Antes do apoio oficial a Manuel Alegre, manifestavam-se no PS três posições: a dos apoiantes de Alegre; a dos críticos da candidatura de Manuel Alegre, nomeadamente José Lello, Miranda Calha e Sérgio Sousa Pinto; e a daqueles que queriam que o PS não apoiasse candidato nenhum.
Artigo de Bruno Góis
Havia e continua a haver uma quarta posição, uma quarta posição que inclui partes daquelas três e que é hegemónica no PS/aparelho. Sendo claro, o candidato de Sócrates e do governo é Cavaco Silva. Cavaco Silva, quando primeiro-ministro, apoiou a recandidatura de Mário Soares à presidência – revia-se nele. Já Sócrates prefere não manifestar publicamente o seu apoio a Cavaco. O gesto aparenta diferenças, mas o conteúdo dos apoios mútuos só muda no prazo de validade.
O apoio oficial do PS a Manuel Alegre é, neste momento, um dado da questão. O PS passou a apoiar oficialmente o candidato que já era apoiado pelo Bloco de Esquerda. Perante isto, até o candidato Fernando Nobre fez questão de vir a público dizer que será difícil para Alegre gerir apoios tão contraditórios como os do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista. Não deixa de ser estranho que uma pessoa que defendia, há muito pouco tempo, um governo dos partidos todos: agora venha achar contraditório o apoio de apenas dois deles ao candidato Manuel Alegre. Está certamente mal rodeado, o grande humanista Fernando Nobre. Creio e espero sinceramente que a história esqueça este apontamento menos feliz da sua grande biografia: há uma vida de dedicação às causas humanitárias que, essa sim, merece ser para sempre lembrada.
Voltemos aos apoio à candidatura de Alegre. Manuel Alegre não é militante do Bloco, é do PS. Mas por muito que Sócrates afirme o seu apoio a Alegre: Alegre não é o candidato do Governo, nem de Sócrates, nem da direcção do PS. A candidatura de Manuel Alegre é uma candidatura independente dos partidos, mas uma candidatura comprometida com os valores da esquerda. Por isso, colhe os apoios daquelas e daqueles que à esquerda lutaram e lutam por uma política socialista e contra a política liberal. Entre essas pessoas, estão não somente pessoas que votam Bloco de Esquerda, mas também pessoas que votam PS, ainda que o PS seja, contra vontade da maioria do seu eleitorado, o verdadeiro aplicador das políticas liberais desde há muitos anos.
Alegre é um candidato que se apresenta para ganhar e conta com os apoios granjeados não só na sua candidatura de há cinco anos, mas também nos diálogos à esquerda – como o do Teatro da Trindade e o da Aula Magna – e nas posições que tomou contra as políticas liberais do Governo do PS.
A esquerda precisa de uma dinâmica de vitória. A grande mobilização do passado 29 de maio foi uma prova de força e possivelmente contribuiu para apressar esta piscadela à esquerda por parte da direcção do PS. Cada vez se notam mais as brechas entre a direcção/governo do "Partido Socialista/não-praticante" e os eleitores socialistas do PS. A liderança do PS tenta esconder a realidade dessas brechas, apoiando Alegre. E, perante isto, o papel da esquerda não é capitular e ceder o candidato protagonista da luta anti-liberal ao PS. O papel da esquerda é fazer de Alegre o Presidente que este PS se viu obrigado a apoiar.
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