Não deixa de ser simbólico que 1º de Dezembro, dia da Restauração da Independência, seja um dos feriados que o Governo pensa suprimir no próximo ano. Argumenta-se que a comemoração passa para o domingo e o objectivo é aumentar a produtividade, dizem. Os aumentos do IVA, os cortes das férias pagas e do subsídio de natal fazem outro tanto no roubo dos dias da nossa vida – e ninguém se engane com as comparações com países onde o sistema é de 12 meses, pois não nos querem aumentar para os salários que aí se recebem em cada um dos 12 meses. Cortes no salário real, ou um episodicamente aventado aumento da jornada de trabalho e supressão de feriados só significam uma coisa: aumento da exploração. O Governo e a Troika não querem aumentar a produtividade, querem aumentar a exploração. Se quisessem aumentar a produtividade, não estariam a secar o investimento público, a destruir o poder de compra, a destruir o emprego, a sofocar financeiramente os serviços públicos e as autarquias. Autarquias que não pagam contas, trabalhadores sem dinheiro, economia sem investimento, nada disso tem a ver com produtividade. Por isso, entrar no debate sobre cortar feriados porque dia x não é assim tão importante é cair num jogo viciado. O feriado até podia ser o “dia da praia” que não se podia cortar “só porque sim”, o feriado é um dia de comemoração mas também uma oportunidade de descanso para os trabalhadores e trabalhadoras. Sendo até, muitas vezes, um dia trabalho extra fora do trabalho principal, necessário devido aos baixos salários praticados. Apesar disso, vejamos o que é a tal Restação da Independência. No 1º de Dezembro de 1640, o povo português libertou-se da Dinastia Filipina para passar a ser governado por D. João IV, Duque de Bragança. A nova dinastia põe fim a 60 anos de domínio daquela Dinastia do ramo hispânico dos Habsburgo, mas é uma nova dinastia. Qual é a diferença? Recordemos como tudo se passou. Filipe II de Espanha tornou-se rei de Portugal, em 1580, por causa de uma crise de sucessão. Em 1578, com o desaparecimento de D. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir, sucede-lhe o seu tio: Cardeal-Rei D. Henrique, que morre dois anos depois, sem descendentes, apesar da autorização especial para procriar. Aparecem como pretendentes três netos de D. João III: D. Filipe II, D. António Prior do Crato e D. Catarina de Bragança. É importante dizer que a maior parte da nobreza apoiou a união pessoal da coroa portuguesa com as demais coroas do Habsburgo espanhóis, na pessoa de D. Filipe II. Nesse tempo, não havia ainda a centralização do tipo daquela que surgirá com os Borbons franceses, D. Filipe tinha a coroa de Portugal como tinha várias outras, com vários estatutos e órgãos de poder particulares de cada reino, principado, condado etc. A passagem da coroa para aquele ramo dos Habsburgo era vantajoso economicamente e em termos de poder para a grande nobreza de Portugal, daí o apoio em 1580. É assim, que Filipe II não tem dificuldades em assumir a coroa. A viragem dá-se, quando devido à Guerra do 30 anos, em que os Habsburgo também estavam envolvidos, devido ao esforço de guerra, aos projectos de progressiva centralização do poder na Monarquia Hispânica, a nobreza portuguesa vê vantagem em lutar pela autodeterminação. 60 anos antes, o 'partido da independência', o D. António principalmente (e menos o de Catarina de Bragança), não teve hipóteses. Agora, num novo contexto, a nobreza virou 'patriótica'. Valeu também, que os portugueses aproveitaram o facto de se ter iniciado uma revolta na Catalunha, considerada prioritária para a monarquia dos Habsburgo. Naquele 1º de Dezembro, um grupo de 40 fidalgos portugueses revoltou-se e invadiu o Palácio da Duquesa de Mântua, representante de seu primo Filipe IV, prenderam-na e mataram o secretário de Estado Miguel de Vasconcelos, que foi atirado pela janela. O ano de 1640 marca a restauração da independência de Portugal, mas a Guerra da Restauração vai durar até 1668. Várias batalhas irão ocorrer: Montijo (1644), Linhas de Elvas (1659), Ameixial (1663), Castelo Rodrigo (1664), Montes Claros (1665). Só em 1668 é celebrado o Tratado de Lisboa, entre o regente e irmão de D. Afonso VI de Portugal (futuro Pedro II) e D. Carlos II de Espanha, que firmando a paz e reconhecendo a independência de Portugal. Hoje, tudo isto é longínquo, e não deve ser lido com romantismo. Importa ver os interesses em disputa, mas também considerar o princípio da autodeterminação dos povos. Hoje, o Tratado de Lisboa é outro, é a sequela de uma série de tratados feitos sem referendo e sempre com a transferência de competências soberanas para uma União Europeia de governos e potências, uma Europa contra os povos e os trabalhadores. Como europeísta de esquerda, neste 1º de Dezembro que ainda será feriado, reclamo a independência das jovens e dos jovens que não aceitam ser convidados a sair do seu país por nenhum secretário de Estado, reclamo a autodeterminação de todos os povos europeus em solidariedade, luto por uma Europa da paz, do desenvolvimento e do progresso.
Bruno Góis
|