PUNK! Estética revolucionária Versão para impressão
Sexta, 27 Janeiro 2012

c28_ricardo_martinsA arte é a concretização ou realização da ideia. É uma das formas de libertação dos povos. Pelo menos pode sê-lo intelectualmente. A arte tem sido, ao longo dos tempos, um meio de transmissão e implantação de ideias e pensamentos revolucionários e libertários. A forma como incute espaços mentais de pensamento e de satisfação intelectual em quem contempla a forma artística e capta a sua mensagem faz da arte um medium extremamente relevante e interessante na divulgação e disseminação de mensagens libertárias e consciencialização colectíva. A música, enquanto forma artística, reveste-se também destas características, assim o queiram os seus intervenientes.

Chegados à recta final dos anos 70, o rock, enquanto grande família musical dominava as tabelas de audiência e configurava-se como estilo musical predominante e mainstream a par da pop. Abba, Bee Gees, Barbra Streisand, Eagles, Elton John, Doors e ainda os Beatles lideravam a alienação por via da cultura e iam consolidando uma estética não só musical mas também na moda que se tornava massificante e era replicada até à náusea na televisão e rádios em todo o mundo. O produto oferecido, elitista e representativo de um mundo idílico é confortavelmente suave para o sistema capitalista que não perdeu a hipótese de o explorar financeiramente e de o usar para perpetuar o sistema e melhor controlar as massas. Músicas simples e calmas, muitas baladas com a mensagem a versar maioritariamente assuntos mundanos, do dia-a-dia e principalmente românticos. Por momentos, o mundo parecia esquecer-se que vivia a grande crise do petróleo que provocou a subida em flecha dos preços que se traduziu numa inflação galopante com sérios prejuízos para as economias ocidentais mas que representou fome e morte em larga escala nos países a sul do equador. Nixon, Ford e Jimmy Carter aproveitaram esta apatia geral para gerir a América com pulso de ferro e aprofundar o sistema capitalista com valores paternalistas e incutindo a paranóia da segurança sob a ameaça de uma nova guerra mundial. Esta receita tornou-se tão popular que acabou por ser exportada para todo o mundo como forma acabada de controlo de massas por via do medo e de uma cultura niilista massificante.

Na Europa a situação política era explosiva no virar para a década de 80. No sul, caiam as ditaduras e as democracias emergentes não eram mais que uma forma de controlo de falsa representatividade bipartidária com base no voto das populações, mas que não só não as representa como ainda se traduz na imposição da maioria dos votantes sobre uma minoria derrotada que se lhe opõe e é forçosamente submissa. Na vanguarda cultural e artística, a Inglaterra debateu-se com as consequências do seu imperialismo desmedido na medida em que a imigração proveniente dos países da Commonwealth ficou descontrolada. O Reino Unido rapidamente transformou-se num barril de pólvora. Os imigrantes, chegados com o sonho e a perspectiva de emprego, não tardaram a empregar-se e a dominar a mão-de-obra fabril e proletária, deixando de fora e lançando para o desemprego uma fatia considerável de ingleses europeus. O trabalhista James Callaghan acabou por ceder à pressão social e dos eleitores que acabaram por escolher a conservadora Margaret Thatcher. A “Dama de Ferro” não hesitou em guettizar os imigrantes, retirar-lhes os mais básicos direitos de cidadania o que veio a acentuar os sentimentos de xenofobia e racismo para com a (cada vez menos minoritária) minoria negra e indo paquistanesa. Também aqui a cultura e música dominante era virada para os “brancos” e ingleses europeus.

Punks

Neste cenário, num país gerido a pulso de ferro com valores ultra-conservadores, paternalista e repressivo, com uma monarquia obsoleta e de fachada, os jovens, sem voz e sem representação, aperceberam-se da grande falácia do sistema em que estavam inseridos. Excluídos da participação social, por uma sociedade controlada que os rejeita, decidiram rasgar com esta cultura que não só não os integra como não os representa. Surge assim o Punk, um movimento contra cultural multidisciplinar que abrange várias áreas artísticas, desde as artes plásticas, passando pela literatura até à música. A ideia era simples: Se esta cultura não representa toda a gente, então vamos construir uma cultura nova. Uma cultura para todos e que integra todos. Para todas as raças, sexos, todas as faixas etárias e todos os credos religiosos. Sem exclusões. Na música, o som punk caracteriza-se pela velocidade, agressividade e um sistema de construção musical novo que rompia com todos os modelos padrão instituídos pela indústria dominante. Se as músicas deles têm oito acordes, então as nossas vão ter quatro. Se as músicas deles têm seis minutos, então as nossas vão ter um ou dois. Se as músicas deles são cantadas e as letras não têm conteúdo nem mensagem, então as nossas vão ser gritadas. Vamos gritar as nossas ideias, vamos gritar o mundo novo e a sociedade nova que queremos construir e erguer. Uma sociedade sem muros, sem hierarquias. Uma sociedade tolerante, solidária e que integra todos, sem excepção, não julga ninguém com base nas suas opções sexuais, não exclui em função de género ou raça, onde a liberdade é o pilar central de toda a convivência comunitária. Tornam a emergir os pensamentos filosóficos de Proudhon, Bakunin e Marx entre outros. Ganha novo fôlego o até então tão contestado imperativo categórico de Kant: “Age de tal forma que possas desejar que o teu comportamento se torne lei universal da natureza”, de forma que o indivíduo punk adopte para si um conjunto de valores, comportamentos e acções que gostava que fossem os mesmos comportamentos e acções de todos os indivíduos, o que permitia assim a sã, pacífica, solidária e cooperativa convivência comunitária em sociedade.

O punk surge nesta necessidade de libertação dos povos e das minorias subjugadas e nesta vontade colectiva de criar uma nova cultura sustentada na ideia de que se não existe, cria tu mesmo. DIY (do it yourself). Esta ideia é o motor de todo o ideário e cultura punk. Pretende com isto tornar conscientes e activos todos os indivíduos e incutir neles a vontade de participar no processo de criação cultural e social. Assim, se não há um estilo musical que nos represente, vamos fazer nós o nosso; se não existe um estilo de moda democratizante, vamos fazer o nosso. Daí que a estética punk seja uma marca tão forte. Não aceitar as roupas caras, de marca, elitistas e rejeitar todas as imposições capitalistas e rasgar as convenções sociais no que toca ao vestuário como o fato e gravata. Os punks passam a mesclar o visual e vestuário da massa proletária e os excluídos sociais das gigantes áreas suburbanas. As famosas cristas, ou moicanos, são por influência das tribos nativas norte-americanas e a sua luta de resistência contra a ocupação colonial e invasão do sistema capitalista global. A estética punk é o somatório destes factores é um grito de revolta e de liberdade, é assumir por via do aspecto exterior a vontade de construir um mundo novo. Este visual assumidamente chocante acaba por fazer questionar o resto da sociedade que ainda não se libertou e se encontra subjugada sobre o porquê deste aspecto. Apesar de incómodo, acaba por ser uma boa forma para os punks explicarem as suas opções e difundirem a mensagem e a sua luta por uma sociedade mais justa, tolerante, solidária, inclusiva, esclarecida e verdadeiramente democrática e sem hierarquias.

Ricardo Martins

(também publicado em A Comuna nr 28)

 

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