A escola como pólo de consumo |
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Domingo, 26 Maio 2013 | |||
Refiro-me, então, à fácil, e cada vez mais vulgar, intromissão de jovens adultos de ar saudável e chamativo, à porta e dentro da escola, com t-shirts da empresa que os sustenta, ou do partido que os lança na aventura (no caso das juventudes partidárias), a distribuir cartões de telemóvel, panfletos, canetas e outras bugigangas para promoção do seu produto ou pela obtenção de um voto - agrupa-se aqui também o caso das eleições para a Associação dos Estudantes da qual me manifestarei mais tarde. Num espaço cultural, educativo e de formação, esta pesca ao bolso dos encarregados de educação destes pré-adolescentes, que na maior parte das vezes desconhece o destino do seu dinheiro, desabrocha aqui o estrito interesse pela venda dos seus serviços a um alvo fácil, capitalizando os alunos, e não manifestando o menor interesse pela educação, pelo combate à iliteracia ou pela divulgação cultural, por exemplo. Diluídos no meio de pré-adolescentes num quase motim de alegria, de professores desconfiados do cenário e de contínuas e funcionárias que continuam o seu trabalho sem perder tempo com esse alarido desnecessário, estes jovens adultos, como lhes chamei, registam uma atitude populista e relaxada chegando aos mais distantes e vendendo o seu peixe numa verdadeira pedocracia. Esta exposição, literalmente colossal, de grandes marcas influencia psicologicamente os alunos a procurar consumir os seus produtos, e, consequentemente a divulgá-los imediatamente, trata-se de um ciclo vicioso que satisfaz a miudagem e que dispensa a pergunta 'porque é que compro este produto se, de facto, não me é necessário para viver?'; no final de contas, o dinheiro aparece todos os dias, não há-de ser amanhã que vai faltar... Mas, enfim, este é apenas o ponto de partida para o estilo de vida caprichoso a que a vertente consumista do capitalismo moderno nos tem habituado. Na verdade este assunto já vem muito de trás: é favor não esquecer a venda dos computadores portáteis nas escolas, as viagens de finalistas altamente patrocinadas e, principalmente, as eleições para a associação de estudantes. Para chamar literalmente a atenção dos alunos, algumas das listas a concorrer para a AE, durante o primeiro período de todos os anos lectivos, poluem sonoramente toda a escola com alarido quase esquizofrénico, com música que passa todas as paredes da escola - esquecendo que existem alunos, professores e funcionários que (realmente) trabalham e estudam - grandes concursos e jogos, faixas de alguns metros penduradas com nomes, slogans baratos e imagens de marcas com produtos que capitalizam e 'ajudam' estas listas a ganhar, e, por fim, a criação aleatória de cargos hierárquicos dentro das listas dividida em sectores, de maneira a inserir o resto dos amigos na elite. Enfim, é surpreendente ver uma massa tão jovem, que ainda nem sonha com o elixir da eterna juventude, e já tanto suplica até à última migalha por uma cruz no boletim de voto. Ao ganhar este núcleo que 'representa todos os alunos da escola', os membros da AE, durante o resto do ano, focam outros aspectos como as festas ou a viagem de finalistas, desviando-se dos demais assuntos de interesse comum, já para não falar das falsas promessas aquando das eleições. Se compararmos uma AE destas ao actual governo, podemos dizer que estão a gerir muito mal o seu país... É um reflexo da lenda eleitoral que Portugal vive na sua sazonalidade legislativa onde os governantes prometem tanto e cumprem tão pouco. Desviado do assunto principal do corpo de texto, o exemplo da AE, da promoção de produtos de telecomunicações e de juventudes partidárias, explica uma das desnecessidades cíclicas que as escolas evocam, seguidas do patrocínio e venda abusiva aos alunos. Por toda a escola são colados cartazes desta génese consumista e nem o jornal regional é disponibilizado na biblioteca escolar (?!), se adquirir o jornal regional neste espaço da escola é um assunto com algumas barreiras a ultrapassar, era pertinente uma justificação aos alunos que desejam ler as notícias da sua zona, acho que há esse direito. Ainda há alunos que acompanham e realmente usam a escola para ler, estudar e questionar, o que é cada vez mais raro pelos vistos. Finalizando, questiono-vos: Estará o lado humanitário desta comercialização vendada pelo dinheiro? E será necessário invadir o espaço comum das escolas durante os intervalos com aquele ar de quem vai pronto para a grande 'caça'? Como se sentiriam estas empresas se lhes fizessem o mesmo, invadindo a paz do seu sossegado escritório durante uma reunião importante? É o verdadeiro papel das escolas que ponho aqui em causa: serão um centro de formação, aprendizagem, e partilha de cultura e conhecimentos, ou um mero espaço de oportunismo barato por via do mercado de menores, esquecendo assim os seus princípios? "Não ensinem as vossas crianças apenas a ler, ensinem-lhes a questionar o que leram, ensinem-lhes a questionar tudo." George Carlin Daniel Carvalho, estudante do ensino secundário
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A Comuna 33 e 34
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