A luta dos trabalhadores nas "fábricas do mundo" |
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Domingo, 30 Junho 2013 | |||
Artigo de Carlos Santos, organizador do Dossier "As lutas do Trabalho na Ásia", pré publicação d'A Comuna nr. 30
Não tenho pretensão de ter uma ideia completa de resposta à interrogação. No trabalho deste dossier procuramos apenas um pequeno retrato dessas lutas e neste artigo estabelecer alguns traços importantes sobre a situação e evolução das lutas do trabalho naquele continente. Lá como cá No entanto, este trabalho confirmou plenamente o que suspeitava: os trabalhadores da Ásia estão a lutar ativamente e cada vez mais e mais organizadamente pelos seus direitos sociais, pelas mesmas conquistas, que os trabalhadores norte-americanos e europeus alcançaram após a segunda guerra e que em Portugal só foram alcançadas após a Revolução de Abril. Conquistas e direitos sociais que se encontram hoje na Europa, sob o brutal ataque dos governos europeus de direita e da troika. A luta que travamos atualmente em Portugal e na Europa em defesa do Estado Social, tem parceria na luta que os trabalhadores da Ásia travam pelos seus direitos elementares. Mas o seu combate pelo direito ao trabalho, a melhores condições de vida, a salários reais mais elevados, à liberdade de organização no trabalho e em sindicatos é afinal semelhante, embora em níveis e situações muito diferentes, à luta de portugueses, espanhóis e gregos contra o roubo de direitos, contra os ataques às reformas, à segurança social, aos salários. E, por exemplo, as 10 reivindicações da greve geral de dois dias de fevereiro de 2013 na Índia, não permitem qualquer dúvida. China e Índia duplicam PIB em menos de 20 anos O Relatório do Desenvolvimento Humano 2013[1] assinala a profunda transformação nos países do Sul, a que chamam "a ascensão do Sul", salientando o rápido crescimento económico de China e Índia nos últimos 20 anos: "A Grã-Bretanha, onde a Revolução Industrial teve origem, levou 150 anos para duplicar o produto per capita e os Estados Unidos, que se industrializaram posteriormente, 50 anos. Ambos os países possuíam populações inferiores a 10 milhões de habitantes no início do respetivo processo de industrialização. Em contrapartida, a China e a Índia iniciaram a atual fase de crescimento económico com cerca de mil milhões de habitantes cada, tendo cada um dos países duplicado o seu produto per capita em menos de 20 anos - uma transformação que abrangeu cem vezes mais pessoas do que a Revolução Industrial." E essa profunda transformação económica acarreta inevitavelmente alterações em todos os âmbitos, nomeadamente nos terrenos social e ambiental, e até geopolíticas. As fábricas do mundo Nos últimos 30 anos, a globalização capitalista levou à transferência de grande parte da produção industrial para a Ásia. Muitas empresas deslocalizaram a sua produção dos Estados Unidos e da Europa para aquele continente. A China foi o país que mais recebeu novas fábricas, mas a industrialização não ficou por aquele país apenas. A par da China a deslocalização verificou-se também para a Índia, para a Coreia do Sul ou para Taiwan, e depois destes países para a Indonésia, Bangladeche, Camboja e outros países asiáticos. As transnacionais, primeiro motor dessas transferências, procuravam com essa migração duas coisas: em primeiro lugar, mão-de-obra mais barata e, em segundo lugar, novos mercados. Mas essa transferência, foi muito para além desses objetivos, provocando mudanças na geopolítica, na economia e nas finanças mundiais, no ambiente, em todas as sociedades e, inevitavelmente, na vida de muitos e muitos milhões pessoas. No "velho mundo", as deslocalizações criaram cidades-fantasma, desemprego, endividamento. Nos novos países do mundo industrial, levaram ao abandono dos campos e à proletarização de milhões de pessoas. O salário globalizou-se e desvalorizou-se para quem vive e trabalha no "velho mundo". Os novos proletários asiáticos enfrentam problemas semelhantes aos dos proletários europeus de há 200 anos, mas com as caraterísticas do século XXI e daquele continente. Nos últimos dez anos, estas profundas alterações no trabalho levaram a uma urbanização acelerada na Ásia, com todas as consequências positivas, mas também negativas. Por exemplo, entre 2000 e 2012, a população urbana passou no Bangladeche de 23,6% para 28,9%, na Tailândia de 31,1% para 34,4%, na Índia de 27,7% para 31,6%, na Indonésia de 42,0% para 51,5% e na China de 35,9% para 51,9%. Com estas alterações, o chamado "mercado de trabalho" da China tornou-se no maior do mundo, com 795,4 milhões de trabalhadores, segundo os dados mais recentes[2], enquanto o da Índia abrange já 498,4 milhões de pessoas. Estas transformações levaram a que milhões de pessoas saíssem de uma situação de pobreza extrema. De acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano 2013, já citado, a percentagem de população que vive com menos de 1,25 dólares por dia baixou, nos últimos 20 anos, de 60,2% para 13,1% na China e de 49,4% para 32,7% na Índia. Só na China, entre 1990 e 2008, 510 milhões de pessoas conseguiram sair da situação de pobreza extrema. Quando milhões mudam de perspetivas de futuro No entanto, apesar de arrancados à pobreza extrema, milhões e milhões de pessoas vivem e trabalham em condições dramáticas na Ásia do crescimento acelerado. Se dúvidas pudessem existir, o recente ruir do prédio, onde se albergavam cinco fábricas de confeções no Bangladeche que trabalhavam para grandes marcas mundiais, e as mais de mil pessoas mortas naquele acidente de origem criminosa são a maior denúncia das condições dramáticas em que vive a nova população incorporada no mercado de trabalho mundial. Não admira, pois, que a resposta das trabalhadoras e dos trabalhadores do Bangladeche tenha sido o aumento da luta para alterar as condições de trabalho e por melhores salários. "Nunca, na História, as condições de vida e as perspetivas de futuro de tantos indivíduos mudaram de forma tão considerável e tão rapidamente", destaca o relatório do desenvolvimento humano 2013 e essas perspetivas de futuro põem em marcha um movimento imparável de luta por direitos sociais e de combate à exploração. Precarização, migrantes e setor informal A industrialização acelerada que se verifica na Ásia, desde há 30 anos e acentuada progressivamente nas últimas décadas, não passou no entanto apenas por uma incorporação de milhões de pessoas, que abandonaram os campos e vieram trabalhar para as fábricas em busca de melhores condições de vida. Essa mudança de fundo teve também inerente, nos últimos 30 anos, um ataque desenfreado a direitos sociais e do trabalho que muitos povos tinham conquistado na sequência das lutas contra o colonialismo e pelas independências nacionais. Tal como na Europa ou nos Estados Unidos, as transnacionais e organismos internacionais, como o FMI ou o Banco Mundial, exigiram salários baixos e situações brutais de exploração. E essas exigências encontraram resposta positiva em muitas alterações a legislações nacionais nesses países. Na Índia, foi o setor informal que se desenvolveu, ou seja o mercado laboral "escravo" e quase sem lei, e tanto as transnacionais como os organismos internacionais, assim como inúmeros estudos, pressionam não para a alteração da legislação do setor informal, mas para o combate à chamada "rigidez" no setor organizado da economia. Ou seja, para a retirada de direitos aos trabalhadores que o têm[3]. Na China, o crescimento acelerado passou por criação de zonas especiais, onde os direitos de trabalho são mínimos, situação agravada pela falta de direitos dos trabalhadores migrantes nas regiões mais desenvolvidas. E é conhecida a pressão das transnacionais contra qualquer alteração favorável aos trabalhadores na legislação do trabalho. Noutros países, como a Malásia, são os trabalhadores imigrantes a base do mercado do trabalho sem direitos. A caminho do fim das deslocalizações Num importante artigo publicado em esquerda.net "Fim de linha para as empresas deslocalizadas?", Immanuel Wallerstein assinala que o tempo das deslocalizações de empresas está a caminho do fim. Como aquele autor refere as deslocalizações sempre foram um importante mecanismo para o funcionamento da economia capitalista. Nos últimos 30 anos, essa deslocalização acelerou-se imenso, em particular para a Ásia, com a globalização e as novas possibilidades da produção com a revolução informática, nas comunicações e nos transportes. O sociólogo refere também que as deslocalizações das empresas em busca de salários mais baixos tinham por base que os custos de trabalho eram mais baixos, porque "a fábrica deslocalizada recruta a sua mão de obra em áreas rurais que antes estavam menos envolvidas na economia de mercado". E salienta que o "problema com esta aparente solução maravilhosa sempre foi a falta de durabilidade", pois após 25 anos "os trabalhadores na nova localização começaram a promover ação sindical e o custo do seu trabalho começou a subir". No entanto, para um dos casos mais recentes, o Camboja, os trabalhadores começaram a luta muito antes dos 25 anos e as transnacionais duvidam já do benefício que ganham em transferir a produção da China para aquele país. Wallerstein conclui que "isto não são boas notícias para as grandes multinacionais" e refere: "Este é apenas um elemento do que se tornou a crise estrutural do moderno sistema-mundo. Estamos a viver uma combinação de pressões cada vez maiores para a austeridade nos 99% de países que têm um sistema capitalista que já não é tão lucrativo. Esta combinação significa que o capitalismo, como sistema-mundo, está de saída". Lutas em crescendo Do que acima já dissemos e de que os artigos deste dossier estabelecem um pequeno retrato, as lutas dos trabalhadores estão a crescer na Ásia. O combate à exploração e o protesto contra as condições miseráveis de trabalho são hoje uma constante dos trabalhadores daquele continente. Mais importante ainda é que tanto na China, como na Índia ou na Indonésia se verifica uma crescente ampliação e unificação de lutas. As greves gerais na Índia e na Indonésia são disso um exemplo. Em todo este movimento verifica-se igualmente um papel decisivo dos sindicatos, órgãos fundamentais da luta dos trabalhadores pelos seus direitos económicos e contra a exploração. A luta pela liberdade de organização sindical é mesmo uma questão chave para os trabalhadores da Ásia atualmente, confrontando-se com proibições e vazios tremendos na legislação do trabalho. Na Índia, o movimento luta pela ratificação das convenções 87 e 98 da OIT, na China os trabalhadores confrontam-se com uma legislação onde a greve não é um direito, nem é proibida, o que permite a atuação arbitrária dos poderes nacional e locais. Onde os trabalhadores não têm liberdade de organização sindical, eles procuram e encontram outras formas de associação. Porém, é flagrante a necessidade de existência de sindicatos livres e de liberdade de associação sindical, assim como a luta por estas reivindicações é essencial para o movimento dos trabalhadores. Este nível de luta, económico e sindical, é um passo que historicamente se tem mostrado essencial na luta contra a exploração. Mas é também um movimento objetivo que tende a ser inevitável, por mais obstáculos que enfrente. As perspetivas de futuro dos trabalhadores da Ásia dependem, no entanto, de muito mais e das respostas ao nível político. Equacionar esta questão vai para além deste trabalho. Contudo, é muito provável que quase todos os países asiáticos estejam confrontados com um desafio essencial. Até agora quase todos aqueles países dependiam para o seu crescimento do desenvolvimento das exportações para os Estados Unidos e a Europa. Com a crise de 2007/8 esta situação alterou-se qualitativamente. No futuro, o desenvolvimento dos mercados internos dos países asiáticos será decisivo para que a economia desses países se desenvolva. E o desenvolvimento dos mercados internos coloca como absolutamente necessário o aumento dos salários. Os trabalhadores da Índia inscreveram nas 10 reivindicações da sua greve geral a exigência do fim do desinvestimento nas empresas pública estratégicas. A perspetiva de futuro para os trabalhadores asiáticos passa exatamente por reivindicações, como essa, e passa, na minha opinião, pela luta política por uma sociedade não assente na exploração, pela luta pelo socialismo. Carlos Santos O dossier completo pode ser lido aqui Referências [1] Disponível na net em http://hdr.undp.org/ [2] Segundo "The World Factbook", elaborado pela CIA: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2095rank.html [3] O artigo "Labour in India" na wikipedia em inglês (http://en.wikipedia.org/wiki/Labour_in_India#cite_note-44), dá conta destas pressões e aponta um conjunto de artigos, que exemplificam.
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
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