Nacionalismo e a esquerda na Europa Romani |
Terça, 28 Setembro 2010 | |||
A proposta de repatriamento de um conjunto de cidadãos europeus sob o argumento técnico do desmantelamento dos acampamentos ilícitos não esconde um velho hábito europeu de ostracizar esta comunidade nómada que parece ter ficado à margem da discussão de mais um processo de definição do que será o projecto político, cultural, económico, histórico e ideológico deste continente que há séculos também lhes pertence. Perante a crise do mercado e na incapacidade de reconhecer as fragilidades do modelo que muitos governos avalizaram para a formação do projecto de criação da União Europeia, perante a contestação social que tanto se verifica como se prevê que não abrande perante a incapacidade da UE responder ao desemprego crescente. Perante este cenário marcado pela incerteza e pela falta de reconhecimento do erro , os líderes europeus não conseguem articular outra estratégia que não seja o recurso ao populismo nacionalista que ganha terreno por toda a Europa.1 Desta forma, apela-se aos sentimentos menos nobres, mais emotivos perante a massa eleitoral, e apresenta-se escandalosamente uma distracção perante um debate aceso e profundo sobre o modelo económico, debate esse que governos procuram evitar e controlar sempre que se acende. Atinge-se, neste ponto, o aspecto real da discussão, a cidadania, o papel do cidadão estrangeiro na economia e a dimensão da ideia de estrangeiro. A definição do"outro" para solidificar o "nós". A questão da identidade não é resolvida com a mesma velocidade que a questão da liberalização dos mercados no espaço europeu. 2 Aliás, nenhuma outra questão neste projecto acompanha o ritmo da liberalização do mercado europeu, o resto do trabalho é defendido como algo que deverá ser uma consequência da uniformização económica (não um processo paralelo mas sim um mero artefacto a ser criado por uma mão invisível). Deste modo, a surpresa deste aspecto (desta nova questão de identidade por resolver) lança um grande desafio a uma Europa que se quer unida. Mas em que sentido se quer unir e com que material de solda quererá solidificar os seus pilares? Unida ,como se tem verificado, pelo cultivo de uma islamofobia de garantias eleitorais comprovadas em recentes resultados eleitorais no Norte europeu (como se poderá confirmar em Outubro próximo na concentração de partidos nacionalistas na Holanda).Unida por outro tipo de definição do"outro", de exclusão do "outro" para determinar o espaço do "nós", do espaço que nos pertence agora que a nossa capacidade económica encolheu (há quanto tempo teria encolhido se fosse exclusivamente suportada por uma população activa "autóctone" decrescente?). É tentador para a direita e neste momento para o centro direita e quiçá o centro de governo. Muito apetecível para quem quer manter ou conquistar o poder pois revela-se frutífero na Holanda do Partido da Liberdade, na Dinamarca do Partido do Povo dinamarquês, na Bélgica do Partido Flamengo, na Finlândia partido dos Verdadeiros Finlandeses, na Suécia do partido os Democratas da Suécia, e também na França da Frente Nacional. Mais que tentador é uma garantia de resultados eleitorais favoráveis a Sarkozy se os escândalos do financiamento de campanhas (e outros que afectam a sua imagem) e a incapacidade de combater o desemprego, forem deslocados do centro das atenções mediáticas e substituidos pela velha fórmula demagógica de identificar o alvo para a próxima solução final dos nossos problemas. Neste ponto, após os ataques aos sem-papeis, após a exclusão das recentes revoltas urbanas da tradição histórica e revolucionária da França, e perante a islamofobia crescente, em cenário de crise económica grave - e contestações de trabalhadores-, verificamos que foi necessário escolher um novo alvo fácil. Um novo alvo que curiosamente forma consenso com a Itália de Berlusconi, e que isola a França no campo institucional de elevado nível político europeu. Mas, quem de facto, nesse plano elevado, poderá demonstrar (nos limites menores das suas fronteiras) que tem uma política, uma cultura e uma tradição de integração de comunidades que não se assemelhe a esta ideia de expulsão, perseguição, isolamento e rejeição étnica perante este povo europeu? De facto verificamos de novo que a fronteira estreita do cantão, da região e da nação é o único campo onde se propõe as forças eleitoralistas puras (e consequentemente vagas), a assumir compromissos políticos, quando os problemas sempre tiveram origens, efeitos e repercursões para além das fronteiras desenhadas por forças dominantes ( supra-nacionais) da política. É confirmado que é eleitoralmente funcional ( e não tecnicamente, politicamente e ideologicamente maduro) a exploração do ideário nacionalizante, da resistência ao eterno intercâmbio cultural que sempre alimentou o desenvolvimento de culturas. É bastante funcional quando aplicado em políticas simples, demasiado simples e que servem a irresponsável cedência ao medo da mudança e da diferença, no momento que se exige o manuseamento maduro da política vertiginosa e urgente de resposta a uma crise que em nenhum aspecto foi resultado da livre , legítima e legal circulação de cidadãos europeus no espaço Schengen. Quanto à desregulada , desenfreada e acelerada circulação de capital não creio ser possível desvincula-la da origem das adversidades que temos conhecido na economia do quotidiano da maior parte dos cidadãos que coabitam na União. Assim o nacionalismo assombra a construção do projecto identitário europeu. O chamariz facilitador , o simplificador de soluções, ressurge e apresenta-se no campo do projecto de manutenção do status quo (do capitalismo desfuncional) como elemento de grande potencial catalizador e mobilizador de esforços e massas. Não creio que reste outra solução á esquerda europeia, que não seja a assunção de um projecto de esquerda democrática organizada no espaço físico da Europa e nas suas instituições políticas, mas aberto e consciente da necessidade de concertar esforços contra a exploração e a precariedade a nível global.
A articulação não deverá esquecer as duras lições das perigosas combinações de projectos socialistas com projectos nacionalistas, na Turquia de Kemal, nos projectos de independência do decénio africano, na geopolítica da ex-URSS, de Cuba, da Alemanha de Weimar à Alemanha de Ribbentrop- Molotov, e da opressão consentida , fomentada ou ignorada por uma esquerda centralizada sobre a alternativa à esquerda que foi sucessivamente recusando a combinação de nacionalismo e socialismo para defender o internacionalismo da causa. A exploração do Homem pelo Homem tem as mesmas fronteiras que a circulação de capitais, ou seja: as fronteiras planetárias do Globo.3
(1) Poderia haver outra resposta, em defesa do Estado Social o que implicaria romper com a vassalagem liberal imposta por raides de rating de origem norte americana, e não a mera adaptação a este clima de concorrência desleal, adaptação esta que passa pelo conformismo na recusa em recalcular ou reformular a sustentabilidade do Estado Social.
(2) Ensaia-se um bushismo anti-islâmico que até facilita a Obama a reivindicação do centro civilizacional ao apostar na defesa da mesquita de ground zero. Ao mesmo Obama que fala em "nós" que temos que partir para o ataque ao Afeganistão e provavelmente ao Irão, mas nunca a Israel.
(3) Samir Amin em entrevista 2003 responde desta forma a um hipotético
novo internacionalismo : " Um novo internacionalismo dos povos
associando europeus, asiáticos, africanos e latino-americanos é
possível?
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
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Karl Marx