Desobedecer |
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Essa alteração da relação de forças determinou a cara da Europa perante os povos. Se há uma década, a União Europeia tinha a cara da modernidade, do Estado Social e da Democracia, a crise deixou a nu a natureza da construção europeia. A Europa só tem hoje uma cara: a da austeridade. Todas as suas instituições, Tratados e arranjos governamentais apontam num sentido único: romper com o regime social do pós Segunda Guerra, destruir o Estado Social e reduzir salários. O objetivo é substituir o regime social e económico que conhecemos até à crise por outro, o austeritarismo. Esta viragem austeritária não está desligada, mas é subsidiária da "revolução conservadora" que assalta a Europa e quer reduzir o Estado a cobrador de impostos, polícia de choque e assistencialismo caritativo. A direita conservadora é protagonista de uma viragem ideológica, hegemónica. No pós-crise, tornou-se evidente a vinculação dos interesses dos mercados financeiros a esta direita mais conservadora determina a fazer regredir cada um dos direitos conquistados. A viragem conservadora tem consequências visíveis. Desde logo, para a vida de todos e, sobretudo, de todas nós. Sentidas na tentativa de referendo à co-adoção em Portugal, na perseguição às mulheres no Estado Espanhol, nos crimes de Lampedusa. Mas também tem consequências políticas. Em todas estas matérias, os Partidos Socialistas europeus estão a ceder à hegemonia conservadora. Prova disso é a expulsão de imigrantes protagonizada pelo Governo de Hollande e a participação do SPD no Governo de Merkel. Cedem ao conservadorismo os que se juntaram para a austeridade. Entendem-se para o Pós-troika os que foram cúmplices na Troika. Este acordo é, na verdade, um pacto de regime em torno do Tratado Orçamental para a austeridade permanente, para o único federalismo realmente existente e proposto, o da austeridade. Devemos retirar daqui duas conclusões. A primeira é que nas próximas eleições europeias temos de fazer o confronto direto com a austeridade que destrói e empobrece o país. Para isso, temos de fazer um confronto direto com a União Europeia. Somos europeias porque defendemos os trabalhadores e os povos da Europa. Porque defendemos os povos, somos contra a austeridade. Porque somos contra a austeridade, estamos contra esta Europa. E porque somos europeístas, defenderemos os direitos dos trabalhadores mesmo contra a Europa. A mesma Europa que, para milhões de europeus, se tornou o carrasco de salários e de direitos. Só esta clareza nos permitirá enfrentar o populismo e a extrema-direita. A segunda é sobre a bandeira que agitaremos nestas eleições: o referendo ao Tratado Orçamental, a nossa arma política para a mobilização popular em nome da democracia e da defesa do país, a oportunidade que a Europa nunca deu aos povos para dizerem Não. No Parlamento, a votação sobre a possibilidade de referendo ao Tratado Orçamental foi muito clara: o PCP votou a favor e o PS opôs-se. Essa votação delimitou os campos ao determinar para o futuro todas as condicionalidades que a que nos amarra agora a troika. Condenou o Estado Social. Condenou os trabalhadores. O referendo ao tratado orçamental é a arma política que traz clareza sobre o centro, que o confronta a partir da esquerda, sem hesitações, sem ilusões, sem esperas nem demoras. E por isso, para o Bloco, este é também um debate sobre identidade e sobre rumo estratégico. É, também, critério para todas as convergências: só valem as que querem reforçar a esquerda para confrontar o centro. As que nos querem puxar para o centro, desistem da maioria social para a transformação. A cara da Europa é a austeridade. Porque somos europeístas, a solidariedade dos povos faz-se na desobediência comum à Europa. Joana Mortágua
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
Karl Marx