Dezembro, noite, canta o galo... Rouco na treva canta o galo... Aldeão não durmas!... Vai chamá-lo, Miséria negra, vai chamá-lo!... – Oh, dor! oh, dor! – Bate-lhe à porta, é teu vassalo, Que traga a enxada, é teu vassalo, Fantasma negro, o cavador! Vem roxa a estrela d'alvorada... Vem morta a estrela d'alvorada – Montanhas nuas sob a geada!... Hirtas, de bronze, sob a geada!... – Oh, dor! oh, dor! – Torvo, inclinado sobre a enxada, Rasga as montanhas com a enxada, Fantasma negro, o cavador! Cavou, cavou desde que é dia... Cavou, cavou... Bateu meio-dia... De pé na encosta erma e bravia, Triste na encosta erma e bravia, – Oh, dor! oh, dor! – Largando a enxada, «Ave-Maria!...» Reza em silêncio... «Ave-Maria!...» Fantasma negro, o cavador! Cavou cem montes... que é do trigo? Gerou seis bocas... que é do trigo? Bateu a Fome ao seu postigo... Bateu a Morte ao seu postigo... – Oh, dor! oh, dor! – «Que a paz de Deus seja comigo!... Que a paz de Deus seja comigo!...» Disse, expirando, o cavador!
Guerra Junqueiro
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