OE 2011: Licença para Acumular |
Terça, 14 Dezembro 2010 |
A teoria marxista apresenta o Estado como uma estrutura de poder que realiza a força política da classe dominante. É conhecida a passagem do Manifesto do Partido Comunista, onde se clarifica esta ideia: “O executivo do Estado moderno nada mais é do que um comité para administrar os assuntos comuns de toda burguesia". Logo, se o Estado é um instrumento de dominação, o seu Orçamento de Estado é a aplicação das políticas da classe dominante. Será esse o ponto de partida para a análise e interpretação do Orçamento de Estado para 2011, aprovado com o voto favorável do PS e a abstenção do PSD.
Memórias de um arrufo de Verão O Verão foi quente no relacionamento entre José Sócrates e Pedro Passos Coelho. Depois de um arranque primaveril onde a política da austeridade uniu o bloco central, PS e PSD tentaram fazer os possíveis para se distanciarem aos olhos dos portugueses. O cenário da incerteza da aprovação do Orçamento de Estado começou a ser criado logo após o findar de Agosto e procurou mostrar alternativa, onde apenas existe alternância. Os discursos da reentrée poderão parecer agora anedóticos, mas vale a pena serem recordados, pois mostram como os compromissos são efémeros para o bloco central. De um lado, José Sócrates dizia-se irredutível na defesa do Estado Social, particularmente do Serviço Nacional de Saúde; do outro, Passos Coelho dizia não aceitar um Orçamento de Estado que aumentasse impostos. Tão distantes ficaram estas palavras da realidade… O que não mudou desde o Verão é a pressão especulativa sobre a dívida soberana portuguesa que continua indiferente a qualquer discussão sobre o Orçamento de Estado, até mesmo à sua aprovação. Contudo, foi na pressão sobre a dívida soberana nacional que se encontrou o maior argumento para a legitimação do Orçamento de Estado. Como seria expectável, o Governo foi dramatizando a situação até a argumentação apenas se cingir à necessidade de acalmar os mercados. O Orçamento tinha de seguir o rumo da austeridade, porque era este o desígnio traçado pelos mercados e a sua aprovação era incontornável, pois o contrário seria incompreensível para os mercados. Os mercados também legitimaram a abstenção do PSD, pois, a rejeição do Orçamento de Estado, por muito mau que este fosse, lançaria a ira dos mercados sobre Portugal. A solução política apresentada aos portugueses foi a legitimação da austeridade: um Orçamento de Estado inevitável e a inevitabilidade da sua aprovação. Qualquer ideia para além desta dura realidade era imediatamente conotada como incapaz de agradar aos mercados e liminarmente rejeitada. A inevitabilidade na mensagem política é, regra geral, uma imposição da classe dominante, procurando ganhar apoio social para as suas políticas. É tão mais clara esta verdade no presente caso, quanto se verifica que o jogo da especulação sobre a dívida soberana não acalmou com a aprovação do Orçamento, ou que o grande capital português se encontra entre esses especuladores.
Política de Classe para um Orçamento de Austeridade A máxima marxista materializou-se no Orçamento de Estado para 2011, onde as opções de classe são marcadas e o bloco central deixou bem claro quais os interesses que representa. Dúvidas houvesse e as reuniões de banqueiros com o Ministro das Finanças e com o líder do PSD tudo esclareceram. O Orçamento de Estado do capital é o ataque ao Estado Social, aos rendimentos do trabalho e aos apoios sociais. Os portugueses continuam a ser chamados a pagar uma crise que não criaram, sendo-lhes prometido um ano de 2011 pior que o de 2010. O debate orçamental, devido ao cenário de crise capitalista, procurou esconder as opções políticas por trás das escolhas. A mera discussão entre a despesa e a receita procura esconder a necessária valorização da eficiência e qualidade da gestão dos dinheiros públicos. É a transformação da política em contas de gerência, das pessoas em números e dos direitos em despesas. O momento clarificador do debate orçamental ocorreu com as declarações de Manuela Ferreira Leite: “Quem manda é quem paga”. E se quem paga são os mercados, quem manda é o capital especulador. A agenda da chantagem dos mercados é o programa de governo neoliberal. A diminuição dos salários da administração pública dá o mote ao sector privado. Assim o disse o Ministro das Finanças, indicando que a agenda capitalista a curto prazo é a da diminuição dos salários para um aumento da taxa de exploração. O capital anseia pelas taxas de acumulação anteriores à crise e a diminuição do custo do trabalho é considerada essencial. Por outro lado, a pressão para a diminuição da protecção no emprego aumenta, com o capital a exigir maior facilidade nos despedimentos e diminuição das indemnizações. Cortam-se salários, congelam-se pensões e aumenta-se o imposto sobre o consumo: o caminho para a recessão e o agudizar das desigualdades. A diminuição da protecção no desemprego e o corte nos apoios sociais é mais uma forma de pressão que este orçamento usa contra os trabalhadores. A pressão para a aceitação de salários mais baixos, de contratos mais curtos, da precariedade laboral, de precarização das condições de higiene e segurança no trabalho, é enorme e sai reforçada. A diminuição do Estado Social é o caminho que retira escolhas e desprotege aqueles que mais precisavam de ser protegidos. O caminho da austeridade é o caminho da perpetuação e acentuação das desigualdades. É o caminho onde se trocam apoios sociais por submarinos ou abonos de família por isenções fiscais para grandes grupos económicos. A delapidação do estado pelos privados continua a sair protegida com o gigantesco rol de privatizações anunciadas. São 18 as empresas que o Governo pretende privatizar total ou parcialmente, retirando ao Estado poder estratégico para influenciar a economia, mas, também, importantes fontes de rendimento, capazes de equilibrar as contas públicas. Empresas estratégicas do sector energético, da construção naval, dos transportes e dos seguros pertencem a esta lista. É o caminho do corte nas funções do Estado, delegando no mercado competências estratégicas e colocando os portugueses reféns dos privados, que apenas procuram a maximização do lucro. É o caminho da cegueira de quem nada aprendeu com a crise. Para além das privatizações, o desinvestimento nos serviços públicos aparece como o fomento aos privados. O exemplo mais claro é o orçamento do Ministério da Saúde, onde os cortes atingem os 12,8%. Numa altura em que os privados já asseguram uma parte relevante dos serviços de saúde, muitas vezes financiados pelos cofres públicos, este corte representará uma diminuição da qualidade do Serviço Nacional de Saúde. Já vão longe as juras de Verão de José Sócrates onde se dizia acérrimo defensor do SNS. A inexistência de um investimento público capaz de dinamizar a economia é outra das escolhas ideológicas orçamentais. O Orçamento de Estado para 2011 esquece as pessoas e existe apenas para os mercados, mesmo que os mercados não o valorizem. É a escolha da austeridade e da desigualdade, da crise e da exploração.
O Saque Continua O Orçamento de Estado para 2011 foi apresentado como o necessário para acalmar os mercados. O resultado foi o inverso: após a sua aprovação, os juros da dívida soberana portuguesa atingiram máximos históricos. O discurso da inevitabilidade foi assim confrontado com a realidade e não passou o teste. Não podia ser de outra forma: os altos juros representam altos dividendos para o capital, mesmo que seja capital nacional que encontrou na especulação sobre os juros da dívida nova forma para se multiplicar. O Orçamento de Estado para 2011 responde aos anseios do capital de várias formas: materializa as políticas de austeridade e é um ataque aos portugueses que vivem do seu trabalho. Contudo, a pressão para o aprofundar das políticas de austeridade continua presente. A promessa de Teixeira dos Santos aos seus congéneres europeus de que Portugal iria prosseguir uma reforma estrutural no sector da saúde e no dos transportes é o prenúncio que o ataque aos Serviços Públicos irá prosseguir. Essa é a agenda que o capital está a seguir ao nível europeu e à qual o Governo português é submisso. É uma agenda que tem também incluído um ataque aos direitos dos trabalhadores, particularmente à sua protecção no emprego. É a pressão para que seja mais fácil despedir e que se diminuam as indemnizações a pagar. São as cenas dos próximos capítulos nesta ofensiva capitalista, que em Portugal é levada a cabo pelo PS e sustentada pelo bloco central. Os desaguisados entre PS e PSD tiveram o desenlace natural na aprovação do orçamento. Os interesses do capital não podiam ser beliscados pelos seus pilares políticos de sustentação… O mesmo se passará com as novas medidas de flexibilidade que estão na calha. Pedro Filipe Soares |
A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
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