5 de Outubro – O Tempo e o Modo Republicanos |
Terça, 14 Dezembro 2010 |
No centenário da implantação da República em Portugal manifestaram-se diversos pontos de vista que merecem análise. 1. A causa monárquica, pela voz do aristocrata da finança Paulo Teixeira Pinto (reformado do BCP), antecipou-se dois anos e invocou o regicídio de 1908 como símbolo da “barbárie” arruaceira e anticlerical, numa caricatura grosseira do regime republicano. Numa perspectiva histórica, a capitulação perante o Ultimato britânico, o atoleiro de corrupção e escândalos envolvendo directamente a Casa Real e a ditadura de João Franco foram, só por si, razões mais do que suficientes para justificar o ajuste de contas perpetrado pelos carbonários Costa e Buíça. Mais de um século depois da revolução francesa, o regicídio português foi uma pálida imagem da guilhotina que sentenciou os Bourbon. De resto, como escrevia Lenine na sua carta aos republicanos portugueses (1), o sucedido não passou dum “acidente profissional” dos reis… 2. No campo republicano, embora com menos convicção do que no passado, ainda há quem se compraza com a glorificação do 5 de Outubro. Perspectiva que não resiste à análise dos factos nem explica como a República se finou, a 28 de Maio, perante a apatia inicial dos trabalhadores e das camadas populares mais interessadas em defendê-la. A vasta aliança de classes que possibilitou o derrube da monarquia ia desde a pequena burguesia urbana, aos sectores mais dinâmicos da indústria e do comércio, às profissões liberais em ascensão (médicos, advogados e engenheiros), arrastando o operariado e as camadas populares das cidades. Mas a direcção do Partido Republicano capitulou perante os interesses que, há mais de um século, são “donos de Portugal”. Este bloco social esfarelou-se nos governos de Afonso Costa, que ficaram para a história como “racha-sindicalistas”. O movimento operário, de débil influência socialista, radicalizou-se de forma inconsequente para o anarco-sindicalismo ou sindicalismo revolucionário, com forte implantação ibérica. A participação de Portugal na I Guerra Mundial imperialista veio piorar tudo: a morte de dezenas de milhares de soldados, carne para canhão na Flandres; o regresso ao redil da “velha aliada” inglesa para salvar as colónias de África; a carestia, o tifo e outras epidemias; até o justo anseio de acabar com a guerra foi manipulado e serviu de pasto à implantação da ditadura de Sidónio Pais, predecessora do salazarismo. 3. Mais comum é a crítica à instabilidade política da República, à “desordem nas ruas”, aos atentados bombistas e ao radicalismo anticlerical. Esta perspectiva conservadora apresenta, de forma mais ou menos explícita, a ditadura do Estado Novo como “inevitabilidade necessária”. Nada mais falso. O fascismo não era inevitável, nem a única saída possível, em Portugal como na Europa. O nazi-fascismo foi a resposta do capital monopolista à grande depressão e à crise das democracias no pós-guerra e uma reacção ao surgimento do novo poder soviético. A implantação da ditadura, após o 28 de Maio de 1926, não diminui o alcance histórico do 5 de Outubro, face ao caduco regime monárquico e ao suposto “direito divino” da realeza que sustentava os privilégios da aristocracia. A República estabeleceu o princípio do Estado laico e a separação entre o Estado e a Igreja, como garante da liberdade religiosa ou anti-religiosa e da igualdade entre as diversas confissões. Apesar das limitações na prática do sufrágio universal – só votavam os alfabetizados, menos de 20% da população e os “chefes de família”, o que excluía as mulheres – o regime republicano representou um enorme avanço e uma abertura política na vida dum país com quase oito séculos. 4. Do ponto de vista progressista, o que há a criticar não são os “excessos” mas sim a tacanhez democrática dos líderes burgueses republicanos. Estes nunca ousaram disputar os camponeses analfabetos (a maioria da população) à influência dos caciques e dos padres e enclausuraram a República nas cidades. Salvaguardadas as devidas distâncias, cabe recordar que, na Rússia, a vitória dos bolcheviques foi assegurada pelos decretos da paz e da terra. Como atrás se disse, o fascismo não era a única resposta possível à crise política permanente da República. Após a morte de Sidónio Pais e durante a década de 1920, houve tentativas sérias de corrigir o défice social e de alargar a base de apoio popular do regime republicano. Em corte com o pântano do Partido Democrático instalado no governo, que ia ganhando as eleições e só saía do poder à força de golpes militares, surge o Partido Republicano da Esquerda Democrática que, em Abril de 1926, realiza o seu 1.º Congresso. A Esquerda Democrática, em aliança com o jovem Partido Comunista Português, fundado em 1921, chegou a ganhar eleições em Vale de Vargo e noutras localidades do distrito de Beja. Estas tentativas de regeneração tardia já não resultaram, mas a República vendeu cara a derrota e a resistência ao fascismo nunca esmoreceu. Da derrota da I República tirou lições a Constituição saída do 25 de Abril que instituiu o sufrágio universal e inscreveu no seu texto os direitos dos trabalhadores e das mulheres, uma cidadania sem discriminações no quadro duma democracia política, representativa mas também participativa, económica, social, cultural e ambiental. Ontem como hoje, estes ideais estão longe da sua plena concretização. Apesar disso e até por isso mesmo, os valores e ideais democráticos da República e da Constituição de Abril são uma bússola para enfrentar e vencer os desafios e as lutas do presente. 5. Naturalmente, nem o 5 de Outubro nem o 25 de Abril representaram o fim da História – tanto no sentido do progresso como dos retrocessos que estamos a viver, no furacão da crise do neoliberalismo e sob a maior ofensiva do pós-guerra contra os direitos dos trabalhadores. A História também nos ensina que os períodos revolucionários relativamente curtos valem mais do que décadas de estagnação, em termos de conquistas da humanidade. E só respondendo com acerto político às dificuldades do presente se acumulam forças para a crise revolucionária, cujos germes se multiplicam com a fuga para a frente do neoliberalismo. Mais do que aspiração, o socialismo desponta como alternativa à barbárie. Os marxistas não se dispersam em exercícios de futurologia, mas têm obrigação de aprender com as lições da História. O futuro poder dos trabalhadores, no seu tempo e a seu modo, será republicano, num Estado de Direito Socialista que levará mais longe o legado progressista do 5 de Outubro e do 25 de Abril. Outra forma de conjugar o velho jargão marxista: ligar a revolução democrática, tardia e truncada em Portugal, à revolução socialista que exigirá conjugação de forças com outros povos europeus. Alberto Matos (1) http://www.acomuna.net/content/view/466/28/
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