O Assédio Sexual na nossa República Versão para impressão
Terça, 08 Novembro 2011

assdio_sexual

A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) revela que uma em cada três mulheres foi vítima uma ou mais vezes de assédio sexual no local de trabalho. Vários outros estudos realizados nos países da UE mostram que milhares de mulheres passaram ou passam por situações de assédio sexual na sua vida profissional.

O assédio sexual no local de trabalho traduz-se por qualquer comportamento constituido por palavras, gestos ou acções ofensivas de natureza sexual. O assédio sexual é resultado de uma atitude condenável que vitimiza as mulheres empurrando-as para uma imagem de objecto sexual negando-lhe o respeito pela sua humanidade, constituindo uma barreira à igualdade de direitos e oportunidades no trabalho e no emprego prejudicando a carreira das mulheres e a sua dignidade. Este tipo de agressão, utiliza como armas situações de dependência profissional, de desemprego, de trabalho precário para pressionar mulheres que se encontrem numa situação de alguma vulnerabilidade e fragilidade económica.

O assédio sexual atenta a dignidade da mulher inferiorizando-a e humilhando-a, negando-lhe o papel de trabalhadora sendo uma clara discriminação no direito ao trabalho. É sem dúvida, uma forma de subjugação das mulheres no emprego efectuada por vezes por homens que, por ocuparem cargos de superioridade, gostam de lembrar às mulheres que na sua perspectiva as mulheres têm uma condição de inferioridade e subjugação.

Mas não são apenas os patrões os agentes desta discriminação e violência, ela também é praticada pelos colegas de trabalho e fora do âmbito laboral, nas ruas e noutros contextos sociais. Somos um país no qual o “piropo” é um sinal de masculinidade, virilidade e força, não é mal visto nem condenado e a mulher é culpabilizada sempre que se pronuncia contra este comportamento como se a culpa de suscitar desejo ou esta agressão fosse sua.

O assédio provoca ansiedade nas mulheres, tensão, irritabilidade e uma enorme sensação de impotência. O assédio sexual procura submeter as mulheres e muitas vezes estas são deixadas numa vulnerabilidade tal que não lhes permite defesas eficazes.

Existem respostas que podem ser dadas a esta agressão, apresentar queixa à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego é uma das medidas possíveis em caso de assédio no local de trabalho ou ainda recorrer à Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres. Porém a vulnerabilidade fica longe de ser afastada porque o assédio anda nas ruas e é visto como algo natural numa sociedade ainda amplamente masculinizada, patriarcal e discriminadora.

A UMAR realizou no decorrer deste ano, por um período de seis meses, um estudo sobre “Rota dos Feminismos contra o Assédio Sexual no Espaço Público, na Rua e no Trabalho” com um universo de 998 questionários sobre o assédio sexual em Portugal e verificou que 27% das mulheres inquiridas foram vítimas de assédio sexual, algumas delas de forma continuada. Segundo Maria José Magalhães, as situações passam por assédio sexual no trabalho levando a que a mulher acabe por se despedir mas muitas passam pelo assédio nas ruas, nos transportes públicos, em perseguições repetidas. Mesmo com queixas à justiça, a realidade demonstra que os casos não têm qualquer seguimento judicial e nos casos de assédio sexual no trabalho acabam por ser as vítimas as prejudicadas aquando do reportar do caso (1). Este estudo revela ainda que homens com uma orientação sexual distinta da heterossexual são, também eles, vítimas de assédio sexual.

Maria José Magalhães (1) salienta que a lei portuguesa não protege as vítimas de assédio sexual e que se compararmos os dados actuais com os dados resultantes do estudo sobre assédio sexual realizado em 1995 iremos verificar que os casos de assédio têm-se tornado cada vez mais graves. Posto isto, urge a necessidade de uma protecção eficaz contra este tipo de agressão que não será possível sem um trabalho social de sensibilização para o caso e com a criminalização do assédio bem como com a criação de políticas sociais de apoio às vítimas (2).

O assédio é um ataque sexual e não deve ser banalizado pela sua frequência, não deve ser considerado um acto natural nem desculpabilizado pela cultura. A banalização do assédio leva a que grande parte da população nem sequer saiba muito bem do que se trata. Este estudo revela que apenas 36,31 % dos inquiridos sabia identificar correctamente sobre o significado de assédio sexual sendo que 12% facultaram uma resposta totalmente errada desvalorizando o assédio e confundindo-o com sedução ou manifestações afectivas (2).

E do assédio sexual à violação por vezes é um passo muito curto. Há mais de 20 anos atrás, no Sul do país, duas turistas jugoslavas pediam boleia pela estrada nacional nº 125,quando foram violadas. Foi apresentada queixa à polícia judiciária mas quando o caso foi a tribunal o juiz decretou que a culpa era das mulheres porque o sul do país era uma “coutada do chamado macho latino" e como tal, andarem para ali a pedir boleia mostrava disponibilidade da parte delas para uma relação de cariz sexual. Maria Filomena Mónica cita mesmo na sua crónica (3) parte da sentença “É impossível que não tenham previsto o risco que corriam; pois aqui, tal como no seu país natal, a atracção pelo sexo oposto é um dado indesmentível e, por vezes, não é fácil dominá-la. Assim, ao meterem-se as duas num automóvel, justamente com dois rapazes, fizeram-no, a nosso ver, conscientes do perigo que corriam, até mesmo por estarem numa zona de turismo de fama internacional, onde abundam as turistas estrangeiras habitualmente com comportamento sexual muito mais liberal e descontraído do que a maioria das nativas". Claro está que houve pedido de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça mas este decretou que o Juiz algarvio tinha toda a razão, a culpa era das mulheres.

Como muito bem salienta Maria Filomena Mónica na sua crónica satírica (3) para a maioria dos homens deste país jaz a concepção de que as mulheres têm dois destinos ou funções digamos assim: “o de mães ou o de putas”.

As mulheres reivindicam a sua humanidade e os seus direitos. Não são meros objectos sexuais e não aceitam a submissão sexual.

Como resposta a uma posição concordante das sociedades e da justiça face ao assédio sexual e até à violação surgiu o movimento SlutWalk, primeiro no Canada e rapidamente por todo o mundo, no qual as mulheres protestam contra a desculpabilização dos violadores ou agressores com base na aparência que as mulheres têm uma vez que a mentalidade geral é que se as mulheres se vestem de determinada forma são responsáveis pela violação de que são alvo. Esta marcha tem por característica a forma provocante como as manifestantes se vestem e caminham reivindicando o seu direito à sua sexualidade sem por esse motivo terem de ter vergonha, culpa, ser vitimadas ou agredidas. Porém não deixa de ser uma forma de protesto controversa mesmo entre as feministas. A verdade é que o movimento procura educar a sociedade para o respeito pelas mulheres independentemente da forma como se apresentam ou vestem revelando simultaneamente um apoio ás mulheres que se prostituem que por prestarem serviços sexuais devem também ser respeitadas e protegidas contra os agressores. A educação para o que significa a palavra “não”, o espaço e a liberdade de cada mulher, o respeito pelas mulheres na sua integridade sem rótulos agressivos e abusadores parece ser o motivo que mobiliza esta marcha controversa mas necessária.

Terminar com o assédio sexual no trabalho é prioritário para um direito ao emprego e à humanidade da mulher mas é necessário mais, é necessário reinvindicar o direito à rua, às saídas de entretenimento nocturno sem assédio, sem agressão e sem subjugação.

Todas as mulheres já passaram por uma experiência de assédio sexual na rua o que é algo bastante grave. Não falamos de sedução e de uma iniciação da criação de laços afectivos, referimo-nos expressamente a situações de assédio sexual. O feminismo ergue a voz contra esta forma de subjugação e reinvindica as ruas, o emprego e a humanidade das mulheres mas não somente das mulheres, de todos os trangéneros, transsexuais, homossexuais e lésbicas que muitas vezes são assediad@s nas ruas numa tentativa de subjugação, discriminação e desumanização. A rua, o emprego, o espaço público e o mundo são de tod@s.

Devemos reclamar o direito de tod@s à rua e ao espaço público e exigindo a erradicação desta agressão ainda tão comum e banalizada no nosso país.

Um movimento contra o assédio sexual é necessário. Um movimento de tod@s e para tod@s, um movimento pela luta dos direitos humanos.

Nádia Cantanhede

(1) UMAR defende que assédio sexual seja criminalizado (Setembro 2011) in http://www.tsf.pt/paginainicial/vida/interior.aspx?content_id=2027744&tag=umar&postref_id=2904624

(2) http://www.publico.pt/Sociedade/so-36-das-pessoas-identificam-correctamente-o-que-e-o-assedio-sexual-1514432#.Toj2u3f2D2Y.facebook

(3) O macho latino segundo Maria Filomena Mónica (Outubro 2009)  in http://aeiou.expresso.pt/o-macho-latino-segundo-maria-filomena-monica=f538499#ixzz1aP1NRu3v

 

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