«Liberdade ou morte» Versão para impressão
Sábado, 13 Março 2010

A luta genuina dos oprimidos tem uma característica singular que dificilmente  permite enganos ou manipulações: ela é assumida como uma questão de vida ou de morte.

A revolução cubana em 1959 e nos duros anos que se lhe seguiram, perante o bloqueioo dos EUA, adoptou uma legenda de audácia, coragem e nobre dignidade, que ecoou por todo o mundo sensibilizando, comovendo e mobilizando milhões de pessoas: «Pátria ou Morte».

A Pátria cubana foi olhada como uma última referência de esperança por todos aqueles que tinham visto desabar as suas ilusões destroçadas pela violência e opressão  no grande Estado Socialista,  a URSS.

«Liberdade ou morte» é agora legenda, não do Estado cubano, ou seja do Partido Comunista Cubano, mas daqueles que na pátria cubana não aceitam renunciar a ela  porque, como dizia Sophia Mello Brayner acerca do Portugal de antes do 25 de Abril: 

«quando a pátria que temos a não temos / perdida por silêncio e por renúncia/ até a voz do mar se torna exílio/ e a luz que nos rodeia é como grades».

Pesem todas as dissidências e discordâncias, ainda assim muitos de nós não esperavam ver em Cuba, aquilo que nos anos oitenta foi o ponto mais brutal das políticas de Margareth Taetcher no ascenso do neo-liberalismo e no acirrar da repressão da luta patriótica na Irlanda do Norte contra o colonialismo inglês. A bárbara violação dos direitos humanos que levou ao sacrifício da vida de valentes  militantes presos nas masmorras inglesas. Quem pode esquecer Bobby Sands, a sua greve de fome até às últimas consequências, tão bem retratada no recente filme «FOME», e a solidariedade que por todo o mundo lhe foi manifestada.

A morte do preso político cubano Orlando Zapata Tamayo, ao fim de mais de sessenta dias de greve de fome, exigindo ser  tratado como prisioneiro político e não como preso de delito comum, nomeadamente quanto ao uniforme usado no cárcere, constitui um marco importante na luta pelos direitos humanos, cívicos e políticos na Ilha de Fidel e Guevara. Mais cinco dissidentes entraram em greve de fome, entre os quais Eduardo Diaz Freitas, Diosdado González Marrero e o jornalista Guillermo “Coco” Fariñas, este deixando claro que vai até à morte se não libertarem os cerca de 200 presos políticos e de consciência. E avisando que uma corrente de combatentes pela fome está já criada.

Por mais que o Governo cubano se refugie no empenho posto na preservação da vida de Tamayo, através dos cuidados médicos adequados e necessários, não consegue esconder a questão nuclear: Tamayo morreu a lutar, não conseguiram vergar-lhe a vontade determinada que iria levá-lo conscientemente à morte. Vai ser muito difícil ao Governo cubano escapar ao julgamento do seu próprio povo.

O Estado cubano, um monolito onde se conglomeram o governo, o exército e o partido, ao mesmo tempo que resiste corajosamente ao bloqueio dos EUA  e com não menor coragem sobreviveu à derrocada da URSS de que se deixou depender totalmente do ponto de vista alimentar e militar, chamando a isso solidariedade internacionalista, não consegue associar a prática reconhecida de políticas sociais pioneiras na América Latina à prática  de uma política de respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades cívicas e políticas.

Hoje, não há subterfúgio nem argumento nem proclamação ideológica, nem vanguardismo militante  que possa negar uma realidade dura como punhos: não há socialismo sem liberdade. Mais: o socialismo só o será se for a mais livre das sociedades. Não há, não pode haver, regimes de transição em que os fins justificam os meios, porque os meios condicionam os fins e a repressão e a violação dos direitos fundamentais da pessoa humana, seja em nome do que  for, sendo iníquas, indignas e desprovidas de ética, não conseguem nunca dar lugar a uma sociedade livre.

Luís Inácio Lula, o presidente brasileiro, mostrou como a retórica de esquerda e o pretenso respeito pela legalidade podem esconder o cinismo mais sinistro: a prisão dos objectores políticos e de consciência ao governo cubano «está certa porque está na lei». A lei considera inimigo da pátria quem não estiver de acordo com o partido/governo. Os brasileiros que se alpercatem em tempo de crise económica, social e política. As burguesias, capitalistas ou «socialistas», entaladas e acossadas são capazes de tudo.

O regime cubano está a atingir o ponto em que apenas se defende a si próprio. O socialismo em Cuba, apesar da crítica que vem sendo feita à adopção dos métodos “soviéticos” durante duas décadas, não escapa à tragédia de todos os socialismos proclamados ideologicamente: a vida material e concreta, a luta das massas, por mais difícil que seja, vai romper o cerco burocrático, repressivo e ideológico e vai sair vitoriosa nem que seja por um dia. Se cair na perversão e na acumulação primitiva do capital, nas mafias financeiras e na destruição do meritório esforço de justiça social empreendido, as causas estão aí, e a história revelou-as há já vinte anos: o «homem novo», o dogma e o monolitismo ideológico e político, com  as consequentes e fatais segregação e repressão, nada têm a ver com o socialismo nem com a vitória da revolução que são uma construção laboriosa, pacífica se possível, violenta se necessário, dos homens e mulheres comuns agindo na conflitualidade social, na disputa política aberta e livremente organizada, impondo as mais profundas liberdades cívicas e políticas

A esquerda socialista não pode ir a reboque em questão tão fundamental como a dos direitos humanos. Tem de ser a primeira a condenar a sua violação não permitindo que os violadores encartados como sejam os predadores do capital e os seus Estados se mascarem de democratas.

Já lá vai o tempo em que o bluff do equilíbrio do terror durante a guerra fria permitiu debilitar a luta do proletariado e dos povos obrigando-os a uma falsa escolha. Era o tempo em que quem falava em socialismo era acusado de apoiar a URSS e quem falava em direitos humanos era acusado de apoiar o imperialismo norte-americano.

A esquerda socialista luta pelo socialismo e, por isso, é a mais intransigente defensora das liberdades e dos direitos humanos.

Mário Tomé


 

 

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