Interrupção Voluntária da Gravidez - A Never Ending Story Versão para impressão
Segunda, 21 Maio 2012

vitria_do_sim

Foram tornados públicos dados referentes às IVG de 2011 e com eles surgiram comentários vários e polémicas também. O que nos dizem então esses dados? Falaremos aqui de alguns deles o que não dispensará a leitura do relatório para quem quiser verificar ao pormenor (1).

O relatório da Direção Geral de Saúde revela que 97% das interrupções de gravidez foram realizadas por opção da mulher perfazendo um total de 19 802 interrupções o que denota um aumento de 1,2% relativamente a 2010, um aumento pouco significativo tendo em conta o agravamento das condições de vida d@s portugueses. Das mulheres que realizaram IVG em 2011, 51,8% já tinha 1 ou 2 filhos, 40% ainda não tinham e 0.4% tinham tido um parto nesse mesmo ano. A maioria das mulheres fez IVG pela primeira vez (74.1%) e cerca de 20.4% já tinham efectuado uma.

Relativamente à faixa etária, esta registou uma maior percentagem entre os 20 e os 34 anos (64.9%), jovens portanto.

É importante referir que 36.3% destas mulheres não estavam a trabalhar no momento (desempregadas ou estudantes) 19,0% eram operárias, agricultoras, artífices ou outras profissões qualificadas e 15.51% eram trabalhadoras não qualificadas, estando portanto numa situação económica desfavorável.

Este relatório revela que apenas 66,9% das IVG foram efetuadas no Sistema Nacional de Saúde. Regiões como o Alentejo e os Açores não têm recursos públicos e muitas vezes a objeção de consciência leva a que as mulheres sejam encaminhadas para hospitais privados que são subcontratados pelo estado. Os privados recorrem a cirurgias e como tal a factura torna-se maior e eis o motivo pelo qual aumentou o gasto do estado nas IVGs. Verificando o quadro abaixo poderemos ver que a maioria dos abortos levados a cabo pelo SNS são medicamentosos enquanto que no privado são cirúrgicos. Estes dados só revelam a incapacidade do SNS em atender às necessidades das mulheres .

Método de IVG

Público

Privado

Outro

0.14

0.03

Medicamentoso

96.0

2.2

Cirurgia com anestesia local

0.2

2.5

Cirurgia com anestesia geral

3.7

95.2

É importante referir que 97% destas mulheres, após a IVG, escolheram um meio contraceptivo e 31% destes foram de longa duração como dispositivos intra-uterinos, implantes contraceptivos ou laqueação de trompas.

Ao olharmos para estes dados o que verificamos? Primeiramente, um país onde as mulheres têm finalmente direito à escolha e o fazem.

Mas sem dúvida que existe algo que tem o seu peso na escolha consciente e válida de algumas destas mulheres: a severa crise económica. O aborto não é algo lamentável é um direito fundamental das mulheres. Lamentável é, de entre estas mulheres, existirem algumas delas que talvez até quisessem prosseguir com a gravidez mas não puderam, porque não têm como.

Os dados revelam um número elevado de mulheres desempregadas e estudantes, portanto sem rendimento próprio. Mesmo estando a trabalhar, todos os dias fecham empresas, fábricas, estabelecimentos comerciais, a precariedade é uma realidade, o desemprego tem sido crescente e as perspectivas têm sido de um agravamento económico e social galopantes.

Ter um@ filh@ não é uma decisão do aqui e agora, é uma decisão para toda a vida e é uma decisão que tem de ser responsável e consciente. Trazer ao mundo um novo ser humano implica a responsabilidade e o comprometimento de criar/educar esse ser humano com dignidade e respeito garantindo condições para um saudável desenvolvimento físico e psíquico. A pobreza tem aumentado, os postos de trabalho quando existem são precários e os salários são baixos.

O nosso governo privatiza a saúde, a educação, avança com a austeridade e com ela promove o desemprego mas gostaria de ter uma maior taxa de natalidade e as IVGs fazem-lhe torcer o nariz. Mas as crianças necessitam de acesso à saúde, a creches, a escolas e @s pais necessitam de emprego para permitir um saudável desenvolvimento aos seus filh@s. Como tão bem refere o comunicado efectuado pela UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta, “ter filhos é cada vez mais a possibilidade de apenas algumas pessoas” (2).

As mulheres têm direito à IVG porque têm direito a si mesmas, ao seu corpo e à sua vida. O aborto foi legalizado neste país em 2007 por referendo e a democracia tem de ser respeitada. Não aceitamos dissimulações para um tentar voltar atrás nem aceitamos qualquer comentário discriminatório ou culpabilizante das mulheres que fizeram IVG. O aborto é um direito fundamental que tem de ser gratuito e não poderá jamais ser negado às mulheres. Não se podem colocar em causa os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e o direito a interromper uma gravidez não desejada.

Somente as mulheres poderão decidir sobre a maternidade ou não. Esta decisão não cabe a segundos nem a terceiros e muito menos ao governo. A liberdade de escolha tem de existir e não haverá liberdade de escolha se a IVG não for gratuita bem como não existe verdadeira liberdade de escolha se não existe a possibilidade por insuficiência económica. Por este motivo, urge alertar que os dados apresentados não podem ser lidos de forma distorcida e enviesada pelo conservadorismo e neoliberalismo pondo em causa a liberdade das mulheres.

Apesar da crise económica gravíssima que o nosso país atravessa e que tem consequências devastadoras para tod@s, Portugal tem um número de abortos inferior à média europeia. De salientar também que não existe registo de morte de mulheres pela realização de IVG e isso é sem dúvida algo extremamente positivo.

Continuamos a lutar pelo direito à IVG e a uma saúde sexual e reprodutiva gratuita livre de preconceitos e julgamentos e compete-nos reforçar a sua importância indo contra esta maré de comentários públicos conservadores e neoliberais sobre os dados das IVG apresentados pois estes dados como vimos são reflexo das condições sociais e económicas que vivemos e são muitíssimo positivos com um baixo aumento e sem mortes, com o acesso ao planeamento familiar e a uma contracepção adequada e acima de tudo reflectem uma conquista por um direito fundamental de todas as mulheres que demorou 30 anos a conquistar.

Nádia Cantanhede

(1) http://www.dgs.pt/ - Relatório de Registos de Interrupção da Gravidez 2011 - janeiro a dezembro de 2011.

(2) http://www.umarfeminismos.org/ - IVG - Uma análise rigorosa, critica e feminista

 

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