Murasaki Shikibu - A Mulher que ousou falar a Linguagem dos Homens |
Sexta, 15 Março 2013 | |||
Relembramos aqui, Murasaki Shikibu (978-1014/1025), romancista e poetisa japonesa, uma d@s grandes escritor@s da literatura universal, uma autora marcante para a literatura japonesa e uma mulher que ousou, no Japão Medieval, aprender e ensinar a linguagem escrita dos homens. Desconhece-se o verdadeiro nome desta mulher marcante, o nome pelo qual se imortalizou é um pseudónimo Murasaki significa "Violeta" (nome próprio) e Shikibu (apelido) crê-se que se refere a Shikibu-sho , ou seja, o Ministério Cerimonial Japonês do qual o seu pai, membro na corte imperial japonesa, fazia parte. Murasaki viveu no período ao qual os historiadores chamaram Heian, nascida e criada no seio do clã Fujiwara que dominou a corte até ao século XI (cerca de 150 anos). Nesta atura, o imperador desempenhava um papel meramente representativo já que os Fujiwara dominavam o governo do Japão muito à custa da sua influência através de casamentos estratégicos das suas filhas com altos membros da corte. Num período em que mulheres e homens viviam em casas separadas e as crianças viviam em casa das suas mães tendo pouco contacto com os seus pais, a educação de ambos os géneros era marcadamente diferente (aliás ainda o é nestes dias que correm, como bem sabemos). As mulheres nobres eram educadas na música, poesia e escrita kana. O kana era uma simplificação dos caracteres chineses, o japonês escrito, expurgado ao máximo da influência chinesa e uma transcrição fonética da língua japonesa falada. Esta forma de escrita era exclusivamente feminina e adquiria para os homens um simbolismo inclusivamente erótico. Contrariamente a este estilo de escrita feminino, estava a escrita exclusivamente masculina, erudita, complexa, inteligente, os caracteres chineses. Eram em caracteres chineses que se escreviam documentos do governo e toda a informação relevante, poderosa. Privadas do conhecimento em caracteres chineses, as mulheres não tinham acesso a nenhuma informação de maior relevância estando, por este meio, afastadas do poder, pois eram "analfabetas" na sua linguagem. A literatura feminina, escrita em kana e partilhada entre elas, resumia-se essencialmente a novelas e fábulas e alguns poemas. Estilos literários estes considerados pelos homens como inofensivos porque levianos e de entretenimento apenas. As mulheres eram consideradas intelectualmente inferiores e as obras a que tinham acesso não deveriam ir para além do seu entendimento. Privada da sua mãe desde cedo pela morte desta, Murasaki teve uma infância e juventude muito invulgar uma vez que o seu pai resolveu educá-la em sua própria casa juntamente com o seu irmão mais novo. Destinado a um importante cargo no governo, o irmão de Murasaki iniciou a aprendizagem dos caracteres chineses em tenra infância e Murasaki aprendeu também revelando desde logo, muita eficiência, inteligência e perspicácia, o que fez com que o seu pai lamentasse profundamente o facto de Murasaki ter nascido mulher. Detentora de conhecimentos na linguagem escrita proibida às mulheres, Murasaki leu literatura chinesa e aprendeu muito do que de outro modo jamais teria acesso. Embora as mulheres da época se casassem ao atingirem a puberdade, Murasaki só o fez perto dos 30 anos com um amigo do pai, membro do clã Fujiwara. Com ele teve uma filha. Acredita-se que começou a escrever o romance de Genji, obra que a imortalizou, ainda o marido era vivo. Depois da morte do seu marido, começou a trocar poemas com Michinaga e este, fascinado com a sua inteligência e erudição, levou-a para a corte onde foi sua concubina e educadora da sua filha Shoshi. Murasaki ensinou a Shoshi os caracteres chineses, símbolos de erudição e poder e Shoshi triunfante com o seu conhecimento, decorou partes dos seus aposentos com caracteres chineses o que provocou o choque da corte já que esses caracteres eram impróprios para as mulheres, era através desta proibição dos caracteres chineses às mulheres que estas estavam afastadas de qualquer posição de poder e governo. O facto de Murasaki, não só saber como ter a ousadia de ensinar esta linguagem era considerado impróprio, escandaloso e subversivo de toda a cultura e sociedade vigente. A condenação foi tal que Murasaki deixou de utilizar os caracteres chineses em público fingido até desconhecer esta forma de escrita. Desconfortável com a vida na corte, Murasaki era conhecida por se isolar bastante. Considerava, inclusivamente, que nada tinha em comum com o clã a que pertencia, Fujiwara. Devido a este seu desagrado pela vida na corte, alguns teóricos afirmam que o Romance de Genji foi criado por ela como uma forma de entretenimento. De entre as suas obras conhece-se o Romance de Genji, The Diary of Lady Murasaki e Poetic Memoirs. Escrito entre o ano de 1000 e 1012, O Romance de Genji conta com 3 volumes, quase 2000 páginas, 54 capítulos, divide-se em duas épocas é o exponente máximo da literatura japonesa. É considerada a primeira novela literária da história. Esta obra tem como pano de fundo o Japão medieval situando-se entre a segunda metade do século X e o primeiro quartel do século XI, altura em que a civilização nipónica vivia na recta final de uma época dourada que durou 4 séculos. A capital era agora Heian Kyo (actual Quioto) que significa " Cidade da Paz e da Tranquilidade". Esta altura de ausência de guerra fez com que a aristocracia japonesa vivesse numa enorme ociosidade dedicando-se ao prazer e á arte e onde a falta de sensibilidade artística era considerado algo abominável. Nenhuma outra civilização deu tanto valor aos prazeres sociais e culturais como a japonesa desta altura, algo que Murasaki muito bem evidenciou na sua obra. Murasaki foi testemunha do apogeu e da queda desta civilização brilhante e deixou-nos o seu testemunho através das páginas que a seu pulso escreveu. Devido à sua extensão, acredita-se que esta obra tenha sido apoiada pelo próprio Michinaga já que a despesa em tinta e papel na altura seria dificilmente suportada. Cada capítulo era partilhado por Murasaki e quem o recebia copiava-o novamente para o partilhar com outr@s o que contribuiu para a ampla divulgação do seu trabalho. Esta prática de partilha era muito comum na época entre as mulheres que tradicionalmente partilhavam poemas entre si deste modo, porém, O Romance de Genji quebrou barreiras já que foi partilhado entre mulheres e homens rendendo ambos os géneros aos seus encantos. O Romance de Genji foi escrito em japonês Kana e caracteres chineses tendo uma narrativa muito rica onde se entrelaçam estórias chinesas, poesia e um estilo japonês contemporâneo, paródia e sátira, ironia, reflexão, crónica de costumes, comédia e drama. Rico em estilo literário. O Romance de Genji é também valioso em termos históricos, artísticos, sociais, psicológicos e humanos. Na literatura europeia da mesma época não existe qualquer registo de nada tão actual. As páginas relatam a história do Príncipe Genji, filho do imperador que luta para obter os direitos do seu nascimento mas o verdadeiro fio condutor desta novela são os casos amorosos de Genji numa altura em que a poligamia era comum entre os homens de classe elevada. A história de Genji desafiam a maior parte das concepções ocidentais sobre o amor, o desejo, o casamento. O tema central da obra é a tristeza da existência humana onde não deixam de estar presentes inúmeros episódios que descrevem a condição feminina salientando a reclusão e isolamento de que eram alvo na época. Esta obra fenomenal só no século XX foi traduzida para o japonês moderno e o ocidente só teve conhecimento dela em 1933 quando Arthur Waley o traduziu para a língua inglesa. Foi com este trabalho de grandioso valor que Murasaki se imortalizou, não só no Japão como também na história da literatura universal. Mas Murasaki Shikibu fez mais que esta obra, ousou abrir a porta do conhecimento erudito às mulheres, ousou ler, escrever a linguagem do poder e do conhecimento e ensiná-la ainda a outra mulher. Reclamou com este seu acto a linguagem do poder para as mulheres, abriu horizontes e construiu uma ponte entre uma linguagem exclusivamente masculina e uma feminina e com ela uma ponte entre o Japão antigo e o moderno. Ainda hoje, Murasaki, inspira e fascina, ela, a mulher que ousou falar e escrever a linguagem dos homens. Nádia Cantanhede Referências: - Murasaki Shikibu - O Romance de Genji Vol I e II – Editora Exodus - http://en.wikipedia.org/wiki/Murasaki_Shikibu
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