O Gueto de Gaza Versão para impressão
Domingo, 06 Junho 2010

O brutal ataque de Israel a uma frota de ajuda humanitária provocou inúmeras reacções, um pouco por todo o mundo, de condenação do acto e de pesar pela perda de vidas humanas. Louvando todas essas atitudes parece-me no entanto de realçar que este acto é um dos que conseguiu entrar no circuito internacional de notícias e que Israel é responsável por inúmeros outros crimes que diariamente ocorrem em Gaza mas não são noticiadas

Artigo de Ana Cansado 

A frota atacada partiu numa missão que é a de furar o bloqueio ilegal que consiste no isolamento imposto à Faixa de Gaza desde Junho de 2007 cujo cerco evoca a imagem plasmada no artigo de Joan Mandell1, Gaza: Israel's Soweto2. De facto as imagens de Gaza lembram o Soweto, um subúrbio na África do Sul que, na época do apartheid tinha o aspecto de um grande bairro de lata negro junto à cidade branca de Joanesburgo.

Se a política oficial de Israel não advoga a discriminação racial a prática do seu governo resulta num apartheid, em que o comércio além das fronteiras é enormemente dificultado assim como o acesso dos palestinianos aos seus locais de trabalho. Os negros de Joanesburgo só iam à cidade prestar serviços e regressavam ao fim do dia ao bairro de lata, estando sujeitos a controlos de identificação tal como agora funcionam os checkpoint israelitas.

As condições de vida na Faixa de Gaza, resultantes do apartheid israelita, são da ordem da sobrevivência. A falta de água, de energia, de alimentos, de combustíveis e de remédios é tal que se não estivessem implantadas no território agências internacionais possivelmente os palestinianos em vez de serem escravizados já teriam sido exterminados.

A minha escolha de palavras não é inocente e mais uma vez recorro a imagens evocadas por Joan Mandell desta feita o seu documentário Gaza Ghetto3. Apenas conheço a sinopse mas logo o título alerta para uma situação à partida impensável pois o isolamento da população judaica de Varsóvia num gueto, imposto pelos nazis após a ocupação da Polónia, e que antecedeu as deportações para os campos de extermínio, marcou para sempre a comunidade judaica e também todas as pessoas que lutaram contra o regime nazi em solidariedade com um povo perseguido e escravizado.

A bárbara história do Gueto de Varsóvia repete-se agora em Gaza, mas o povo que outrora foi vítima é agora o opressor. E tal como os nazis alegaram a sua defesa contra os judeus, o governo israelita alega agora a sua defesa contra os palestinianos.

A revolta que a opressão do povo palestiniano provoca tem que dar lugar ao apoio de iniciativas que furem o bloqueio e confrontem os opressores. A solidariedade com os palestinianos deve ir, no entanto, para além da visão redutora de um conflito entre israelitas e árabes.

A responsabilidade pela brutalidade do comportamento de Israel não é apenas do seu governo. A reacção diplomática do Conselho de Segurança das Nações Unidas foi apelar a que se lance um inquérito e a declaração aprovada limita-se a lamentar a perda de vidas humanas e os feridos resultantes do uso da força, sem a condenação explícita de Israel por ter lançado o assalto militar em águas internacionais contra a frota que se dirigia a Gaza.

O recém laureado Nobel da Paz, o presidente dos EUA, Barack Obama classificou o ataque israelita como uma situação trágica mas afirmou que é prematuro condenar Israel. Aliás a postura norte-americana dentro e fora do Conselho de Segurança tem sido a de lamentar os actos mas não condenar Israel, que logicamente percebe a falta de condenação como uma aprovação tácita dos seus actos. O bloqueio a Gaza apenas se mantém porque tem a conivência dos Estados Unidos da América que hoje prefere aliar-se aos opressores em vez de libertar os oprimidos.

O governo português, outros governos europeus e a própria União emitiram declarações de pesar, porém a sua indignação também não passou pela condenação de Israel mas por um pedido de inquérito revelador da hipocrisia das lideranças europeias.

A impunidade de Israel é resultado da vontade do império e do poder do seu porta-voz, o governo dos Estados Unidos que, tal como os governos europeus, prossegue os seus interesses e faz as suas alianças com base em interesses contraditórios aos dos povos que lideram. Gaza fica no Médio Oriente, e como tal a barbárie tem maior intensidade e menos tempo de antena, mas numa escala menor a crueza destes predadores vê-se também nos ataques aos direitos dos trabalhadores europeus e americanos

A nós cabe-nos ser solidários com Gaza e também na Europa e nos EUA lutar contra a opressão.


Ana Cansado

1 Joana Mandell é a directora da Olive Branch Productions. Norte-americana, viveu e trabalhou no Médio Oriente durante muitos anos. Foi professora de cinema na Universidade da Califórnia.

2 Disponível em http://www.jstor.org/stable/3012342

3 Disponível em http://www.newday.com/films/GazaGhetto.html

 

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