Boxe Feminino: Um soco na discriminação e estereótipo |
Sábado, 18 Agosto 2012 | |||
“The history of women in boxing is one of perseverance, resilience and determination of young women fighting for their rights to compete and be involved in a sport they love.” Mitch Charette
Este ano é um ano histórico para o boxe feminino. Pugilistas de todo o mundo viram um sonho concretizado, uma conquista gigante, uma enorme alegria: o boxe feminino entrou nos jogos Olímpicos de Londres de 2012. Escrever sobre este tema não é fácil, mais difícil ainda é quando se ama este desporto e quando esta conquista nos deixa sem palavras pela sua magnitude e pelas emoções que nos provoca. Tem sido um longo percurso, que foi duro, difícil e que exigiu a persistência de muitas atletas que sem apoios, sem reconhecimento e à margem, se debateram durante várias décadas para ter direito a um desporto no qual existiu sempre uma grande e persistente descriminação de género uma vez que era considerado, por muitos, de direito apenas masculino. As mulheres praticam boxe há muito tempo, suam, correm, fazem sparring, lançam socos e combatem, ganham e perdem, vibram com as conquistas e aprendem com as derrotas mas tudo isto tinha sido feito, até à data, sem o reconhecimento devido. Chegou a altura em que a persistência levou a uma vitória que enriquece a arte nobre do boxe enquanto desporto, uma vitória para as mulheres pugilistas mas também uma vitória para a igualdade de género. Aponta-se para o Nascimento do boxe feminino o ano de 1720 em Inglaterra e desde aí as mulheres nunca pararam. O boxe feminino apareceu nos Jogos Olímpicos enquanto demonstração em 1904. Nesse mesmo ano o boxe masculino é incluído nos Jogos Olímpicos mas a modalidade na vertente a feminina foi recusada. Começa aqui uma longa história de luta por parte das mulheres e de perpetuação da discriminação por parte do sistema. Durante o século XX, o boxe feminino foi proibido na maior parte dos países. Apesar de se manter invisível e até proibido durante grande parte do século XX, as mulheres continuaram a praticá-lo, sem visibilidade mediática, sem grandes prémios monetários e sem apoios ou reconhecimento. Por muitos países do mundo várias mulheres calçavam as luvas diariamente. Somente no final do século XX, o A.I.B.A. (Amateur International Boxing Association) aceitou regras para o combate feminino e em 1999 e 2001 aprovou a primeira Copa Europeia para as Mulheres e o primeiro Campeonato Mundial de Boxe Feminino, respectivamente. Porém, ainda não foi em 2008 que o Boxe Feminino teve permissão para se estrear nos Jogos Olímpicos. As mulheres pugilistas iam praticando boxe profissional em vários países mas com muitos obstáculos incluindo a obtenção de licenças que era extremamente difícil. No Reino Unido, a BBBC recusou-se a emitir licenças para as mulheres até 1998. Neste ano a New York Golden Gloves incluiu os combates femininos pela primeira vez. Já em 1995, Dee Hamaguchi havia sido nomeada para este torneio, preenchendo a aplicação com o seu sobrenome e levando a organização a pensar que era um homem. Apesar de não ter participado, abriu caminho para o debate e para a inclusão futura das mulheres neste evento desportivo que se tornou um terreno muito fértil para as lutadoras. Na década de 70 vários estados nos Estados Unidos permitiram a prática desta modalidade por mulheres emitindo licenças e permitindo combates com mais de 4 rounds. Nesta altura, 'Cat' Cathy Davis, uma pugilista norte americana, teve direito a transmissão televisiva dos seus combates e até hoje continua a ser a única pugilista feminina a aparecer na capa da revista Ring. Em 80 as irmãs gémeas Dora e Cora Weber consagraram-se campeãs mundiais mas o boom do boxe feminino deu-se em 90 com o surgimento de muitas pugilistas de grande calibre como é o caso de Lucia Rijker e Laila Ali que muito contribuíram para a mediatização do boxe feminino. Existiam três tipos de praticantes femininas como afirma a socióloga Kath Woodward, as amadoras, as profissionais e as “ilegais”. Foi a partir da década de 90 que o boxe feminino começou a experienciar a transmissão televisiva, maior mediatismo e até o direito ao cinema como aconteceu com o filme Million Dollar Baby, de Clint Eastwood. Os países começaram a reconhecer os campeonatos femininos de boxe e cerca de 100 países acolheram e organizaram combates femininos. Em 1993 o boxe amador feminino foi incluído nas regras do programa amador de boxe dos Estados Unidos, facto que se deveu à pugilista Dallas Malloy que com apenas 16 anos de idade foi a primeira mulher a desafiar o regulamento interno do boxe nos Estados Unidos através do tribunal federal. O sonho de Malloy era competir nos Jogos Olímpicos como pugilista, no entanto, não se poderia nunca inscrever numa equipa do seu país já que não era permitido às mulheres lutar. A juíza, Barbara Rothstein anulou a proibição da luta amadora para as mulheres. Malloy, nunca teve a oportunidade de lutar mas chamou a atenção dos média para este problema das pugilistas. Foi a 14 de Agosto de 2009 que a Comissão Executiva do Comité Olímpico Internacional aprovou a inclusão do Boxe Feminino nos Jogos Olímpicos de 2012 em Londres. Em 2011 o boxe feminino é incluído nos Jogos Pan-Americanos pela primeira vez na história. O Boxe era o único desporto exclusivamente masculino nos Jogos Olímpicos. O debate sempre foi o facto de as mulheres deverem ou não praticar este desporto cujo objectivo é bater no oponente. Mas a conquista da participação nos Jogos Olímpicos não foi feita sem a sua dose de controvérsia e sexismo. A Associação Internacional de Boxe Amador, tinha considerado a exigência que as mulheres usassem saias durante a competição alegadamente para ser mais fácil a distinção dos homens. Depois de tantas décadas de desigualdade para as mulheres no boxe, esta ideia causou tumulto o que levou a que fosse algo opcional. A verdade é que, o boxe foi sendo sempre considerado como um dos desportos, senão mesmo, “o desporto” mais marcadamente masculino. Fazer boxe é coisa de “homem”, é a masculinidade pura, pura testosterona. Imagem de força e poder físico, de coragem em enfrentar o adversário e trocar golpes, resistência, disciplina mental e física, estratégia e perseverança. Estas características são associadas à masculinidade e vão contra a imagem delicada, submissa, medrosa e insegura da feminilidade que esta sociedade patriarcal fomentou, alimentou e reforçou como sendo a identidade feminina. Deixar entrar mulheres neste jogo é dizer, afirmar e aceitar que as mulheres são fortes, são persistentes, são corajosas, determinadas, disciplinadas, são lutadoras desmedidas e são capazes de dominar um outro ser humano pela força e em combate. Desvitimiza as mulheres e torna-as uma imagem de força. Admitir isto para uma sociedade marcadamente patriarcal não é fácil mas ao terem-no feito agora abre-se um caminho que não é de menosprezar para a igualdade de género. As pugilistas têm travado dois tipos de combates, o combate à discriminação do sistema e da sociedade e o combate de boxe, em ringue. Têm por isso sido duplamente resistentes, corajosas, perspicazes e fortes. Muitas pugilistas têm destruído mitos sobre as mulheres ao longo destes anos. As mulheres pugilistas não se enquadram de todo no estereótipo patriarcal criado para as mulheres rompendo com ele e provando que está errado e que não passa disso mesmo, de estereótipo. As mulheres não são somente capazes de fazer tudo o que os homens fazem mas também conseguem fazê-lo em igual qualidade. Lucia Rijker, uma pugilista de referência mundial, deixou o mundo de boca aberta quando destruiu um mito provando que o soco de uma mulher não tem menos impacto do que o de um homem. Mais, esta pugilista brilhante provou que uma mulher pode ter um soco com um impacto superior a um homem com a mesma altura e peso ao fazê-lo no laboratório do programa televisivo Sports Science.
É um pequeno grande começo. Apenas 36 mulheres em três classes de peso competiram nos Jogos Olímpicos Londres 2012, em comparação com os 250 homens em 10 classes de peso. No entanto, esta entrada histórica representa a possibilidade de muitas jovens concretizarem o sonho que teve a jovem Dallas Malloy e muitas centenas de outras jovens como ela. As mulheres fazem agora mais um marco na história do Boxe Mundial e é com alegria e orgulho que as vemos pisar o ringue nos Jogos Olímpicos de Londres 2012 e a receber as merecidas medalhas que são uma vitória, para todas nós. Nádia Cantanhede
Dallas Malloy – She would not take “no” for answer - http://www.womenboxing.com/amateur.htm Women's boxing - http://en.wikipedia.org/wiki/Women's_boxing Kath Woodward, World Olympic Dreams - http://news.bbc.co.uk/sport2/hi/olympic_games/world_olympic_dreams/8834938.stm
London 2012: 10 Things You Should Know About Women's Boxing in Its Olympic Debut - http://bleacherreport.com/articles/1174777-london-2012-10-things-you-should-know-about-womens-boxing-in-its-olympic-debut Sports Science, Lucia Rijker - http://www.youtube.com/watch?v=4eplLem4jPs
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