Feminismos? Sim, Obrigada! Versão para impressão
Segunda, 10 Setembro 2012

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Admitir a desigualdade de género é difícil para a maior parte das mulheres. Isto ocorre pelas mais variadas razões.

Se por um lado as conquistas das últimas décadas levaram a que para o senso comum as coisas pareçam mais ou menos equilibradas entre géneros as experiências de todos os dias das mulheres revela um caminho ainda longo que urge ser percorrido. Não obstante, perante tantas desigualdades sociais que assistimos, tantos desequilíbrios sociais, o género parece, para muitas pessoas, algo menos gritante até porque já estão habituad@s a ele. Surge como um assunto e uma luta secundárias perante o panorama de crise económica e a perda de direitos laborais e outros. A crise é do agora, afecta-nos agora de forma violenta e as questões das mulheres, bem, essas, já duram desde que temos memória.
Mas se este tema poderá ser secundário ou até atirado para uma cave à espera de melhores dias, para a sociedade em geral, para as mulheres faria sentido ser algo prioritário colocar a questão de género e as suas particularidades nas lutas sociais que se travam. Mas nem sempre é assim. As mulheres não querem ser alvo de opressão particular e como tal tentam que esse tema lhes passe ao lado como se não falando sobre ele estejam protegidas contra a desigualdade. Para além disso, ficam assim incluídas no grupo geral dos “trabalhadores”, “desempregados”, “activistas”, etc, criando a ilusão de que, dentro desses grandes grupos, estão em igualdade de circunstâncias com os seus camaradas, colegas de trabalho, etc. Mas não estão em igualdade de circunstâncias tod@s sabemos isso. O que fazemos em relação a isso é que varia consoante o assumimos ou não.

Em última instância, o problema da desigualdade de género surge em alguns casos como algo distante da sua realidade e que acontece às outras mulheres não recaindo tanto sobre si mesmas. Esta noção assenta sobre determinados preconceitos como “ as mulheres que são vítimas de violência de género, nomeadamente a doméstica são mulheres frágeis e que não se esforçam por sair da situação”, “isso era dantes, agora as mulheres já podem tudo, só não fazem o que não querem fazer”, “ essas coisas acontecem mais às mulheres que fazem parte de determinados grupos sociais e económicos e numa certa faixa etária” que é mais ou menos dizer “lavo daí as minhas mãos e recuso-me a ver como actua o sistema patriarcal e como fui e sou influenciada por ele”. Não podemos nunca esquecer-nos que nascemos tod@s e fomos educad@s numa sociedade patriarcal, tudo o que nos foi ensinado desde o nosso nascimento foi baseado na desigualdade de género e isso torna a nossa percepção da realidade e o nosso funcionamento mental enviesado. Seleccionamos cognitivamente algumas informações em detrimento de outras, e assim, vamos justificando as nossas posições já que seleccionamos a informação que valida o nosso pensamento. Numa sociedade patriarcal, conservadora e neo-liberal toda a informação de que dispomos nos meios de comunicação social, nos discursos que escutamos, nas ruas, no meio familiar e na nossa comunidade, é um reforço deste modo social e colocá-lo em causa, questionar e reflectir sobre isso implica colocar em causa toda a estrutura. Fazê-lo é um passo difícil cognitiva e emocionalmente porque nos desarma e nos retira o “porto seguro” (tudo o que nos ensinaram) pois percebemos que esse porto não é seguro e temos de construir um que o seja, para tod@s.

Com efeito, as mulheres têm um desafio ainda maior. Podemos facilmente especular que o motivo principal que está por detrás da resistência ao feminismo de algumas mulheres é que a consciencialização da desigualdade de género as coloca numa posição demasiado vulnerável e conflituosa psiquicamente. Ser oprimida pelo patriarcado implica questionar a opressão masculina e isso implica colocar sobre um olhar crítico o seu pai, o seu irmão, o seu companheiro, namorado, amigo e filho. Esse confronto não é fácil e esgota a economia psíquica. Ergue-se o risco da vitimização ou da revolta. O afecto e a opressão estão, em alguns casos, no mesmo barco o que gera conflitos difíceis de gerir.

Os feminismos não são fáceis porque colocam a transformação na esfera privada e íntima das relações mais próximas e mais significativas para as mulheres. Mais fácil é a união e a mobilização para causas que unem e que dizem respeito a tod@s do que aquelas que dizem respeito apenas às mulheres porque lhes acresce uma opressão mais, sendo essa opressão, mais difícil de aceitar porque mais dolorosa. A mobilização pelos direitos laborais, contra a exploração, contra o racismo, pela ecologia ou pelos direitos dos animais dizem respeito a muitas pessoas, permitem a força e apoio dentro da esfera familiar e da comunidade, já os feminismos dividem e separam as mulheres de membros que lhes são queridos, criam conflitos psíquicos e relacionais, baralham o jogo, mudam as regras. A persistência, a força e a determinação são chamadas a intervir de forma mais forte.

Como aceitam as mulheres que os membros da sua esfera privada, pelos quais nutrem sentimentos afectivos fortes são também aqueles com que têm de travar batalhas para ver os seus direitos respeitados? Não deveria o “opressor” estar fora da sua casa? Para muitas mulheres torna-se mais fácil a negação ou a aceitação de que sempre existiram diferenças e que naturalmente é assim. É mais fácil aceitar que terem de fazer sempre elas as tarefas domésticas não é uma falta de respeito e de consideração mas uma coisa relativamente natural, que terem de cuidar dos filhos e serem sempre elas a faltar ao emprego para cuidar deles é aceitável, que a palavra final e a autoridade dentro de casa seja sempre do elemento masculino é a ordem natural das coisas. Mas não é, companheiras, não é.

A esta resistência junta-se a exigência do activismo que não é conciliável com a vida laboral e a exclusividade do trabalho doméstico e muitas vezes a discriminação de género dentro do próprio activismo parece reforçar a ideia que a igualdade de género não pode ser alcançada. Graças à sobrecarga de tarefas na vida das mulheres não sobra também tempo suficiente para a reflexão se fazer devagarinho e se abrirem horizontes.
Para dar um passo emocionalmente difícil como este, as mulheres precisam de sentir o apoio de outras mulheres, necessitam de romper o isolamento e entrar no colectivo, escutar outras experiências semelhantes ou diferentes da sua, trocar ideias, varrer do funcionamento mental os estereótipos de género deixando aos poucos morrer a culpa de questionar o até aqui inquestionável. Hoje, as mulheres ainda estão isoladas e isoladas são menos fortes. Sair do trabalho e correr para os afazeres domésticos deixa-as sozinhas não permitindo o criar de laços e pontes que lhes abre o caminho ao empoderamento e a força para uma transformação progressiva das suas vidas.

Sabemos que há resistência à luta social e ao activismo mas mais resistência existe em revolucionar o nosso ambiente familiar e os nossos laços afectivos. Este é o motivo pelo qual algumas mulheres respondem “Feminismos? Não obrigado” ao invés de compreenderem a sua urgência e importância e responder um “Feminismos? Sim, grata e pronta para a luta”. Passo por passo, é necessário quebrar alicerces e criar outros que sustentem realmente o respeito, a igualdade de direitos e oportunidades e a justiça social e esse quebrar de alicerces tem de ser feito na sociedade, em casa e em qualquer outra esfera na qual a opressão esteja instalada. Nenhuma esfera opressora poderá ser intocável ou sagrada.

Nádia Cantanhede

 

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