Quem tem medo de directoras? |
Terça, 24 Abril 2012 | |||
Até há pouquíssimos anos atrás se abríssemos um dicionário de língua portuguesa não encontraríamos a palavra diretora. Esta palavra aparecia-nos apenas no seu masculino “director”. Na realidade se experimentarmos ir ao site do Dicionário Priberam de Língua Portuguesa (1), hoje, e pesquisarmos a palavra “diretora” ela ainda não nos aparece, o que surge é a palavra no masculino já que o seu significado é “aquele que dirige, regula ou administra”, “aquele que tem a seu cargo uma direção”, “mentor, guia” logo algo que ainda permanece na conceção da sociedade algo masculino por excelência. Até há algum tempo atrás (há uns anos mas não tão longínquos assim) não existiam diretoras nem se pensava que viessem a existir. A direção era exclusivamente um cargo masculino, negado às mulheres e que se tem aberto a elas muito lentamente. Estranho era, e é ainda para a maioria, senão mesmo todas, as sociedades, ter uma mulher num lugar de topo, a coordenar uma equipa, a tomar decisões importantes sobre os rumos das empresas, organizações, negócios. Esta imagem não encaixava de todo no estereótipo feminino que ainda é o vigente, apesar dos avanços na igualdade de género que foram abrindo espaço a longo de décadas. As mulheres e o feminino eram, por norma, imediatamente ligados por associação livre de ideias a conceitos como o “lar”, a “família”, o “marido”, os “filhos” e à subordinação, à falta de discernimento e de poder de escolha e decisão. Eram antes dotadas para a família, o cuidado, a vida doméstica e o seu trabalho consistia meramente num complemento do orçamento familiar (ainda nos dias que correm ouvimos declarações de determinadas personalidades neste sentido), nada de muito relevante, convenhamos, apenas uma ajuda monetária complementar ao ordenado auferido pelo “chefe de família”. Consequentemente, uma mulher num cargo de direção era algo surreal, jamais imaginado, desajustado, estranho, anormal (um pesadelo talvez para a maioria dos homens). O trabalho não era o ambiente natural das mulheres, não fazia parte da considerada “natureza” das mulheres, por isso não fazia sentido”. Também a escolaridade das mulheres era reduzida não havendo conhecimentos técnicos nem qualificação suficientes para determinados desempenhos profissionais. Esta era a mentalidade vigente, uma mentalidade patriarcal fortemente enraizada na sociedade que negando às mulheres a educação também lhes negava simultaneamente cargos nos quais tivessem poder de decisão, se trabalhassem que continuassem subalternas. Mas os tempos mudam. Hoje as mulheres têm um grau académico superior aos homens, são profissionais competentes, autónomas economicamente, sabem o que querem, têm ideias inovadoras, são criativas e construtivas, são boas profissionais. Então porque não são directoras, chefes, dirigentes, coordenadoras, juízas? Um artigo do Diário de Notícias, de 18 de Fevereiro de 2011, escrito pela jornalista Paula Brito anuncia que em Portugal, apenas 4% das grandes empresas têm, nos seus quadros de topo, mulheres (2). Embora não seja propriamente uma surpresa, vale a pena questionar onde se encontram os argumentos para uma taxa tão baixa numa sociedade que supostamente teve os seus progressos significativos na igualdade de género. Ou não os teve? À data, numa reunião em Madrid, a União Europeia declarou que as empresas deveriam admitir voluntariamente mais mulheres nos seus cargos de topo até ao ano de 2012 ou teriam de ser tomadas medidas que o “forçassem”. Em 300 empresas de referência, apenas 11,7% dos cargos de topo eram ocupados por mulheres. A Noruega era um país exemplo, no qual 35% dos quadros de topo pertenciam a mulheres mas esta diferença relativamente aos outros países da União Europeia muito se deve ao facto de, em 2008, ter sido imposta uma quota de 40% de mulheres na administração das empresas. McKinsey afirmava com base num estudo recente que os resultados operacionais das empresas com diversificação de género são 56% mais elevados do que aquelas que têm uma expressão quase totalmente masculina e numa altura de crise económica este aumento de operacionalidade é algo com um peso substancial certo? A ideia que ficou desta reunião em Madrid de Fevereiro de 2011 foi a de que em 2015 deveríamos ter, segundo o objetivo proposto pela comissária Redding, 30% de mulheres nos quadros de direção. Pois bem, a 3 de Março de 2012 um outro artigo do Diário de Noticias (3) adianta que 20 das maiores empresas portuguesas ignoraram ou rejeitaram o convite da Secretária de Estado da Igualdade para reforçarem o número de mulheres nos seus cargos directivos. Das empresas que responderam e rejeitaram, o argumento base foi o do que o importante é a competência (que caso não saibam ficam a saber que parece que só está presente para estes senhores se os cromossomas forem XY) e é por isso que um ano passado, a média de mulheres nos quadros de administração de empresas na União Europeia é de 12% ficando-se Portugal por metade, ou seja, 6%. Existe uma resistência à tomada de decisão por parte das mulheres. O que as impossibilita de desempenhar tais funções, não é a falta de competência, produtividade ou inovação, é a visão patriarcal e machista, conservadora e retrógrada. Ceder este espaço de decisão às mulheres é ceder à igualdade de género, é abrir um novo espaço, é transformar algo que se tem perpetuado desde sempre na nossa sociedade. Quem tem, afinal, medo de directoras? Têm todos aqueles que lutam pela desigualdade de género e o desequilíbrio social, que resistem à igualdade de oportunidades sacrificando para isso aquilo que os neo-liberais e capitalistas tanto gostam como a valorização da competência, a maior produtividade, o maior rendimento, o maior lucro. Se refletirmos profundamente talvez cheguemos à conclusão que pior que menos lucro é acatar decisões por parte das mulheres deixando-as entrar para um mundo até agora exclusivamente masculino. Abrir mão do poder exclusivo é algo não tem sido negociável e que não o será facilmente mas sê-lo-á um dia. Nádia Cantanhede (1) Dicionário Priberam -http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=directora (2) Diário de Notícias – “A crise está aí: talento de mais mulheres no topo das grandes empresas precisa-se” – 18 de Fevereiro de 2011 por Paula Brito. (3) Diário de Noticias - “20 maiores empresas portuguesas ignoraram reforço de mulheres em cargos de direcção pedido pelo Governo” – 3 de Março de 2012
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