À memória vem um dia primaveril |
Segunda, 05 Maio 2014 | |||
Quando passam 40 anos do 25 de Abril de 1974, à memória vem um dia primaveril de quem, como operário numa fábrica de produzir máquinas/tornos mecânicos (SMOL-Sociedade Metalúrgica Ovarense, Ltd) em Ovar, só tomou verdadeiro conhecimento da designada revolução dos cravos durante a madrugada em Lisboa, pelas notícias na rádio quando foi almoçar a casa às 12h30.
testemunho de José Carlos Lopes
Já que de manhã, como era costume, saía cedo para a rotina do dia-a-dia de trabalho. No entanto, naquele dia 25 tinha havido no habitual momento de diálogo entre diferentes gerações de operários que antecedia o início do trabalho às 8 horas, expectativas em algo que estaria acontecer na capital, segundo alguns operários mais despertos para as notícias na rádio que despoletaram curiosidade e se terão apercebido de algo anormal na também rotina da rádio matinal. Mesmo assim a produção em todas as secções teve o seu início rotineiramente como nada estivesse acontecer de importante no país. Pelo menos na minha memória não ficou gravado que se tenha tirado alguma conclusão dos acontecimentos que decorriam entre outras músicas proibidas, ao som da "Grândola Vila Morena" do Zeca Afonso. Uma eventual reserva de opinião, nomeadamente dos mais velhos, num país que não era livre, e em que havia a PIDE. A adesão popular ao Movimento das Forças Armadas consolidava e aprofundava o processo revolucionário em Lisboa e nas principais cidades do país. No entanto, para estes operários e tantos outros numa vila da província, até aí nada despertos para discutir política, já que o futebol e alguns laivos exibicionistas de machismo dominavam as conversas, para além da guerra colonial que afinal era política, por onde se iam revezando em duras comissões, vários colegas de trabalho que traziam histórias pessoais e coletivas da guerra em Angola, Moçambique ou da Guiné. Nada parecia acontecer de extraordinário no país, tal era a normalidade vivida nos primeiros dias pós 25 de Abril na Smol. A revolução demorava a chegar a terras como Ovar no que toca à adesão de quem vivia distante da existência de movimentos de resistência clandestina antifascista, que naturalmente também tinham ramificações organizadas por cá, como já se tinha verificado na mobilização para o Congresso da Oposição em Aveiro. Com o extraordinário acontecimento que representou o 25 de Abril, mesmo não tendo tido o privilégio de o viver e absorver toda a cor e alegria, que pôs fim a uma longa noite de 48 anos de regime fascista. Ainda que só passados alguns dias, acabei por ter consciência de também estar a ser resgatado, tal como o povo amordaçado, que assumiu em mãos o caminho da luta pela sua própria dignidade, a conquista e consolidação da democracia, das liberdades, do desenvolvimento cultural, económico e social, e de direitos fundamentais, como os resultantes da construção de um Estado Social que partia, e sempre ficou com relativo atraso comparativamente a vários outros países da Europa. O 25 de Abril de 1974 trás assim também à memória o cenário infernal da fundição, onde eram produzidas variadíssimas peças em ferro fundido, que saíam de uma espécie de atelier de arte artesanal. Obras que resultavam da consolidação do ferro líquido em fogo, que fazia correr suor nos rostos enegrecidos que partilhavam o pequeno espaço de uma secção em terra batida, de onde saiam semanalmente peças moldadas em caixas com areia por artistas mal reconhecidos profissionalmente. Uma linha de produção, que prosseguia na área da serralharia e maquinaria, onde operários especializados ao comando de tornos mecânicos, fresadoras, limadores, mandriladores entre outras máquinas mecânicas num tempo em que a robótica começava a ganhar lugar, transformando assim o ferro, o aço, o alumínio ou o bronze, segundo desenhos técnicos, que, das peças mais insignificantes às mais complexas, se encaixavam na perfeição e davam corpo a máquinas que durante muitos anos tiveram um lugar muito próprio no mercado dos tornos mecânicos, marca "Smol". Nesta fábrica que não resistiu à competitividade da evolução dos mercados e das novas tecnologias, ficaram enterradas muitas recordações e testemunhos de um tempo em que no país foram escancaradas portas e janelas de par em par, fazendo raiar liberdade e convite à participação popular a vários níveis de intervenção cívica das pessoas até aí acabrunhadas num dia a dia amorfo e viciado sem grandes perspetivas. 13/04/2014
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