Dizem que os «ricos» é que criam os empregos Versão para impressão
Quarta, 28 Dezembro 2011

RICOS

Se há algo que os governos de direita são realmente exímios em fazer – e concedo-lhes a devida vénia: nem todos têm a insensibilidade e a falta de consciência necessárias – é pegar em chavões populistas, mitos e lendas e transformá-los através de argumentos falaciosos e da sua constante e metódica repetição em «factos» aparentemente absolutos e inquestionáveis. Mas como quaisquer mitos ou lendas, também estas teorias de cordel não passam no teste da racionalidade. E importa desfazê-los pois se há mitos que não trazem mal em si e que até pintam de fantasia a imaginação de pequenos e graúdos, outros há que persistem nas conversas da vida quotidiana e que se sedimentam nos discursos sociais de tal forma que já ninguém os questiona, tornando-se assim, subrepticiamente, em algo que se toma por verdade e se usa sempre que se pretende justificar o injustificável, sempre que se pretende impor mais austeridade, sempre que se opta por mais injustiça fiscal.

Estas falsas teorias têm efectivamente sido a base de todo o discurso político dos últimos tempos. Fazem parte integrante da estratégia governativa dos lunáticos ultra-neoliberais que estão à frente do país. O mito de que a culpa da crise é dos Portugueses. De que viveram acima das suas possibilidades. O mito da falta de alternativas. O mito de que empobrecendo vamos enriquecer, qual fórmula homeopática. O mito de que os serviços privados são melhores que os públicos. O mito, para o qual peço a vossa especial atenção, de que os ricos é que criam os empregos.

Este é o argumento mais frequentemente usado sempre que alguém ousa sugerir que, por uma vez, se taxe os ricos, as empresas, os patrões. “Os ricos criam empregos” gritam de imediato. “Não se pode subir os impostos aos patrões que se vão embora! Precisamos deles. São eles que nos dão empregos!” ouve-se incessantemente de esquina em esquina, de boca em boca.

A teoria implícita é a de que o aumento de impostos ao patronato destruiria o próprio mecanismo que promove e fortalece a economia de um país. Os investidores perderiam o incentivo para a criação de empresas e deixariam assim de criar os empregos de que tanto necessitamos. Seria o colapso da economia.

Ora, vamos lá a ver se nos entendemos.

Por um lado, o aumento de impostos e obrigações fiscais dos investidores não significa a diminuição de incentivos à criação de empresas. Significa apenas que lucrariam um bocadinho menos do que o habitual. Não aumentar ou mesmo diminuir os impostos ao patronato tem somente o efeito de os tornar ainda mais ricos e de agravar ainda mais as desigualdades sociais. Aliás, dezenas de investidores pelo mundo fora, preocupados com os efeitos da crise económica e com a devastação da classe média já vieram a público explicar que o aumento de impostos à sua actividade não teria qualquer impacto nas suas intenções de criação de empresas.

Por outro lado, não são - nem aqui nem na China - os ricos, os investidores ou os patrões que criam emprego. Quem cria emprego são os consumidores. Somos nós. Os clientes. Quem lhes compra os produtos e os serviços. Quem carrega sacos de sonhos, de desejos, de planos ou de necessidades mais ou menos básicas. Quem estuda, quem trabalha, quem se reformou. Quem tem uma vida cheia de desejos, de desilusões, de lutas, de vitórias. Somos todos nós. Nós é que criamos emprego

Nick Hanauer1, um americano fundador da empresa publicitária «aQuantive», veio a público precisamente para desmistificar esta ideia ridícula, obra de mentes limitadas que não conseguem olhar para mais longe do que o seu próprio umbigo.

Segundo Hanauer, os clientes de uma empresa criam a procura dos produtos que, por sua vez, cria a necessidade da sua produção e venda e logo a necessidade de empregados. Se estes clientes perderem o poder de compra, a procura pelos produtos colapsa e os empregos desaparecem num ápice, independentemente do capital investido e do que os investidores ou patrões façam para o impedir. Quem cria os empregos são os clientes das empresas e não os investidores ou empresários.

Um investidor ou empresário pode dispor de todos os recursos necessários à criação da mais avançada e competitiva empresa e ter as melhores ideias para os produtos mais inovadores e mais apetecíveis, mas isso de nada lhe serve se não tiver quem os compre. Simples de perceber, certo?

Não quero com isto dizer que os investidores não sejam uma importante parte da economia, já que detêm precisamente o capital necessário à criação de empresas. Na fase inicial e enquanto durar o capital investido, são efectivamente grandes impulsionadores de emprego. Depois disso, se não existirem consumidores com capacidade para adquirir os produtos ou serviços que colocam no mercado, muito rapidamente os empregos criados se atropelam nos intermináveis números do desemprego e da miséria.

Impulsionar o crescimento da economia passa assim, em primeiro lugar, por melhorar as condições de vida dos consumidores e por lhes aumentar o poder de compra. Para que possam criar procura. Para que possam desejar e efectivamente consumir os produtos que «os ricos produzem». Para que os investidores e empresários possam assim aumentar a produção e criar mais empregos.

Já toda a gente percebeu isto. Até os ricos. Só falta mesmo quem nos governa.

Sandra Cunha

 

1Citado por Henry Blodget no Business Insider em 12 Dezembro 2011.

 

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