegurada pelo Tribunal de Justiça.
O método intergovernamental, relacionado com o conceito de
cooperação, caracterizada-se pelos seguintes elementos principais: direito de
iniciativa da Comissão partilhado com os Estados-Membros ou limitado a
determinados domínios específicos; recurso geral à unanimidade no Conselho;
papel consultivo do Parlamento Europeu; papel limitado do Tribunal de Justiça.
No 2º e 3º pilares usa-se o método intergovernamental, embora em assuntos de
menor relevância seja admitida a maioria qualificada do Conselho.
4. Deve ser difícil isso das unanimidades e maiorias,
não?
Com este alargamento de 1986, entram Portugal e Espanha e as
Comunidades Europeias passam a contar com 12 estados: para além dos seis
iniciais tinham já aderido a Dinamarca, o Reino Unido e a República da Irlanda,
em 1973, e a Grécia, em 1981. A Áustria, a Finlândia e a Suécia só irão entrar
em 1995. E, em 2004, esta Europa dos 15 vai ser alargada a mais 10, o maior
alargamento da integração europeia, com a entrada de: Malta, Chipre, Eslovénia,
Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, República Checa, Eslováquia e Hungria. Com
este alargamento, a UE passou de 381 milhões para 456 milhões de habitantes e o
seu território de 3.367 para 4.104 milhares de km². Em 2007, entraram Roménia e
Bulgária.
De facto, a 27 estados aumentam as probabilidades
matemáticas de não reunir consensos e de mesmo as maiorias qualificadas serem
mais difíceis. Aliás, esse era um dos principais argumentos que os partidos do
centrão europeu (PS's, liberais e democratas-cristãos) erguiam em defesa do
Tratado Constitucional. Mas o problema da Europa não é esse.
5. Qual constituição? A UE não gosta da Democracia?
Quando eram apenas seis estados, bastou um Estado (no caso,
a França) para chumbar a Comunidade Europeia de Defesa. Mas agora os 27 estados
e os 27 governos estavam de acordo, eram unânimes. O problema não era serem 27,
o problema era a Democracia. Chamados a pronunciar-se em referendo sobre a
Constituição que os governos queriam para a Europa, os franceses e os
holandeses disseram 'Não'.
A resposta dos poderosos da Europa foi simples, mas
estranha: abriu-se um 'período de reflexão'. E tanto reflectiram que chegaram à
conclusão de que deviam escrever o mesmo que no projecto do 'Tratado que
institu[ía] uma constituição para a Europa', mas disfarçado sobre um novo nome.
Assim nasceu o Tratado de Lisboa, que revendo os tratados anteriores (1),
esconde alguma linguagem mais “federal”, “esquece” a bandeira e o hino, mas
constitucionaliza na prática a política liberal: política da
governamentalização anti-democrática, política das guerras coloniais e
submissão à NATO, política do monetarismo do Banco Central Europeu (BCE), do
ataque predador aos serviços públicos e aos direitos sociais e laborais.
A grande diferença era esta: desta vez não se referenda
porque 'da outra vez correu mal'. Isso mesmo, para os governos e para a
burocracia europeia: as cidadãs e os cidadãos só poderiam pronunciar-se sobre
os aspectos 'constitucionais' da União Europeia se fosse garantido que diriam
'Sim' ao projecto de poder da burguesia europeia. Sim, isso mesmo, trata-se do
projecto de poder da burguesia europeia.
Esbarraram com a Constituição irlandesa, que obrigava a
referendo, e ouviram o indesejado 'Não'. Mas logo os governos, os burocratas e
os demais poderosos com chantagens, subornos e campanhas mediáticas:
conseguiram arrancar um 'Sim' num novo referendo na Irlanda. E as cidadãs e os
cidadãos europeus dos outros 26 países não puderam dizer nada, pois ninguém
lhes perguntou nada. É que isto de obrigar um “não” a passar a “sim”, em poucos
meses, é coisa que dá muito trabalho.
Como disse o prémio Jacques Delors 2003, António Figueira:
esta '“Europa dos Cidadãos” não gosta dos cidadãos da Europa' (2).
6. Mas quem foram e quem são os promotores desta
integração europeia?
A geração de uma burguesia transnacional europeia, e até
transatlântica (3), foi causa e consequência deste processo de integração
europeia. Quanto mais os interesses do grande capital industrial e financeiro
assumiam a escala europeia, mais pressão colocava sobre o processo de
integração, e quanto maior a integração mais estes interesses se
transnacionalizavam.
O arquitecto do mercado único Jacques Delors e então
presidente da Comissão Europeia afirmava em 1993 : 'os dirigentes da ERT
estiveram na vanguarda da minha ideia' (4). A ERT (European Round Table of
industrialists) começou com numa reunião promovida pelo director executivo da
Volvo Pehr G. Gyllenhammar, em Paris, em Abril de 1983, a qual reuniu 17
grandes empresários. Para além da Volvo, estavam representadas as seguintes
empresas: Nestlé, Thyssen, Olivetti, ASEA, Philips,United Technologies, ICI,
Fiat, Shell, Lafarge Coppée, Renault, Cie de St Gobain, BSN, Ciba-Geigy e
Siemens. Actualmente continua a ser um poderoso grupo de pressão, sendo
constituído actualmente por presidentes e directores executivos de 45 grandes
empresas, entre outros: Paulo Azevedo (SONAE), Carl-Henric Svanberg (BP), César
Alierta Izuel (Telefónica), Norbert Reithofer (BMW Group), Antonio Brufau
(Repsol YPF) (5). Vale a pena chamar a atenção para que uma boa parte dos
membros da ERT fazem também parte do Clube de Bilderberg (6).
Note-se que no mesmo mês, Janeiro de 1985, em que Weisse
Dekker (presidente da ERT e da Phillips) apresentou o relatório 'Europa 1990:
uma agenda para a acção', documento que propõe o fim das barreiras comerciais e
as fronteiras fiscais, Jacques Delors toma posse e assume o mesmíssimo projecto
para a Europa.
7. Então e a Europa social?
A Europa social, chamemos-lhe modelo social europeu ou
herança social europeia (7), tal como o processo de integração europeia, nasceu
no pós-guerra. O forte movimento operário e a necessidade de garantir a
lealdade deste movimento no contexto da guerra fria, a necessidade de mão de
obra qualificada e diferenciada a nível técnico e superior, a reconstrução
europeia e a necessidade de relançamento económico pelo desenvolvimento da
produção e do consumo interno: foram factores geradores da herança social
europeia.
Com a trégua do Estado-providência, o capital consentiu em
ser tributado como nunca antes, as disparidades entre os vencimentos de topo e
os vencimentos médios das empresas foram reduzidas, os direitos laborais foram
estendidos, foram criados serviços públicos, nomeadamente de saúde e de
educação, e os movimentos dos trabalhadores renderam-se à expectativa da
progressão indefinida dos direitos sociais.
Na sequência da primeira crise de acumulação do modo
produção fordista, em que se alicerçava este modelo social, iniciou-se a
ofensiva, primeiro intelectual e depois institucional, por parte dos detentores
do capital. Em inícios dos anos 80, começa a ofensiva pela 'desfiscalização' do
capital (8), contra os direitos laborais em nome do combate ao desemprego,
contra a gestão pública dos sectores da saúde, educação, transportes, etc.
7.1. E como se processa desintegração da Europa social?
A Europa social, além daquela realidade da herança social do
pós-guerra, era uma promessa de futuro. No processo de integração europeia,
supostamente, a Europa social ia ser defendida e até renovada para fazer face
aos novos desafios. Esse argumento serviu de propaganda a esta integração
europeia, quando a agenda escondida era fazer recuar as conquistas sociais
europeias.
Esta integração, a vários níveis e várias velocidades,
alterou profundamente a base sob a qual nasceu o Estado-providência do
pós-guerra. E os seus métodos são estes: a integração positiva (exemplo:
permissão da livre circulação de pessoas, bens, mercadorias e capitais), a
integração negativa (exemplo: restrições ao controlo público de sectores da
economia) e a integração por pressão do mercado.
Ao nível da integração positiva e negativa é necessária a
legislação por parte das instituições europeias e a sua aplicação por parte das
instituições nacionais. Quando essas medidas são impopulares, os governos dos
estados-membros 'desculpam-se' perante os seus povos, argumentando tratarem-se
de 'imposições de Bruxelas'. Deturpam porém a realidade do papel dos governos
na UE (e nas anteriores comunidades) e a realidade de serem os partidos do centrão
europeu os mesmos que propõem e aplicam aquelas directivas, tanto em Bruxelas
como nos Estados-membros.
Quanto ao método de integração por pressão do mercado, a
integração resulta das contradições planeadas entre um mercado comum europeu e
sistemas sociais e fiscais nacionais. A pressão da fuga de capitais e das
deslocalizações é maior num mercado comum. Disto resulta que a redução dos
direitos laborais e o abaixamento dos impostos sobre o capital são sempre
feitos sob o argumento de concorrência com os outros estados-membros.
8. Que papel jogam a crise mundial, a crise do euro e os
PECs?
A crise mundial, dita 'queda do Muro de Berlim do
neoliberalismo', que rebentou em Setembro de 2008, pôs em causa o dogma da
auto-regulação do mercado e o suposto 'dado objectivo' de que não havia
dinheiro para sustentar o Estado-providência. De repente, nos EUA e na Europa
foram mobilizados fundos astronómicos para salvar o sector financeiro,
nacionalizando os prejuízos dos bancos. O neoliberalismo e o seu sucedâneo social-liberalismo
sofreram um profundo abalo ideológico e logo surgiram os discursos da
necessidade de regulação, das falhas não do sistema mas dos indivíduos: uns que
se endividavam de mais, outros que eram capitalistas gulosos, desejando um
lucro além da conta. Seria portanto necessário um suposto 'capitalismo ético'
(9).
Numa prova de exímia capacidade de prática dialéctica, o
sector financeiro transformou a fraqueza em força e relançou-se, na Europa, com
um ataque especulativo ao euro. O ataque especulativo ao euro apontou as suas
armas primeiramente à Grécia. A dívida pública grega, escondida com auxílio dos
serviços da Goldmann and Sachs, é descoberta. O governo de Papandreou anuncia
que possívelmente não terá possibilidade de fazer face aos juros dessa dívida,
os quais são multiplicados pela imposição europeia de uma austeridade violenta
e insustentável como contrapartida de um empréstimo. Seguidamente, Portugal e
Espanha são atacados com a baixa de notação pelas agências de rating.
Os ataques à periferia do euro, Grécia, Portugal e Espanha,
só mereceram uma resposta da UE, com a criação de um fundo europeu de 750
milhões de euros e a permissão ao BCE de comprar dívida pública, quando o risco
de incumprimento grego se tornou uma inegável realidade: é que são os bancos
europeus os maiores detentores da dívida pública.
O fundo europeu é qualquer coisa entre uma ilusão e um
ataque aos Estados membros que dele necessitem, e responde igualmente com mais
especulação (10): contrariamente ao permitido pelos estatutos do BCE, este foi
autorizado a comprar dívida pública, mas não pode comprar dívida pública
directamente aos estados, tem de comprar aos bancos; ou seja, no meio do
processo, os bancos têm de ganhar mais qualquer coisa.
A integração económica, apesar dos fundos de coesão
económica, social e territorial, favoreceu também a divergência das economias
nacionais. A coexistência de uma economia exportadora como a alemã e de
economias com défice na balança comercial numa mesma União Económica e
Monetária gerida em piloto-automático monetarista: é geradora de novas
contradições que degradam as economias mais fracas. O BCE foi criado sem
conceito de desenvolvimento, à sombra de um desrespeitável Pacto de
Estabilidade e Crescimento, e foi criado para favorecer o crescimento e
fortalecimento do euro a todo o custo – o monetarismo minou a moeda na sua
própria base. Os Estados e as demais instituições políticas europeias não
podiam intervir na política rigorosa das regras pétreas do BCE, mas bastou a
pressão de alguns bancos privados e afinal 'o mundo mudou'.
A obsessão do corte no défice chega ao
ponto de haver vozes a clamar pela introdução do vírus monetarista nas
constituições dos estados-membros. Limita-se o défice cegamente, depois as
contas são simples e a receita é esta, embora seja apresentada de outra
maneira: a política liberal continua o processo de redução de impostos sobre o
capital, reduz-se a receita fiscal e os políticos liberais 'resolvem o
problema', por um lado, com receitas extraordinárias resultantes das
privatizações de empresas lucrativas e de património imobiliário do Estado, por
outro, recorrendo ao corte no que for restando dos serviços públicos e da
protecção social. No ano seguinte, o défice persiste pois o desmantelamento do
Estado social ocorre a um ritmo menos acelerado que a desfiscalização e as
empresas privatizadas já não dão o seu lucro ao Estado (e este ficou com os
encargos dos sectores não lucrativos e/ou com a prestação de compensações aos
privados nesses sectores).
No contexto do ataque especulativo ao euro através das
periferias, a situação agravou-se e as medidas 'anti-crise' e os seus ditos
planos de estabilidade e crescimento (PECs) impostos aos estados não passam de
'pacotes de crise': os estados 'compram' mais crise para que os bancos não
ressaquem com as doses actuais de crise. Como suposto caminho para redução do
desemprego, gerado nesta destruição da economia real a favor do sector
financeiro, surgem as receitas do costume: a desregulação das relações laborais
e consequente aumento da precariedade. O desmantelamento do que resta do Estado
social e do seu património é acelerado e o rítmo de destruição atrás descrito é
avassalador.
9. Até onde vai a ofensiva liberal e da direita
populista?
Conduzidos pelo vanguardismo do sector financeiro, todos os
sectores da burguesia aproveitam esta boleia no combate às conquistas
civilizacionais do pós-guerra. Quem mais ganha com estas políticas recessivas é
o sector financeiro, mas o grande patronato também ganha com a precarização das
relações laborais e com a falência e consequente proletarização dos pequenos
empresários. Para distrair, atribuir as culpas às vítimas e lançar exploradas e
oprimidos uns contra os outros: contamos sempre com os populistas de direita.
O populismo de direita elege como bodes expiatórios da crise
os suspeitos do costume: imigrantes, minorias étnicas e, numa ampla aliança que
vai da direita ao dito centro-esquerda de que foi exemplo o pacto
Sócrates-Passos Coelho, os beneficiários de prestações sociais (ditos 'subsídiodependentes')
e os trabalhadores com alguma segurança no trabalho são acusados de
privilegiados e até de preguiçosos. Tentam provocar-se choques étnicos,
religiosos e até de gerações (entre a geração que 'ainda' tem contrato de
trabalho e a juventude precária).
Na ofensiva etno-religiosa chegam mesmo a escrever-se
fábulas excitando fobias de uma invasão da Europa pelo Islão, numa literatura
em torno da ideia de uma distopia chamada Eurábia.
Também para nos distrair dos problemas reais e estruturais
da economia, já vão sendo culpabilizados os sistemas mais 'brandos' perante a
criminalidade e sendo defendida a ideia de um endurecimento dos regimes.
No caso português, a proposta de Passos Coelho de reforço
dos poderes presidenciais, que acompanha aliás a agenda anti-Estado social
(11), pretende dar as culpas ao poder do parlamento. Esta proposta entra no
mesmo rol das propostas de círculos uninominais e/ou de redução do número de
deputados: propostas que apenas visam reduzir a proporcionalidade, reduzir o controlo
parlamentar, e conseguir maiorias absolutas ainda mais artificiais que as
actuais.
A governamentalização da política europeia já foi conseguida
pela transferência de poderes das democracias parlamentares nacionais (o caso
da esmagadora maioria dos estados-membros) para uma esfera europeia com elevado
défice democrático, onde não há um real poder do único órgão eleito
democraticamente: o Parlamento europeu. Ainda assim, a classe dominante quer
mais governamentalização e menos democracia parlamentar.
10. Que fazer perante a crise europeia?
A resposta é: Começar de Novo. No 'Começar de Novo' pode
ler-se: 'a Europa em que Portugal tem interesse e vantagem em participar é a
que sabe projectar o melhor da sua História no futuro. É uma Europa capaz de
valorizar todas as identidades, das nacionais às de classe, das migrantes ao
multiculturalismo, e fazê-las convergir na defesa das suas conquistas
civilizacionais e no combate à barbárie que a globalização espalha pelo
planeta' (12).
A Europa precisa de começar de novo. Não precisamos de
'constituições europeias' de marca liberal -conservadora outorgadas pelos
poderosos da Europa. Precisamos de uma refundação democrática e social feita
pelas cidadãs e pelos cidadãos da Europa. É esta a proposta do europeísmo de esquerda:
a luta pela Democracia Europeia.
Bruno Góis
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