Quantas vezes pagamos a nossa casa? |
Segunda, 17 Dezembro 2012 | |||
Em Portugal a habitação nunca entrou na alçada dos direitos e garantias asseguradas pelo Estado Social. Artigo de Rita Silva Ao longo das últimas décadas, o Estado demitiu-se de ter uma política integrada de habitação para todos, como refere o artigo 65 da Constituição. Desresponsabilizou-se desta, criando a ilusão do crédito fácil e o que acabou por desenvolver foi uma política de betão, de construção desenfreada e de sobrevalorização das casas em que quem lucrou foi a banca e não as pessoas. A política foi consciente e intencional no sentido da promoção do crédito bancário para as famílias comprarem casa. Através do crédito bonificado e das isenções fiscais - que são formas de o Estado (e nós) financiar este tipo de endividamento; as baixas taxas de juro, somando a ausência de qualquer outra política que criasse alternativas à compra. Qualquer incentivo ao crédito à habitação (isenções, juros baixos, bonificados, ou aumento do prazo de pagamento) não nos beneficiava, apenas tinha como resultado o aumento dos preço das casas e assim um maior endividamento nosso. Ou seja, estas políticas, revertiam sempre na inflação e especulação, ou seja, revertiam diretamente para o negócio imobiliário, com os promotores e a banca à cabeça. E o resultado foi uma dívida gigantesca das famílias (para 30, 40 ou 50 anos), e uma dívida gigantesca da banca ao exterior que é a dívida gigantesca privada do país. Mas repito, o negócio bancário durante anos teve no crédito à habitação uma fonte fenomenal de lucros, rapidamente distribuídos aos acionistas, mas depois, com o ataque especulativo promovido pela elevada dívida privada do país, os bancos (e não os acionistas) começaram a ter problemas. Mas não houve crise para eles: salvaram-se os bancos. Uma boa parte da sua dívida externa foi transformada em dívida pública, precisamente esta que agora, dizem, temos de pagar à troika (a troika pagou ao Estado, o Estado pagou aos bancos, e nós pagamos isto tudo). E assim, as famílias não só têm o crédito bancário para pagar, como pagarão também, e outra vez, a dívida externa do negócio imobiliário que era dos bancos, e que foi também transferida para elas (através dos impostos e dos cortes do estado social). Engenhoso, não? É muito provável que paguemos ainda esta dívida mais algumas vezes, com mais empréstimos que virão. Salvaram os bancos, e agora quem salva as famílias? É que estas, sem emprego, com impostos cada vez mais elevados, começam também a perder a capacidade de pagamento do seu empréstimo à habitação. Quem as salva? Não há qualquer resposta para os milhares de famílias que estão em risco de perder ou já perderam a sua casa. Num estado com uma Constituição que estabelece direitos e garantias fundamentais, salvam-se os bancos, mas não se preveem respostas para as famílias que perdem a sua casa. Mas há mais: como se não bastasse, se perderem a sua casa para o banco e este considerar que a dívida não ficou saldada, porque a soma da dívida já paga e o valor atual da casa, não vale, segundo a banca, o valor da dívida em falta, então, não só a a família perderá a casa, como manterá uma dívida de um crédito à habitação de uma casa que não tem. Pagamos várias vezes a bendita/maldita casa em que precisamos para viver, sem estarmos livres de hoje para amanhã sermos atirados/as porta fora. Salvaram-se os bancos e quem salva as pessoas?
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
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