Índia: Quando cem milhões de pessoas fazem Greve Geral de dois dias Versão para impressão
Quarta, 10 Julho 2013

índia greveA 20 e 21 de fevereiro de 2013, mais de cem milhões de trabalhadores paralisaram durante dois dias na Índia na, provavelmente, mais participada greve geral de toda a história das lutas do trabalho.

O número exato de trabalhadores que pararam é difícil de calcular, mas foi para além do que esperavam o governo, as associações empresariais e até os próprios líderes sindicais.

A greve geral de dois dias foi convocada por todas as centrais sindicais indianas (11) e por federações sindicais de trabalhadores e empregados. Foi a primeira vez que todas as centrais sindicais se juntaram numa greve geral de dois dias, que constituiu a maior paralisação que a Índia viveu desde a independência.

10 reivindicações[1]

Esta greve geral foi convocada para protestar contra a política do governo chefiado pelo primeiro-ministro Manmohan Singh, do partido do Congresso e da Aliança Progressista Unida (uma coligação dominada pelo partido do Congresso).

A greve geral tinha dez reinvindicações, onde se destacavam a exigência de medidas concretas de combate ao aumento do custo de vida e de criação de emprego. Incluíam também a reivindicação do "fim do desinvestimento" nas empresas públicas estratégicas.

De salientar, que nestas 10 reivindicações se incluíam também a exigência de pensões de reforma e de segurança social para todos os trabalhadores do setor informal, esmagadoramente maioritário na Índia, assim como o combate à precarização, dominante no país.

As centrais sindicais exigem ainda salário mínimo para todas as pessoas que trabalham, com um valor mínimo de 10.000 rupias com indexação.

O movimento exige ainda o cumprimento das leis laborais, e o combate à sua violação, a legalização obrigatória dos sindicatos e a ratificação imediata das Convenções 87 e 98 da OIT, relativas à liberdade sindical e à negociação coletiva.

500 milhões de trabalhadores

O mercado laboral na Índia é o segundo maior do mundo, depois do da China, e é composto por cerca de 498,4 milhões de trabalhadores, segundo os dados mais recentes.

Deste elevado montante, mais de 94% dos trabalhadores laboram no setor informal[2], que engloba venda ambulante e o setor agrícola, mas também muitas e cada vez mais empresas, muitas vezes nem sequer registadas, onde a legislação laboral só muito limitadamente se aplica e os trabalhadores pouco direitos têm. É também neste setor que a organização dos trabalhadores é mais difícil e a sindicalização normalmente inexistente.

Segundo dados do governo da Índia[3], em 2008 dos quase 500 milhões de trabalhadores apenas 27,5 milhões de pessoas trabalhavam no chamado "setor organizado" da economia, que engloba empresas registadas e o setor público. O montante de trabalhadores do setor público era então de 17,3 milhões de pessoas.

Nos últimos 30 anos, também segundo dados do governo indiano[4], o emprego tem crescido sobretudo no setor "desorganizado" ou informal, onde a legislação laboral não se aplica e os trabalhadores, na verdade, quase não têm direitos.

Pela primeira vez, todas as centrais sindicais convocaram greve geral de 2 dias

Antes da independência da Índia, o movimento sindical estava unificado numa única central sindical. Depois da independência, em agosto de 1947, o movimento sindical sofreu uma grande transformação, em parte pela hegemonia do partido do Congresso. Posteriormente e progressivamente, começou a existir uma proliferação de sindicatos, federações e centrais sindicais, quase todas ligadas aos diferentes partidos. Esta situação quase impediu a ação unida do movimento do trabalho, durante muitos anos. Com o neoliberalismo, a situação começou a alterar-se no combate à queda dos salários reais e ao aumento da precarização.

A partir de 1991, enfrentando as políticas neoliberais do governo de Narasimha Rao, começa a assistir-se a mais greves e a um aumento de lutas setoriais. Entre 1991 e 28 de fevereiro de 2012, existiram 15 greves gerais na Índia[5].

Há analistas que consideram[6] que a convenção nacional dos sindicatos realizada em setembro de 2009 constituiu um "ponto de viragem" nas lutas do trabalho na Índia e no seu movimento sindical.

De salientar a greve geral de um dia em 7 de setembro de 2010, a marcha para o parlamento indiano em 23 de fevereiro de 2011 e sobretudo a greve geral de um dia em 28 de fevereiro de 2012, convocada pelas 11 centrais sindicais e por mais de 5.000 sindicatos.

A greve geral de fevereiro passado destaca-se por ter sido a primeira greve geral de dois dias convocada por todas as centrais sindicais, incluindo as próximas do partido do Congresso e do partido Janata de direita.

Esta grande ação de protesto e reivindicativa foi decidida na 4ª convenção nacional de trabalhadores da Índia, realizada a 4 de setembro de 2012 em Nova Delhi, e foi preparada por várias ações prévias, nomeadamente a Marcha para o parlamento indiano, que teve lugar em 20 de dezembro de 2012[7].

Mais de 10 crores[8] em greve

À última hora, na véspera da greve e temendo o impacto da paralisação de dois dias, o primeiro-ministro, Manmohan Singh, juntou um grupo de ministros para discutir com as centrais sindicais, mas sem apresentar qualquer proposta, pelo que a reunião não teve qualquer efeito.

A greve sofreu um forte ataque dos média dominantes, nomeadamente nas televisões. Além do tradicional argumento de que as "as greves não resolvem os problemas", os trabalhadores e sindicalistas foram acusados de violência, quando foi o patronato, o governo nacional e muitos governos estaduais, assim como a polícia que em diversos casos atacaram ferozmente os grevistas. Houve até o assassinato de um dirigente sindical, em Ambala no estado de Haryana, que foi atropelado por um autocarro do Estado.

A greve teve uma elevada participação nos setores do petróleo, das minas, nos portos, em muitos setores da indústria, na banca, nos seguros e na função pública. A participação dos trabalhadores do setor informal da economia, onde labutam mais de 94% do trabalhadores, foi notável.

Segundo o Centro de Sindicatos Indianos[9], a greve teve elevados níveis de adesão nos principais setores da economia da Índia.

O setor da banca esteve totalmente paralisado durante dois dias. Os trabalhadores bancários participaram ativamente na greve geral, incluindo os trabalhadores do banco central. A greve foi seguida nos bancos públicos e privados e afetou mesmo as operações realizadas pelas ATM. Em muitas cidades, os trabalhadores realizaram marchas e manifestações muito participadas.

O secretário-geral da federação dos empregados bancários de toda a Índia, CH Venkatachalem, disse: "Por causa da greve geral as transações bancárias não se realizaram. Os serviços bancários estiveram totalmente paralisados. Por todo o país, tanto nas capitais como noutros centros, um total de 1,4 crores (14 milhões) de cheques, num montante de cerca de 80.000 crores (800 mil milhões) de rupias não foram processados nas câmaras de compensação durante os dois dias"[10].

O setor dos seguros também esteve parado em todo o país, tendo aderido à greve mais de 2 lakhs[11] de trabalhadores do setor público de seguros. Também em muitas cidades estes trabalhadores realizaram ou participaram em manifestações e desfiles.

No setor público, pararam mais de 60 lakhs (6 milhões) de funcionários públicos estaduais e professores e 8 lakhs (800 mil) funcionários do governo central. A greve levou ao encerramento de todos os serviços públicos em muitos estados da Índia, assim como no setor dos impostos e nos serviços postais.

No setor da defesa, a greve foi seguida por 4 lakhs de trabalhadores civis das fábricas e laboratórios.

Nas minas a greve também teve igualmente grande participação. No setor das minas de carvão a greve foi seguida por 75% dos trabalhadores, com elevada participação dos trabalhadores precários. A greve foi um êxito também nas minas dos minérios de ferro.

Nos portos, a greve foi um grande êxito nos principais portos do país, atingindo os 100% em Paradip, Visakhapatnam, Cochim, Nova Mangalore, Mumbai e no porto Jawaharlal Nehru.

Na indústria do ferro e do aço, a greve foi de 100% nas siderurgias de Vizag e Bhadravati e parcial nas outras. A paralisação também foi elevada nos trabalhadores das empresas subcontratadas ligadas ao setor.

Na energia, a greve teve elevados níveis de adesão no setor da eletricidade, assim como na indústria do petróleo e do gás natural.

Nos transportes rodoviários, a greve foi forte, mas teve de enfrentar ameaças dos governos dos estados e das administrações e uma dura repressão, havendo até um caso de assassinato em Ambala, no estado de Haryana. No transporte ferroviário, a greve foi muito fraca, apesar disso dezenas de comboios pararam em vários pontos do país.

Na indústria farmacêutica, a greve teve elevados níveis de adesão, tendo paralisado 1,5 lakhs (150 mil) trabalhadores.

Em vários pontos do país os trabalhadores (nomeadamente os trabalhadores "anganwadi", do sistema de saúde comunitária) realizaram manifestações e bloqueios de estrada. Nalguns casos enfrentaram uma dura repressão: 500 mulheres trabalhadoras anganwadi foram presas pela polícia no estado de Bihar, no norte da Índia.

Na greve geral de dois dias de fevereiro de 2013 na Índia participou grande parte dos trabalhadores do chamado setor organizado da economia, incluindo o setor público, mas teve ainda significativos graus de adesão em setores precários, que constituíram mais de três quartos dos trabalhadores que paralisaram.

Cem milhões é um elevado número, mas para uma força de trabalho de mais de 498 milhões de trabalhadores, é ainda uma pequena minoria. Porém, como alguns analistas assinalam[12], põe em relevo "o despertar gradual de um gigante adormecido: a classe trabalhadora da Índia, mostrando o seu enorme poder".

Carlos Santos

A Comuna. 30 (abril-junho 2013) 21-24. 

Referências

[1]          Trade Union Strike 2013: 'Struggle for Unity, Unity for Struggle, and Struggle and Unity for Progress' http://www.labourfile.org/NewsDetails.aspx?id=155

[2]          Ver Labour in India, na wikipedia em inglês http://en.wikipedia.org/wiki/Labour_in_India

[3]          Economic Survey 2010-2011 http://indiabudget.nic.in/

[4]          Economic Survey 2012-2013 http://indiabudget.nic.in/es2012-13/echap-02.pdf

[5]          Ver "Greater than the Might of Armies: The General Strike of 20-21 February 2013"  http://www.radicalsocialist.in/articles/national-situation/525-greater-than-the-might-of-armies-the-general-strike-of-20-21-february-2013

[6]          Ler "When 100 million Indians went on strike" por Sindhu Menon http://www.equaltimes.org/opinion/when-100-million-indians-went-on-strike

[7]          Ver "Trade Union Strike 2013: 'Struggle for Unity, Unity for Struggle, and Struggle and Unity for Progress'", http://www.labourfile.org/NewsDetails.aspx?id=155

[8]          Crore unidade de medida usada na Ásia do Sul igual a 10 milhões.

[9]          Central sindical ligada ao Partido Comunista da Índia (Marxista) - http://www.citucentre.org/

[10]        http://www.labourfile.org/NewsDetails.aspx?id=155

[11]        Lakh unidade de medida usada na Ásia igual a cem mil.

[12]        Por exemplo, Soma Marik, Sushovan Dhar e Kunal Chattopadhyay (ver http://www.radicalsocialist.in/articles/national-situation/525-greater-than-the-might-of-armies-the-general-strike-of-20-21-february-2013) ou Sindhu Menon (ver http://www.equaltimes.org/opinion/when-100-million-indians-went-on-strike).

 

A Comuna 33 e 34

A Comuna 34 capa

A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil"EditorialISSUUPDF

 capa A Comuna 33 Feminismo em Acao

A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação"ISSUU | PDF | Revistas anteriores

 

Karl Marx

 

 
 

Pesquisa


Newsletter A Comuna