O novo paradigma e os seus valores tão delicados |
Quarta, 06 Fevereiro 2013 | |||
A burguesia deixou, há muito, mas agora de forma descabelada, de respeitar as próprias instituições com que tem assegurado o seu domínio. Isto significa que se prepara para modificar a sua substância mantendo convenientemente a forma. Artigo de Mário Tomé Quando o Presidente da República consegue, em mensagem ao Tribunal Constitucional, condenar de forma inequívoca e veemente o OE 2013 depois de o promulgar e tudo fica na mesma; quando o Presidente da República aceita dar posse aos novos Secretários de Estado depois da pequena remodelação, mas remodelação ainda assim, ter sido classificada pelo primeiro-ministro como não tendo dignidade política, estamos perante um atentado descarado à dignidade das instituições e do próprio cargo do Presidente da República. E, no caso particular do Secretário de Estado Franquelim, Cavaco mostra a sua incapacidade de contrariar a mafia que ele próprio abençoou no BPN, o "banco dos cavaquistas", e de quem obteve informação privilegiada para fazer umas boas lecas de mão dada com a filha. Quando o barão da Banca, Ricardo Salgado, vai ser ouvido no Banco de Portugal para avaliar da sua idoneidade para dirigir o BES, depois de ter fugido ao fisco com mais de oito milhões de euros, todos sabemos que vai ser considerado não só idóneo mas ainda altamente louvável pelo irrepreensível ato de ter pago os impostos devidos depois de ter sido descoberta a fuga miserável. Quando Alexandre Alves Costa que não paga impostos porque está matriculado na Holanda, nos vem dizer que o país precisa é de "gente de raça" – ele o homem mais rico de Portugal é decerto de raça pura pelo que devia ser toureado no Campo Pequeno em vez dos pobres animais – e nós ficamos piursos, devemos lembrar-nos que isto se passa num país, numa Europa, num mundo em que os off-shores são a legalização da fuga aos impostos e que tal é aceite pela mais inocente das compreensões como a mais cândida das beatitudes. Quando neste caldo de impunidade, prepotência e indignidade provocatória, a que podemos chamar, numa expressão inusual mas apropriada, avacalhamento global, Fernando Ulrich cujo BPI é obrigado a declarar 249 milhões de euros de lucro em tempo de crise brutal, desafia os cidadãos e as cidadãs deste país a tornarem-se "sem abrigo" para salvar a finança e a banca porque o pessoal "ai aguenta, aguenta", chegamos ao ápice do desprezo pelas pessoas e pelas instituições até aqui apresentadas como espinha dorsal da democracia burguesa. A burguesia deixou, há muito, mas agora de forma descabelada, de respeitar as próprias instituições com que tem assegurado o seu domínio. Isto significa que se prepara para modificar a sua substância mantendo convenientemente a forma. As exceções imperiosas, as emergências instantes, as medidas inadiáveis e as respostas sem alternativa constituem o acervo léxico da ideologia fundamentalista que a anarquia financeira impõe às sociedades mais avançadas do ponto de vista da organização política democrática, sedimentada desde a grande revolução burguesa de 1789/93. A blindagem total do governo de Passos Coelho às críticas arrasadoras de qualificadas criaturas da sociedade burguesa que lhe dizem não abuses tão descaradamente; e aos protestos indignados da cidadania ativa, espontânea ou organizada, coloca-nos perante um caso sem precedentes, um insulto ostensivo e provocador à sociedade. A burguesia em geral, e a portuguesa em particular, atingiu o patamar do crime como método e da indignidade como referência ética. A corrupção - o lubrificante da democracia capitalista, como assinalava o controleiro mafioso das hierarquias do Estado e da Igreja, na excelente série italiana "La Piovra", ("O Polvo") - é apenas a parte soft da moral proto-esclavagista e da frieza nazi que se apossaram da alma e do espírito dos nossos criminosos de colarinho branco e do sistema de funcionamento dos seus partidos, na articulação cada vez mais descarada com os interesses rapaces da banca e da finança que já passaram a linha de não retorno a nível global: destruição, depredação, assassinato, massacre, genocídio, extorsão, roubo, violação, manipulação, mentira alarve a alvar, o desrespeito por tudo o que seja a humanidade e a dignidade dos seres humanos constituem a panóplia dos instrumentos do poder que se absolutiza à medida que a finança tudo corrompe e deglute. A arquitetura institucional da sociedade apenas já decora a abjeção dos comportamentos e a violência das políticas esgotadas mas irredutíveis na sua irracionalidade. Victor Gaspar lançou o mote para a liquidação do Estado Social e de orientação para a planificação da sociedade de acordo com os programas decorrentes da falência do capitalismo enquanto modo de produção e sua degeneração em modo de especulação e enriquecimento ilícito, mafioso e criminoso: "os portugueses têm de escolher quanto estão dispostos a gastar para manter o Estado Social". Mudança de paradigma, nada mais será como dantes proclamou enfática e solene a desastrada Sofia da solene conferência refundadora que, no Palácio Foz, acabou em traque. E vieram os peritos universitários avançar novos campos de planeamento para a sociedade neo-liberal. Por exemplo num dos últimos "Expresso da Meia-Noite" dizia um prof . universitário, o Doutor fulano: é preciso que se defina qual a percentagem de mortalidade infantil que queremos; logo seguido do outro, o Doutor cicrano: e qual a esperança média de vida que interessa fixar. Eugenia não racial mas etária, social, eis o que temos a esperar destes monstrengos que se apossaram do país, autênticos psicopatas na verdadeira aceção da palavra: nenhuma emoção, nenhum estremecimento, nenhum pestanejar involuntário perante o sofrimento que causam aos seres humanos que vão tendo à disposição. Perante esta vertigem sociopata, por que não constitucionalizar a indexação ao défice e ao PIB da esperança de vida e da percentagem de mortalidade infantil desejáveis? Aos bons restos de social-democratas e de democratas cristãos à moda antiga, que se indignam ainda perante esta invocação prática do nazismo - o fascismo era menos rigoroso nos cálculos – devemos sublinhar que, nas sociedades atuais condicionadas pelo imperialismo, a finança e o militarismo já nem o seu humanismo q.b. tem lugar e que hoje, na sociedade burguesa, só há uma categoria de valores, os da Bolsa. A reconquista dos valores éticos que foram sendo estabelecidos pela civilização, graças ao conhecimento científico e à luta social de amplo espectro, dinamizada pelas reivindicações do Trabalho, exige a luta sem hesitações nem ambiguidades contra o poder instalado da finança global, ou seja, sem mais aquelas, contra o capital e o seu sistema de poder, alienação e hegemonia. Neste contexto, o crescimento de grupos neo-nazis e da sua bestialidade violenta contra imigrantes, ciganos, ativistas de esquerda ou suspeitos de o serem, e que tem na Aurora Dourada na Grécia a sua expressão mais avançada, nomeadamente no apoio de massas espoliadas, excluídas e desorientas, assim como surtos semelhantes noutros países da UE, tem de ser travado no âmbito daquela luta. O nazismo, com voz mais meiga mas indisfarçável como vimos atrás, educado na evolução do neoliberalismo que, aliás, teve inicio politicamente com as matanças, suscitadas pelos Chicago boys e apoiadas com carinho por Nixon e Kissinger, de Pinochet no Chile e Videla na Argentina, ressuscitou dentro do Estado capitalista atual e é este que se encarrega das medidas terroristas que, faz agora precisamente oitenta anos, exigiram partidos dedicados e devotados. Os tempos são outros e os meios evoluíram e sofisticaram-se com as novas tecnologias... A história é um livro aberto de ensinamentos mas é preciso saber lê-la de acordo com outros ensinamentos: aqueles que decorrem da evolução das sociedades, das características que a luta de classes vai assumindo e da própria estrutura das classes e que classes em presença. Por isso a proposta surgida para a criação urgente de um movimento anti-fascista "democrático e unitária" de âmbito europeu "contra a barbárie racista e neofascista que é uma realidade que se verifica, todos os dias, nas ruas das nossas cidades europeias", teria como consequência, na atual situação, sugerir uma aliança das forças da democracia, que nos dias de hoje só podem ser anti-capitalistas e que se mobilizam contra os interesses avassaladores da finança global, com as forças políticas que controlam os mecanismos formais da democracia, dela se reivindicando enquanto a esvaziam de conteúdo promovendo, com a violência necessária, as políticas determinadas por aquela mesma finança com que nos confrontamos. Os governos burgueses do capital são hoje os liquidadores da democracia, dos direitos humanos, da solidariedade social, são os promotores da exclusão, da xenofobia, do racismo encoberto ou não. O combate aos grupos criminosos como a Aurora Dourada que, usando explicitamente a violência assassina, viram as vítimas mais desprotegidas do capital umas contra as outras, terá que ser feito no âmbito do movimento social que confronta os governos do capital financeiro pela imposição dos direitos sociais e humanos e pela imposição da democracia participativa e combativa como garante fundamental da sociedade livre.
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
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