Nesta falsa democracia, debaixo do véu há sangue |
Segunda, 12 Setembro 2011 | |||
O Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR1, criado em 2004 contabilizou, desde a data da sua criação, 250 homicídios de mulheres o que perfaz uma média de cerca de 36 assassinatos por ano. Só em 2010, foram assassinadas 43 mulheres. Dessas 43 mulheres, 31 foram mortas pelos seus maridos, companheiros ou namorados e 9 pelos seus ex-maridos ou ex-companheiros. O Observatório deu ainda conta de 39 tentativas de homicídio, que caso tivessem sido bem sucedidas, teriam levado à morte 82 mulheres só em 2010. Falamos de assassinatos dentro do seio familiar e tendo em conta que a família é para o governo neo-liberal e conservador a instituição base da sociedade devemos questionarmos que medidas têm sido tomadas e que sociedade com base neste tipo de família e violência estes governos projectam para as mulheres. Estes números ilustram bem o que afirma Anthony Giddens2 que“ a casa é um dos lugares mais perigosos das sociedades modernas” e só o é porque o modelo familiar de estilo patriarcal, conservador e neo-liberal coloca a mulher numa posição de inferioridade face ao chefe de família que é o homem levando a uma submissão a este quer pelo dever de obediência que este modelo impõem quer pela dependência económica que muitas vezes daí advém. As mulheres são vistas como propriedade e só detendo a propriedade moral sobre as mulheres se justifica a ilusão que estes homens têm de que está nas suas mãos o direito de vida ou morte. Brincam de deuses que permitem a vida, exigem subserviência e matam se assim lhes aprouver. E em pleno século XXI o que tem a democracia a dizer sobre este assunto? São números alarmantes aos quais as políticas actuais não devem fechar os olhos. A violência contra as mulheres dentro da família e fora dela deve ser um ponto de relevância nas agendas políticas da actualidade e deve ser contemplado um plano interventivo eficaz com a máxima seriedade. Estamos fart@s de palavras vagas, a violência contra as mulheres é um assunto que deve ser trazido para cima da mesa, para as agendas políticas, para as ruas, para o debate. Debaixo do véu desta falsa democracia, há sangue. Mas atenção que a violência não surge somente na família, ela é reforçada por uma sociedade que até à lei de 2000 (na qual a violência contra a mulher passou a ser considerada crime público), forçava moralmente a mulher agredida a remeter-se ao silêncio pois não obtinha por parte da sociedade nenhum apoio para fazer face à agressão de que era alvo (“ Entre marido e mulher que ninguém meta a colher”). Esta lei ainda recente não deu ainda os frutos que queremos, porque o que queremos não são apenas leis, queremos mudança de mentalidade, transformação e estratégia preventiva, educacional, de intervenção social. Queremos que a violência sobre as mulheres seja algo inadmissível, que ninguém possa matar, subjugar ou oprimir outr@ julgando-se proprietário del@. Queremos o respeito pelos direitos e dignidade humanas de tod@s e exigimos em especial o daquelas que muito se têm debatido mas ainda não conquistaram: as mulheres. Para percebermos a dimensão do problema que a violência contra as mulheres em seio familiar enverga note-se alguns exemplos citados por Manuela Tavares (2011)2: na Guerra do Vietname morreram 58 000 soldados e no mesmo período de tempo A violência contra as mulheres no espaço doméstico é a maior causa de morte e invalidez ultrapassando o cancro, os acidentes de viação e a guerra segundo afirma o Conselho da Europa2. Morrem mais mulheres a cada instante. Neste mesmo instante poderá uma, ou talvez mais, estar a ser agredida e quem sabe sobreviverá? Se sobreviver com que mazelas? Que democracia é esta que adormece tranquilamente enquanto cidadãs suas morrem? Que protecção é esta pela vida e pelos direitos humanos? Onde está aqui a igualdade de género? Para a transformação pretendida a violência contra as mulheres tem de ser abordada nas escolas passando pela prevenção da violência no namoro e pelo abordar da visibilidade histórica das mulheres reforçando a confiança e os direitos das mesmas, o direito pela igualdade de género. As mulheres e a sua história têm sido banidas desde sempre, incluindo na democracia, dos conteúdos programáticos escolares, as mulheres, os seus direitos e a sua história têm sido silenciadas e desconsideradas o que levou a um desequilíbrio brutal entre géneros concentrando todo o poder no género masculino. Muitos passos e alguns deles extremamente importantes foram dados mas o trabalho está em curso e a verdadeira democracia não se faz baixando os braços, outras e novas estratégias devem surgir. Querem o silêncio mas não nos calaremos porque acreditamos numa verdadeira democracia. Cada mulher morta representa um crime contra a humanidade e uma falha democrática e cada mulher morta tem um nome, um rosto e uma voz que não queremos silenciar porque nos diz respeito a tod@s. Nádia Cantanhede (1) Observatório de Mulheres Assassinadadas da UMAR (http://www.umarfeminismos.org/index.php?option=com_content&view=article&id=272&Itemid=26 ). Neste site poderão ser igualmente consultados os nomes das mulheres vítimas e o modo brutal como foram assassinadas. (2) Manuela Tavares (2011), Feminismos, Percursos e Desafios (1947-2007). Editora: Texto Sociedade
|
A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
Karl Marx