Troika é nome de Pirataria Versão para impressão
Terça, 01 Abril 2014

FMI fora daquiHá que mobilizar uma maioria social para a reivindicação da devolução dos direitos roubados e para o confronto direto com a Europa

 

Artigo de Joana Mortágua

 

1.      Portugal é um país colonizado, em primeiro lugar, pela elite portuguesa e pela banca falida na crise de 2007/2008, cujos interesse PS, PSD e CDS/PP representaram ao assinar o memorando da Troika, decidindo que a dívida é para pagar "custe o que custar". Grande parte do sistema político e da "intelectualidade" política em Portugal foi capturada por este compromisso com os credores financeiros, destapando despudoradamente as divisões de classe na sociedade, e deixando claro quem está de que lado. Tudo o que interessa à democracia: a relação entre capital e trabalho, o que determina pobreza e riqueza, a propriedade pública ou privada, as leis laborais, o sistema fiscal... quase todos os poderes que constituem a soberania popular foram entregues à Troika, ou seja, aos capatazes dos mercados financeiros. Este contrato, que vale mais do que a Constituição, determina quanto, quando e como se paga a dívida. Para a "democracia" sobra um debate estéril dentro da inevitabilidade da austeridade e para o Parlamento um papel decorativo.

2.      A inevitabilidade corrói a Democracia. A chantagem permanente do "ou FMI ou não haverá salários" retira legitimidade à democracia, porque entrega todo o poder à finança. Passam a ser os mercados a fonte da legitimidade do poder político, em vez das decisões coletivas do povo. Parece que todos os contratos podem ser rompidos, mas nunca o que torna um povo escravo de uma dívida. Recorrentemente, o argumento para qualquer decisão é "o que os mercados vão pensar", personificando os interesses do capital numa entidade superior com mão pesada sobre os povos. O descrédito da democracia e os altos níveis de abstenção são uma consequência desta aparente "inutilidade" do voto e da ideia de que "os partidos são todos iguais". Não é surpreendente quando a maioria do sistema democrático está empenhado em empobrecer o seu povo com uma rapidez e violência inéditas. É neste caldo que, historicamente, surgem os "salvadores" e crescem os grupos de extrema direita. O capitalismo dá mau nome à democracia, troika é nome de pirataria.

3.      É vingança contra o 25 de Abril. A dívida foi a estratégia do capital para a transferir as perdas da crise da banca e dos mercados financeiros para os salários. Ela é o instrumento da chantagem e a ferramenta do projeto ideológico: mudar de regime. A austeridade, com a exaltação das virtudes morais de um povo "pobre mas honrado" é o resumo de uma viragem conservadora que se vai sentido na Europa. A destruição do Estado Social, a redução da solidariedade social ao assistencialismo, a flexibilização das leis laborais, a redução dos salários e pensões, o recuo de todos direitos individuais e coletivos levará, em última instância, ao choque direto com a Constituição de abril e à tentativa de a traficar. No tempo de uma vida, a geração que fez abril assiste agora à destruição de todos os direitos conquistados.

4.      O pós-troika não é a libertação. A saída da Troika em maio deste ano tem sido apresentada pelo Governo como um novo 1640 (data da Restauração da Independência contra o domínio espanhol). Na verdade, Portugal manter-se-à como um protetorado da Europa de Merkel. O Tratado Orçamental, assinado por PS, PSD e CDS/PP em abril de 2012, garante aos mercados financeiros uma transição suave. A lei do défice 0 é o novo pacto de regime para a austeridade eterna. Nenhum regresso aos mercados, seja feito de forma "limpa" ou "controlada", significará uma reposição dos direitos roubados.

5.      Uma maioria para a alternativa terá de começar por devolver espólio do saque. Este é um desafio contra-hegemónico de enormes dimensões, que terá de envolver muitos protagonistas sociais, movimentos, sindicatos, partidos, para a politização do confronto social. Significa mobilizar uma maioria social para a reivindicação da devolução dos direitos roubados e para o confronto direto com a Europa; significa rasgar os compromissos que nos amarram à austeridade para poder garantir os contratos sociais que defendem o trabalho e os serviços públicos. Travar a viragem conservadora é uma tarefa de transformação social. A sua correspondência política exige que não haja ilusões sobre o centro, exige uma esquerda forte com um programa duro sobre o capital e capaz de elevar a democracia às exigências populares.

Joana Mortágua

publicado em Sermos Galiza,

Quinta feira, 27 de março de 2014. Nº 60.

(A Fondo. Caderno de análise "Três anos de Troika em Portugal") p. 4.