Um Prefácio Oferecido ao Escrutínio Crítico Versão para impressão
Terça, 14 Dezembro 2010

Quando se desfolha o livro “Os Valores da Esquerda Democrática – Vinte Teses Oferecidas ao Escrutínio Crítico” - de Augusto Santos Silva (ASS) fica-se com a sensação que a governação, nacional e europeia, por parte de governos socialistas e social-democratas tem sido idónea no rumo que o país e a Europa têm levado.

Do início ao fim desta obra espalha-se uma brisa de optimismo sobre o papel da auto-denominada “esquerda democrática”. Obrigando qualquer leitor, com a mais elementar noção da situação social em que está inserido, a elaborar algumas anotações históricas e fazer uma pequena reflexão sobre a conjuntura socioeconómica contemporânea, para que no livro haja um maior namoro entre os argumentos expostos e a factualidade cronológica.

ASS divide a sua “Tábua de Teses” em cinco capítulos: Marcadores, Valores, Identidade, Aprendizagens e O que se é.

Talvez fosse pedir muito, que se reservasse um capítulo para alguma auto-crítica - principalmente sobre o rumo liberal que o espaço político em questão tem tomado. Mas não teria ficado nada mal, principalmente se o objectivo do livro era ser mais que um breviário panfletário, que ASS tivesse reservado umas linhas no capítulo “Aprendizagens” para desenvolver algumas ideias sobre a responsabilidade da social-democracia nesta crise financeira e o que poderia ter aprendido com ela.

Mas não é isso que se encontra, mas sim as lições da direita, o gosto pelo mercado, o centrismo, a moderação e a utilidade das restantes esquerdas para os temas pós-materialistas como a “liberdade subjectiva”, a “participação”, o desenvolvimento sustentável e a “luta contra a exclusão”.

Indo por partes. Depreende-se ipsis-verbis que a nomenclatura do PS e os seus ideólogos não são mais que agentes do status quo, o que facilita a compreensão do porquê de todas as decisões políticas serem preferencialmente executadas à direita.

Por outro lado, quando se define temas políticos como a liberdade, participação política, desenvolvimento sustentável e luta contra a exclusão como sendo pós-materialistas desnuda-se todos eles da dialéctica do salário, preço e lucro.

Entende ASS que questões como a liberdade em sociedade e a participação política por parte dos cidadãos não têm nada que ver com a condição social que esse mesmo indivíduo ocupa na cadeia de produção, uma vez que entende que essa discussão se faz num campo onde os factores económicos não têm espaço. E ainda mais ridícula fica a categorização quando se pretende fazer o debate do desenvolvimento sustentável e da exclusão social fora do campo materialista.

Como se não existisse uma correlação directa entre a destruição e consumo desenfreado dos recursos e do meio ambiente, e a busca constante pela acumulação e pela criação de mais-valia.

Por outro lado, é quase escusado fundamentar o porquê da discussão da exclusão social só fazer sentido dentro do campo do materialismo, seja por ser claro que é a estrutura económica que em primeira e última instância exclui o indivíduo ou um grupo social da sociedade, ou por toda e qualquer ampliação de liberdades, direitos e garantias, servir sempre mais quem não ocupa lugares privilegiados na cadeia de produção. Foi sempre assim que se desenrolou a história da conquista dos direitos: um eterno combate de imposições. Nenhum direito foi em si atribuído, sem que por detrás tenha havido um longo registo de conflitos verticais, em sentido ascendente, de variada natureza, até à sua consagração.

Em suma, a utilização da terminologia pós-materialismo no tocante a direitos sociais, demonstra que na ordem do dia da “esquerda democrática” estão as operações estéticas.

Voltando à satisfação omnipresente em ASS, torna-se curioso confrontar a suas visões e afirmações com o que escreve Duarte Cordeiro (DC) em “Socialismo no séc.XXI”: “actualmente, e enquanto socialistas, dificilmente poderemos sentir-nos satisfeitos com a situação económica e social do mundo, da Europa ou de Portugal (…) o Mundo parece ter aprendido pouco com esta crise financeira, económica e social, e as soluções de austeridade apresentadas na generalidade dos países aumentarão ainda mais o desemprego e as desigualdades sociais (…) são necessárias novas soluções e os partidos social-democratas devem liderar esse caminho”.

 Apesar de natureza ligeiramente diferente, ambos os livros foram publicados na mesma altura, o que deu tempo a ambos os autores para assistirem à mesma crise, e ao posicionamento e responsabilização dos seus campos políticos sobre ela. Se por um lado em ASS podemos encontrar o suave dito popular “tudo está bem quando acaba bem”, em DC conseguimos identificar algum desconforto com a obediência aos cantos liberais por parte da social-democracia. O que só por si já desconstrói grande parte da essência das teses de ASS.

No entanto, não se pode esperar rigorosamente mais nada da social-democracia, para além do que se encontra na obra de Santos Silva, um enorme vazio de ideias para além da gestão corrente centrista, tal como afirma Immanuel Wallerstein “Tem futuro a social-democracia? Como preferência cultural, sim; como movimento, não.”

As receitas para a crise foram elaboradas em sede de centrão com a direita europeia e as saídas são aplicadas em consonância. Pelo que a única liderança que a social-democracia assume é a da responsabilidade total de hoje o mundo estar como está.

Fabian Figueiredo 

 

 

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