(O exemplo de Aristides de Sousa Mendes)
No passado dia 17, o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) de Viseu realizou uma tertúlia sobre Aristides de Sousa Mendes, em que foram oradores convidados dois professores e investigadores de História, Jorge Adolfo (docente da Escola Superior de Educação de Viseu) e Teresa Cordeiro (docente da Escola Secundária Emídio Navarro) e eu próprio, em representação da Olho Vivo – Associação de Defesa do Património, Ambiente e Direitos Humanos. Durante o debate, um dos participantes na tertúlia (o presidente da Mesa do Plenário Distrital do CDS Viseu), disse que Salazar cumpriu o seu dever ao castigar Sousa Mendes, uma vez que na qualidade de Ministro dos Negócios Estrangeiros não podia deixar de sancionar uma violação das orientações definidas para o corpo diplomático, Claro que fui obrigado a lembrar que as normas que Sousa Mendes ignorou foram escritas por Salazar, violando princípios éticos elementares, a começar por "a obrigação de ajudar" (Peter Singer, "Ética Prática"). Na verdade quem cumpriu o seu dever foi Aristides de Sousa Mendes, que salvou 20 a 30 mil refugiados dos bombardeamentos e das perseguições dos nazis, incluindo cerca de 10 mil judeus, ao decidir desobedecer a ordens expressas do Ministério dos Negócios Estrangeiros que proibira os diplomatas portugueses de passarem vistos, entre outros, aos portadores de passaportes Russos e "aos judeus expulsos dos países da sua nacionalidade ou daqueles de onde provêm", correndo o risco de condenar à miséria a sua numerosa família, que, efectivamente, impedido por Salazar de retomar a carreira diplomática e de exercer a advocacia, acabaria por recorrer à sopa dos pobres, em Lisboa. A jornalista Diana Andringa, autora do guião e textos do documentário de Teresa Olga, "Aristides de Sousa Mendes, o Cônsul Injustiçado", surge no filme a mostrar um livro de Direito de 1915, onde, entre os deveres do funcionário, se encontra o dever da desobediência. A desobediência civil, numa sociedade democrática, justifica-se, diz Peter Singer, quando uma "decisão do poder não representa uma expressão genuína da opinião da maioria", ou ainda quando a decisão seja a "expressão genuína da maioria, mas esteja tão errada que se justifica agir contra a maioria". Para Hannah Arendt a desobediência civil é um direito humano fundamental. Em casos limite de desintegração de poder pode dar lugar (ao direito) à Revolução. A desobediência civil advém do Direito de Resistência. Este foi consignado na Declaração de Independência dos EUA, de 4 de Julho de 1776, como o direito do povo abolir ou instituir um novo governo se ocorrerem abusos ou usurpações despóticas. Também o artigo 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, consagra o direito de resistência à opressão. A Constituição da República Portuguesa no seu artigo 21º (Direito de resistência), assegura que "todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública." O constitucionalista Gomes Canotilho aponta ainda o artigo 7º (Relações internacionais) segundo o qual "Portugal reconhece o direito dos povos à auto-determinação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as forma de opressão." Mas este direito de resistência já aparecia nas Constituições de 1838 e de 1933. Houve outros diplomatas portugueses que passaram vistos a refugiados (Sampaio Garrido e Teixeira Branquinho, em Budapeste, salvaram cerca de mil judeus; Alfredo Casanova, em Génova e Agenor Magno, em Milão), mas Aristides foi o mais punido, por a guerra ainda estar no princípio e Salazar acreditar que Hitler ganharia. Por isso, Salazar, que deu ordens para recambiar da fronteira de Vilar Formoso um comboio carregado de judeus (só não foram mais devido às pressões dos EUA e dos ingleses para Portugal se manter neutral) ficou na História como um ditador e um assassino, enquanto Aristides, que salvou 30 mil refugiados do extermínio nazi, ficará para sempre como um justo e um herói.
Carlos Vieira e Castro
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