Ideologia e consciência política em Gramsci - um apontamento Versão para impressão
Sábado, 08 Novembro 2008
Estou certo que importa voltar - para muitos não será voltar mas um início em - a Gramsci, aquele que considero, para além de Lenine, o maior e mais singular dos filósofos marxistas. A propósito, dizia-me há anos um importante sociólogo português, de que não cito o nome pois a conversa foi privada, que é pena (quer dizer, interpreto eu, é grave) ninguém por cá ter reconhecido o magistério gramsciano, e dele ter retirado ensinamentos.
Texto de Maximiano Gonçalves

Ninguém? Diria nenhum dos protagonistas do durante e após 25 de Abril. Falávamos da Esquerda Portuguesa, mas poderiamos dizer não só dela.

Gramsci não foi apenas, e não seria pouco, um heróico dirigente político italiano em um tenebroso período para as forças progressivas em largas regiões europeias. Ele apresenta-nos uma concepção do Mundo, qualidade imprescindível para se poder considerar alguém filósofo*. Ora, uma concepção do Mundo tem implícita uma compreensão concertada do Homem individual e em sociedade, da sua evolução, portanto da História, da Natureza e de tudo o que as suas capacidades conseguem alcançar.

Porque Gramsci entende o Marxismo como filosofia da praxis, discorreu sobre a necessidade de reflectir sobre o que é, para agir. Temos, assim, um perspectiva política que impõe expurgar de incoerências o pensamento que conduz à acção., sob pena de esta se precipitar em contradições.

Acresce que os homens se movem envolvidos por um sistema de poder, manifestado no Direito, na Economia, na Arte, nomeadamente, e que segrega uma teia de valores interligados que se transforma numa ideologia, a ideologia dominante. Perante esta, poderosa transformadora do "eu" em um "nós" homogeneizador, capaz de se matizar para enfrentar situações novas, pode opor-se a consciência de classe.

A ideologia reflecte uma dada realidade social e é, como as instituições que alimenta, constitutiva das superestruturas existentes.

Gramsci distingue as "ideologias historicamente orgânicas(...) que organizam as massas humanas, formam o terreno em que os homens se movem, adquirem da sua posição, lutam, etc" das que "arbitrárias, não criam outra coisa senão movimentos individuais, polémicas, etc(não são completamente inúteis...)". Não é preciso muito esforço para perceber que esta categorização gramsciana descobre o perigo de não sab er o que são umas e outras, sem deixar de lembrar que não devemos estar desatentos ao que, apressadamente, consideramos inútil e vai acontecendo.

Qual é o grau de consciência política em que se encontra a generalidade da população, das classes trabalhadoras, dos colarinhos brancos, em Portugal, por exemplo? Qual é a ideologia dominante em um país segmentado como o nosso, e em todos os outros? 

A ideologia foi e é a da alta e da ascendente burguesia, aquela que afirma ou insinua que elementos das outras classes, "os mais aptos"(em ceros momentos, os seus porta-vozes concedem que talvez venham a ser quase todos), podem e devem desejar ter mais, no pressuposto paternalista

"Trabalha como eu!", que é retribuído pela aquietadora e compreensiva observação, tantas vezes ouvida: "Para ter o que tem, não é, de certeza, nenhum parvo!" 

E se muitos(cada vez mais os muitos são menos) se tornarem intoleravelmente reivindicativos? No limite são controlados pela repressão, no dia a dia pelo poder do empregador/pagador, o próprio capitalista ou o seu competente representante(que tem mais quem queira trabalhar por aquele salário), pela Lei, existente ou futura.

Entretanto, a ideologia dominante transmite às classes assalariadas que o sistema não é tão mau assim. Em circunstâncias normais, ele está preparado para facilitar o uso, talvez a posse, dependendo do tipo de bem, de variadíssimas coisas:empresta dinheirto a quem não tem o necessário para as comprar, não tantas e tão boas como as que detêm os detentores do capital industrial e financeiro e os seus altos executivos, ainda assim, boas e cada vez melhores. Quantos podem ter um carro? A pergunta foi  feita há cem anos atrás. Nos vigorosos E.U.A. dos anos 10 do século passado concluiu que não muitos, mas podia mudar a situação com o fabrico em massa - surge o modelo T.E mudou.

Porque é que Gramsci defende a educação da classe operária no sentido de produzir os seus próprios intelectuais? Para que a sua consciência de classe possa enfrentar a hegemonia ideológica que o Capitalismo gera junto das classes médias, porque os valores burgueses são valores de todos e mais atractivos do que o esforço da revolta violenta.

A classe operária pode acolher e honrar-se dos seus "filhos adoptivos" de outras origens, mas deve elevar os seus próprios filhos à categoria de dirigentes esclarecidos e preparados para todos os tipos de luta, incluindo a parlamentar. Em face do facto do comportamento social e político das classes trabalhadoras, na generalidade das sociedades, estar baseado na compreensão e assimilação(e defesa) dos valores burgueses que nela penetraram, é imprescindível uma cultura "sui generis", capaz de exercer atracção sobre  outras forças e a elas se aliar para o estabelecimento de compromissos fundadores de um bloco histórico actuante.

Gramsci, que lutara contra o centrismo do Partido Socialista Italiano através do grupo impulsionador do semanário L´Ordine Nuovo, vem, mais tarde,  tentar unir todas as forças de Esquerda contra o Fascismo, ao tempo representante agressivo de quase toda a Direita italiana.

Em ascensão e já muito forte, desnecessitado dos mil disfarces que, por tantos lados, ontem e hoje, utiliza, o Fascismo prende Gramsci, abandonando-o à doença até a morte o levar, em 1937.

A voz expressa de uma legião de grandes figuras europeias, como Romain Rolland, n ão impediu o seu lento assassínio pela besta, que, embora dominadora, confessa em tribunal o  medo que a possuia, afirmando, sem pudor, que não podia permitir que o cérebro do seu inimigo funcionasse nos anos que se aproximavam. Ela temia,  naquela frágil figura física, a força colossal de um espírito onde se conjugava a firmeza servida por uma notável cultura, no plano do ideário político, a coragem extraordinária(quando, em 1920, os trabalhadores de Turim são derrotados, ele fica só, a defender os Conselhos Operários), a lucidez organizativa, a inteligência - rara - de não se deixar arrastar pelo radicalismo, como o demonstra a oposição ao extremismo anti-parlamentarista de Amadeo Bordiga.

Gramsci não deixa nunca de se opor às atitudes redutoras e absolutizantes daqueles que recusam o diálogo, por o temerem, surdos às observações do "outro", impacientes perante aqueles que, antes de convergir, interrogam.

Para Gramsci - é, lamentavelmente, preciso dizê-lo - , como para todos os grandes autores e dirigentes políticos marxistas, a construção da Sociedade Comunista tem de captar o melhor que o Homem produziu em anteriores sistemas de organização social, como explicou, como teve de explicar, Lenine.Incluindo, claro, a Revolução Burguesa. 

Aprendamos com António Gramsci, cidadão sacrificado pelo seu carácter indómito, genial educador político para os tempos novos que estão por cumprir, que entendeu a filosofia do Marxismo como "o Humanismo absoluto da História". Alguém disse melhor?

Maximiano Gonçalves

* Tenha-se em consideração este aspecto para, como é devido, retirar da reduzida galeria de filósofos muitos que assim se auto-denominam(!), ou como tal são chamados pelo seu público.

 

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