As coisas que constituem as coisas |
Terça, 15 Novembro 2011 | |||
Facilmente qualquer pessoa já se perguntou do que seria feita a cadeira onde no sentamos, o ar que respiramos, a carne que nos constitui e tudo o mais que dá forma ao mundo material que nos rodeia. No fundo tentar responder à grande pergunta: de que coisa são feitas as coisas? Artigo de Miguel Crispim Romão, Centro de Física Teórica de Partículas (IST)
Os primeiros a tentar responder concretamente à pergunta na Europa foram os gregos. Hoje em dia existe a ideia de que os gregos acreditavam somente na ideia de quatro elementos que tudo constituíam: a terra, o fogo, a água e o ar; no entanto foi na Grécia antiga que se criou a ideia do átomo (que quer dizer indivisível), noção também presente nos filósofos indianos mais ou menos da mesma era. O conceito tinha apoio filosófico, ou até mesmo religioso, em vez de evidência experimental como a ciência exige. No entanto era intuitiva: tantos materiais diferentes devem ter origem em diferentes constituintes que não podem ser divididos indefinidamente para manterem as suas propriedades íntegras. O átomo, indivisível, existiria em número de espécies necessárias para explicar todas as propriedades dos materiais, que seriam constituídos por quantidades puras ou misturas de diferentes tipos. Só com o evoluir natural da ciência, e com o divórcio dos pensadores naturais da interpretação material do mundo da igreja católica, é que a ideia voltou a ter força no século XIX. Com o estudo sistematizado de reacções químicas foi possível catalogar, como se pode ver na tabela periódica, diferentes elementos que possuem diferentes propriedades, sendo que diferentes materiais contêm diferentes elementos em diferentes quantidades. Ainda assim havia muitos tipos de átomos o que não deixava de criar algum desconforto: tantos átomos, tão diferentes e ao mesmo tempo elementares. Havia então ainda algumas perguntas que não poderiam deixar de ser feitas: será possível imaginar/visualizar um átomo?, se eles são tantos e tão diferentes não haverá alguma explicação científica para a sua diversidade? Foi só no século XX, com experiências mais evoluídas (como a de Rutherford) e com teorias matematicamente mais sólidas (como a mecânica quântica) que o átomo perdeu o seu carácter indivisível: afinal tem constituintes internos. Um átomo é composto por um núcleo, por sua vez composto por protões e neutrões, e por electrões que o orbitam. Simbolicamente podemos usar a analogia de um sistema solar, onde os electrões são os planetas e o núcleo o Sol. Isto foi uma grande revolução conceptual: afinal só há três partículas elementares que constituem os átomos! A ideia é elegante, simples, intuitiva, mas errada... Os protões e neutrões não são elementares, isto demorou algum tempo a ser descoberto e percebido, mas têm constituintes e estrutura interna também: os quarks, que foram apelidades de up e down. Pronto, então temos o electrão e dois quarks, continuamos a ter só três partículas elementares que tudo constituem. Errado também. De facto não foi descoberta até agora nenhuma constituição interna destas três partículas, no entanto foram descobertas mais partículas pesadas que, não sendo estáveis, não existem abundantemente na natureza mas não têm estrutura interna nem constituintes. Estas partículas são iguais ao electrão e aos quarks nas suas propriedades, excepto que são mais pesadas. São então réplicas mais pesadas das partículas que nos constituem e no total há três repetições, a que se chamamos de famílias ou gerações. Não se percebe ainda porque é que a Natureza assim o é, não parece ser económico nem simples e não parece intuitivo que venham às triplas: o mais natural seria uma só versão ou então uma repetição infinita em vez de um número concreto. Mas nem tudo é mau, hoje em dia temos um modelo físico com uma boa bagagem matemática para descrever o que sabemos: o modelo padrão das interacções fundamentais. O modelo padrão está quase a fazer 50 anos mas continua a ser o melhor que temos. Para além de conter as partículas já descritas sistematiza a suas propriedades com uma estrutura matemática bem definida, por exemplo explica como estas são relevantes nas interacções fundamentais da natureza: electromagnetismo que mantém o electrão à volta do núcleo; a força forte que mantém os neutrões e protões juntos para formarem um núcleo coeso, assim como liga os quarks para estes formarem protões e neutrões; e a força fraca que é responsável pelo decaimento de partículas mais pesadas em mais leves. A gravidade não está incluída no modelo e hoje em dia ainda não se sabe como ela se comporta a escalas tão pequenas. O modelo tem falhas para além das já citadas, mas é a nossa melhor ferramenta para explicar as coisas que constituem as coisas. Um aspecto interessante das teorias que o modelo utiliza é que muda a noção conceptual que costumamos ter sobre a ideia de constituintes elementares de que há poucos objectos elementares, mas afinal há vários. Isto não ajuda a passar a ideia de que as teorias actuais conseguem simplificar o problema com a sua robustez. De facto a física hoje fala, mais do que nunca, com uma forte linguagem matemática que por sua vez pode não ajudar a construção conceptual ou a visualização da física. Em certa medida abdicou-se parte da procura intuitiva da física em detrimento de solidez matemática e enorme poder poder preditivo/explicativo que daí vem. Miguel Crispim Romão
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