O “contrato” Versão para impressão
Sábado, 13 Dezembro 2008
As recentes alterações ao Regime Jurídico do Divórcio suscitaram diversas críticas que ainda hoje se fazem ouvir, que anunciam o fim do casamento e mesmo da família tal como têm sido entendidos até hoje.

A Lei aprovada na Assembleia da República por uma maioria muito alargada, foi objecto de veto político de Cavaco Silva e mereceu duas mensagens do Presidente aos deputados e deputadas, de duras críticas por parte da igreja católica (embora se trate do casamento civil) e dos sectores mais conservadores e reaccionários do nosso país.
A nova lei trata dois aspectos: a alteração do regime de divórcio e consagra a responsabilidade parental em substituição do retrógrado conceito de poder paternal, cuja origem remonta ao direito romano, que consagrava a propriedade do pai sobre os filhos e filhas.

Sobre o novo regime do divórcio, há dois grupos de críticas fundamentais: um em relação aos aspectos em torno do “contrato de casamento” e outro no que consideram ser a desprotecção da “parte mais fraca no contexto desse contrato”.

Afirmam que o novo regime “elimina” os “deveres conjugais” e como consequência ataca o “contrato” de casamento e “destrói” a sua estrutura. Esta crítica foi sustentada por Cavaco Silva e fez eco em vários sectores jurídicos.
Baseia-se no facto de o casamento ser um “contrato” que, para ser é posto em causa, para ser “rescindido”, carece de uma “justificação”.

Justificação que deve ser validada, por um juiz. A vontade de uma das partes em “rescindir”, não é motivo suficiente. Quem invoca essa vontade terá que assumir a culpa pelo resultado objectivo da sua vontade – a culpa da ruptura do casamento.

O conceito de “contrato” de casamento é por isso central neste debate.

O casamento e o direito ao divórcio, este só conquistado no pós- 25 de Abril, sofreram várias alterações ao longo dos últimos 30 anos. Sem dúvida é um contrato, mas sempre um contrato especial, pois não regula simplesmente valores materiais. A regulação dos valores materiais, é consequência da base fundamental deste “contrato” - a manifestação de duas vontades, baseada num afecto, expressa livremente. Veja-se as situações de casamento com separação de bens, ou seja um contrato que não regula nenhuma questão material, por decisão das partes que o celebram.

Mas este “contrato” foi, desde sempre, concebido como uma forma de exercício de um determinado poder no seio da família, para garantir a transmissão da propriedade e de forma a assegurar a sua indissolubilidade. No contexto desse “contrato”a vontade individual, os direitos individuais, a liberdade de escolha eram limitadas e mesmo diminuídas, enquadradas nos chamados “deveres conjugais”, cuja violação “formatava” as justificações para a dissolução do casamento.

Aqui reside a primeira divergência de fundo: nem o casamento é um contrato vulgar, nem as partes estão obrigadas àquilo que não se lhes pode pedir. Manter o “contrato” mesmo contra a sua vontade, apenas porque para o dissolver tem que se provar que alguém é culpado do seu fim. Nem nos contratos comerciais é pedido tanto, quanto mais num contrato que é baseado na vontade livre e expressa de duas partes, em igualdade de circunstâncias. Não há casamento sem as duas vontades, não se pode manter impondo uma só vontade. A não ser que se entenda e se defenda que uma vez essa vontade expressa ela tem valor para toda a vida. Embora já ninguém acredite neste princípio e sejam muito circunscritos, os sectores, conservadores, que sustentam abertamente esta concepção, o que é um facto é que é dela que emana toda a estrutura de culpa na ruptura do casamento.

Só uma visão, ideologicamente marcada pelo valor da transmissão da propriedade e patriarcal, defende o divórcio dentro dos limites do incumprimento dos deveres conjugais, subjugando os interesses e a vontade de uma parte à outra. E como não respeita a escolha individual, só admite a ruptura com o apuramento de um culpado ou uma culpada, tirando daí consequências, inclusive patrimoniais.

Por outro lado, só uma visão patriarcal conduz à constatação, artificial, que as mulheres são as mais prejudicadas, porque ainda são a “parte mais fraca”, o que acaba por legitimar a concepção de subalternidade da mulher no casamento, exposta ao longo de séculos a um escrutínio familiar e social sobre o seu papel de esposa, dona de casa e mãe muito maior dos que os homens foram ou são.

O exemplo utilizado para justificar esta concepção é a situação das mulheres vítimas de violência, entendida a violência como uma violação dos direitos conjugais. Mas a violência exercida sobre as mulheres é muito mais que a violação do dever de “respeito”, é uma violação do princípio da igualdade entre os cônjuges, é um crime público. É por isso uma questão que não se inscreve na intimidade da vida familiar e cuja penalização não se resume, nem de perto, nem de longe ao divórcio.

No casamento já não existe “chefe de família”, as obrigações são partilhadas e ambos os membros do casal têm os mesmos direitos. O divórcio tinha que acompanhar estas concepções e respeitar a liberdade das pessoas.
Pode uma pessoa ser penalizada por não querer manter-se num casamento contra a sua vontade? Deve uma pessoa ser declarada culpada porque entende, mesmo unilateralmente, que o casamento chegou ao fim?
Não, não pode. E a Lei deu um passo significativo nesse sentido.

Helena Pinto

 

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