Estão passados quase 39 anos do 25 de Abril de 1974 em que o Movimento das Forças Armadas pôs fim ao regime ditatorial e colonialista de Salazar e Caetano, que trouxe as liberdades democráticas e abriu as portas pelas quais irrompeu um impetuoso movimento popular que alcançou conquistas revolucionárias e populares.
Ao longo de todos estes anos o 25 de Abril tem sido denegrido e sobretudo esvaziado do seu conteúdo de cariz mais popular. Mas se dúvidas houvessem de que valeu a pena esta data histórica para os portugueses e povos que eram oprimidos e colonizados, as grandes transformações políticas e sociais que se operaram em Portugal, que marcaram decididamente uma viragem das mais significativas da nossa história contemporânea, são determinantes da sua importância.
O fim da guerra colonial, as liberdades sindicais, a organização de partidos políticos, a subida de salários, a ocupação de casas devolutas, a organização de comissões de soldados e sua participação, fardados, nas manifestações de rua ou as nacionalizações, só nos podem deixar verdadeiras saudades, num tempo em que é expresso pelos governantes ao serviço do capital e da troika, um revanchismo ideológico doentio ao espirito do 25 de Abril no capitulo das conquistas populares, que com muita luta, muita alegria, entusiasmo, solidariedade e genuína intervenção política e exercício de cidadania, se construiu democracia, liberdade, poder local, perspetivas de desenvolvimento e progresso de um povo até aí amordaçado e oprimido.
Como afirma o preâmbulo do texto da Constituição da República Portuguesa aprovada pela Assembleia Constituinte em 1976, "A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.", representando, "...uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.", concluindo que, "A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno."
Mas, tais "princípios fundamentais", que exigiram sempre ao longo destas décadas de democracia, uma luta titânica entre as camadas trabalhadoras do povo, a burguesia exploradora, o capital e as forças imperialistas, estão hoje postos em causa. Numa luta de classes que nunca deixou de o ser, mesmo após a queda dos "muros" e regimes dos países ditos socialistas, em que as forças ao serviço dos interesses do capital financeiro nunca deram tréguas, até tentando popularizar o capitalismo, na descaraterização do espirito de Abril e dos seus sonhos e utopias, desde logo em sucessivas revisões da própria Constituição que foram esvaziando direitos e leis, então assumidas como avançadas à luz de experiências de outros países e povos, num braço de ferro traduzido em muitas lutas de resistência, operárias, sindicais e populares, contra o desmantelamento de conquistas que em alguns casos, quase não se chegaram a usufruir verdadeiramente em toda a sua plenitude. Tal foram negadas pelo poder do capital e por sucessivos governos do PS, PSD e CDS-PP e suas maiorias parlamentares, com beneplácito e coabitação sempre favorável aos mais poderosos, de presidentes da república, como Cavaco Silva.
À distância destes 39 anos da revolução dos cravos, dos dias em que o Povo inundou as praças, ruas e alamedas do país só mesmo a rua ainda é do Povo, seja através do movimento sindical, da "geração à rasca", dos "indignados" ou mais recentemente "Que se lixe a troika".
Respostas de um Povo cansado de ser depauperado por políticas assentes no agravamento da austeridade, que só fomenta mais profunda e prolongada recessão dinamizada por um governo submisso ao capital financeiro que mais está a beneficiar de tão brutal sacrifício das famílias portuguesas, tal é a voragem sem precedentes de governantes que anunciam todos os dias novas medidas de austeridade sobre os mais frágeis. Verdadeira declaração de guerra do capital e dos mercados ao trabalho, que é preciso dizer basta.
Entre todas as medidas sociais, económicas e políticas que se vêm abatendo sobre um povo inteiro, impondo-lhe o empobrecimento e o assistencialismo, com todas as consequências nas áreas de serviços sociais fundamentais, como a educação ou a saúde, de que o governo se quer desresponsabilizar na linha da pretensão já assumida de descaraterização e esvaziamento das funções do Estado Social apoiado na maioria parlamentar de direita. Bastaria ter em consideração o mais recente anuncio público de uma nova campanha contra os funcionários públicos, que depois de outros ataques desenfreados por diferentes protagonistas neoliberais, o ultraliberal governo PSD/CDS-PP mostra de forma arrogante e prepotente a sua aversão ao ainda pobre Estado Social surgido do 25 de Abril de 1974.
Num país em que o desemprego atingiu o seu nível mais elevado de sempre, com mais 300 mil desempregados desde que o atual governo tomou posse, havendo ainda mais de um milhão de pessoas sem emprego e sem receber qualquer tipo de subsídio, o governo mais conservador do pós-25 de Abril, não esconde o seu revanchismo aos direitos e regalias conquistadas pelos trabalhadores, incluindo a conquista de Abril sobre aumento salarial. Por isso, depois de mais uma campanha orquestrada contra o Estado Social, faz chantagem sobre a função pública, com vista a baixar salários dos trabalhadores do Estado, e naturalmente do privado, para quem os salários públicos servem de referência. O resultado é simples. O peso salarial da Função Pública baixou dos 14% no produto para 10,4%, muito abaixo da média europeia e a léguas dos 18% de países como a Dinamarca ou a Noruega. Contrastando aliás com o real aumento salarial no pós-25 de Abril, o Governo é curiosamente, neste momento, o único parceiro a impedir o aumento do salário mínimo nacional. Quem diria!
Para fragilizar ainda mais as funções sociais do Estado resultantes das conquistas de Abril, de um Povo que saiu à rua e assustou o capital, o governo Passos Coelho/Paulo Portas agora humilha os profissionais da função pública em nome do peso da administração pública, apontando a porta da rua para 150 mil funcionários públicos, escamoteando cinicamente que durante os anos do anterior Governo do Partido Socialista a administração pública, através da regra 2 por 1 e depois 5 por 1, perdeu mais de 50 mil funcionários. Agora, em menos de dois anos no Governo, PSD e CDS cortaram 25 mil postos de trabalho no Estado, mostrando-se ainda insaciável ao ponto de anunciar um programa de chantagem violenta sobre os trabalhadores de mais fracos recursos na administração pública, como resultando da continuação dos planos de austeridade, que está a impor a pobreza a quem trabalha.
Perante tanta afronta, tanta chantagem, tanto revanchismo impõe-se o essencial de Abril através da resistência das esquerdas e de todas as forças democráticas disponíveis para contrariarem e se oporem com alternativas claras e mobilizadoras às políticas fundamentalistas e troikianas que salvem este país em ruínas e as várias gerações à rasca, através de todas as lutas, incluindo também a da rua que ainda é do Povo! Caminho para o qual o BE tem dado um importante contributo, e lhe será exigido dar ainda muito mais!
José Carlos Lopes
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