SERVIÇOS MUNICIPAIS: UM MUNDO DE “OPORTUNIDADES” Versão para impressão
Terça, 08 Novembro 2011

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No “Documento Verde” da Administração Local, o governo traça um conjunto de orientações que alterarão profundamente a estrutura e o modo de funcionamento das autarquias locais. Aí, são evidentes os propósitos de reforçar o centralismo, fragilizar a democracia local e evitar o controlo democrático sobre os “poderes locais”. Miguel Relvas esteve uns anos fora do governo, mas não desistiu da sua cruzada.

O Memorando da Comissão Nacional Autárquica do BE analisa detalhadamente o ”Documento Verde” e aponta alternativas para a luta da nossa esquerda. Um texto que vale a pena analisar.

Segundo o governo, as Finanças Locais serão objecto de outro documento autónomo, em fase de preparação. Mas, parecem-me já evidentes alguns traços das orientações para as finanças locais.

Por agora, destaco um deles: o governo está a criar as condições para uma generalizada privatização dos serviços prestados pelos municípios. Não me refiro a casos mais evidentes, como o fornecimento de água, a recolha de lixos e os transportes públicos. Infelizmente, esses há muito alimentam empresas privadas ou a privatizar. Refiro-me a outros domínios, porventura menos visíveis da actividade municipal, mas também eles susceptíveis de entrar na esfera dos “negócios”. Falo, por exemplo, da gestão de espaços públicos, de mercados, da contabilidade municipal, dos serviços técnicos, dos serviços culturais e sociais, etc. Múltiplas facetas da actividade dos municípios --- e um mundo de “oportunidades”…

Como faz o governo? Ou melhor: como têm vindo a fazer os governos?

Em primeiro lugar, têm vindo a criar as condições “de mercado”. Hoje já todos os serviços prestados pelos municípios têm de ter de ter o seu custo real conhecido. O preço final de venda ao “público” --- os munícipes --- é depois formado pela introdução de alguns factores de ordem política, como o chamado coeficiente de incentivo/desincentivo. Até aqui, nada a opor.

O problema surge quando se estabelece que o preço da prestação do serviço não pode ser inferior ao seu custo real, impedindo a subsidiação cruzada. Na verdade, é isso que já hoje acontece com o preço da água. Legalmente, nenhum município pode vender a água abaixo do preço de custo, mesmo que compense esse deficit com verbas provindas de outras rubricas das receitas.

Ora, se amanhã nenhum serviço --- mesmo essencial à vida, como a água --- deixar de poder ser prestado por um preço inferior ao seu custo real, estarão criadas as condições para entrar no “negócio” alguém que “faça mais barato”. Mesmo que de menor qualidade, com trabalhadores sem direitos e assente na sobreexploração e na precariedade de quem trabalha.

Pergunta-se: e a justiça social? E as famílias de baixos recursos? E os desempregados?

Quando --- e se --- a lógica de mercado for estendida aos restantes serviços prestados pelos municípios, todos eles serão “mercado”. A caridade que os salve…

Todos os dias, verifico o surgimento desta lógica, nos municípios. A todo o momento, da parte de alguns técnicos ouço que “não pode haver serviços a dar prejuízo”. Seja a água, por imperativo legal, sejam os transportes públicos, seja a utilização de parques desportivos, seja (…) o que for.

A quem assim pensa não ocorre haver direitos básicos e universais e que, em primeiro lugar, estará sempre a justiça social. E já nem ocorre fazer conta com as verbas provenientes do Orçamento de Estado, numa lógica redistributiva. É que estas transferências também vão encolhendo de ano para ano e mal dão para pagar os salários dos funcionários municipais.

No Entroncamento (caso que analisei), a proposta de financiamento ao concelho através do OE para 2012 é, a valores actuais, a mais baixa dos últimos dez anos! E isto apesar deste concelho ser dos que demograficamente mais cresce, no distrito de Santarém.

Mas, há um outro aspecto, decorrente do “Documento Verde”, que também favorece a privatização de serviços. Trata-se da desejada concentração nas Comunidades Intermunicipais (CIM´s) e nas Áreas Metropolitanas (AM´s) de serviços até agora prestados pelos municípios.

Concentrada, a prestação de serviços ganhará uma dimensão muito maior. Ganhará nas chamadas economias de escala. Sairá mais barata, porque desenvolvida a uma dimensão muito maior. E, naturalmente, será muito mais apetecível pelos privados.

Por agora, passemos por cima da falta de democracia na constituição dos órgãos intermunicipais da CIM´s e da AM´s e, portanto, da dificuldade em controlar estes negócios. E ignoremos, para já, a irracionalidade de poderem constituir-se ad-hoc organismos intermunicipais, com algumas implicações no ordenamento do território.

Apesar de irem acolher funções e serviços transferidos dos municípios, o projecto de Orçamento de Estado 2012 apresentado pelo governo reduz em 6,6% as transferências para as Áreas Metropolitanas e para as Comunidades Intermunicipais. Facto “contraditório com a propalada opção do Governo pelo reforço daquelas estruturas intermunicipais”, como reconhece a própria associação Nacional dos Municípios Portugueses” (ANMP).

É verdade. Mas, a ANMP não retira daí todas as ilações.

Com mais responsabilidades na prestação de serviços, mas com menos recursos, como irão AM´s e CIM´s resolver o problema? Não é preciso ser vidente para antever que logo surgirão empresas privadas disponíveis para “ajudar”…

Em síntese e em minha opinião, tudo se conjuga para que também os serviços municipais estejam na mira das negociatas privadas. O que, aliás, é coerente com a política neoliberal do actual e dos anteriores governos.

Aqui está, portanto, um enorme desafio para os trabalhadores da administração local, em defesa dos seus postos de trabalho e dos seus direitos. E um enorme desafio para as populações, a quem pretendem confiscar serviços públicos para entregar ao mundo dos negócios.

Para nós, aqui está mais uma frente da luta toda.

Carlos Matias

 

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