Poder económico em quotas Versão para impressão
Segunda, 10 Setembro 2012

We_Can_Do_It

Recentemente veio a público a notícia de que a Comissão Europeia se preparava para propor uma medida legislativa que obrigue as empresas públicas a terem mais mulheres nos seus quadros supervisores.  Viviane Reding, a comissária europeia para a justiça, afirma que é também uma questão económica trazer mais mulheres para cargos de topo. A discussão sobre os benefícios e malefícios das quotas regressa.

Atualmente, na Europa, as mulheres ocupam apenas 14% dos cargos de topo nas empresas cotadas na bolsa. Em alguns países, incluindo Portugal, a percentagem fica-se por bem menos de 10% (em Portugal é de apenas 6%).[1] Foi face a estes dados que em março do ano passado, Viviane Reding lançou o “Women on the Board Pledge for Europe”, uma iniciativa que instigava as empresas europeias a comprometerem-se de forma voluntária a aumentar o número de mulheres nos quadros para 30% até 2015 e 40% até 2020. Na altura, o entusiasmo político foi grande; o Parlamento Europeu apoiou esta medida com grande fulgura e vários ministros europeus incentivaram as empresas dos seus países a proporem-se a este desafio.

A verdade é que, ano e meio depois, os resultados são desoladores. A genuína adesão das empresas foi muito fraca,  e em dois anos a percentagem média de mulheres nos quadros das empresas subiu apenas de 11,8 para 13,7%. É estimado que pelo progresso que se tem observado nos últimos anos, se demore ainda 40 anos até as mulheres consituirem 40% dos quadros das empresas europeias.
Perante a ineficácia de medidas voluntárias e da fraca adesão à auto-regulação proposta, a comissária europeia para a justiça veio afirmar a sua intenção de avançar com medidas legislativas vinculativas já nos próximos dois meses. A meta manter-se-ía: levar a que as grandes empresas (com mais de 250 empregados ou com mais de 50 milhões de euros de lucro) tenham quadros executivos em que 40% dos membros são mulheres, até 2020. As empresas que não cumprissem estes objetivos seriam multadas ou impedidas de participar em concursos públicos nos estados-membros.

Perante a iminência de quotas de género no que é chamado o poder decisório económico, as vozes opositoras levantam-se contra o que consideram ser uma intervenção despropositada do poder público na gestão do poder económico. Mas não são apenas os grupos económicos que protestam contra estas quotas; várias feministas declaram quotas de qualquer espécie como algo nefasto para o avanço da igualdade de género. Sendo esta uma luta que não tem uma clara linha divisória a separar opositores de apoiantes, quais serão então os benefícios e os malefícios do sistema de quotas?

Em primeiro lugar, é necessário esclarecer o que são as quotas e como funcionam. Neste caso, é bastante simples no que consistem: nos quadros das grandes empresas, em cada dez membros, quatro teriam que ser mulheres. Mas a polémica surge quando se pensa em como seriam estas mulheres escolhidas. E grande parte da controvérsia é devida a uma falta de conhecimento sobre como funciona o recrutamento para preencher estas quotas. O sistema de quotas, ou a também vilipendiada discriminação positiva, dita simplesmente que, em caso de igual competência, se dê preferência ao candidato do grupo que está em minoria; neste caso, a mulher. Com isto se quer dizer que não está aqui em causa a competência – ou falta dela. O objetivo é elevar mulheres qualificadas para os cargos de topo das empresas; a intenção não é, nem nunca foi, colocar mulheres nos quadros só pelo facto de serem mulheres, desprezando-se as suas competências.

Através desta explicação, dá-se resposta à grande maioria das vozes opositoras das quotas: as que afirmam que se estaria a fomentar o culto da incompetência por se querer mulheres em altos cargos pelo simples facto de terem um útero.

Ligada a esta noção – errada, como já foi explicado – da falta de competência, está a noção de que é condescendente e até insultuoso para as próprias mulheres um sistema de quotas, pois a dúvida instalar-se-ía se teriam sido escolhidas para o cargo por mérito ou apenas devido ao seu género. Mais uma vez, é de realçar que a intenção não é eliminar gente com mais competência em favor de candidatas femininas; é, sim, de as favorecer em caso de igual experiência/competência/qualificação. Num sistema de quotas bem implementado, nunca haveria o risco de condescendência nem de preenchimento de lugares com mulheres menos qualificadas do que seus colegas homens.

E isto levamo-nos para uma última crítica: a de que não há mulheres qualificadas suficientes para preencher estes cargos. Esta será provavelmente a mais absurda. Numa altura em que o número de mulheres licenciadas e a frequentar o ensino superior é maior do que o dos homens, a ideia de que as mulheres simplesmente não tem as qualificações e competências necessárias para ocupar altos cargos nas empresas desafia a leis da lógica. O que se observa na grande maioria das profissões é o chamado glass-ceiling, ou telhado de vidro, a partir do qual as trabalhadoras não conseguem mais progredir nas suas carreiras. Tal constitui um fenómeno complexo e deve-se a várias razões: a paragem que muitas mulheres fazem na carreira para serem mães e a dificuldade que existe em conciliar vida familiar e profissional; a falta de mentoras e mulheres-modelo que sirvam como exemplo; a rede de contactos, por vezes informal, necessária a estabelecer e que é composta maioritariamente por homens, os chamados boys’ clubs, com os seus códigos de conduta implicitamente excluidores de mulheres; e a velha e tradicional discriminação de género que ainda pauta a sociedade em geral.

Algumas vozes opositoras referem que é preferível esperar, deixar que as mulheres, através do seu mérito, cheguem lá, aos cargos de topo, como é inevitável que cheguem. O que estas vozes não tomam em conta é precisamente a existência de obstáculos à progressão da carreira que nada tem que ver com o mérito mas sim com organização, estrutura e preconceito desfavorável à mulher, o acima explanado telhado de vidro. A grande esperança do sistema de quotas como o que Viviane Reding pretende implementar é precisamente que o telhado de vidro seja quebrado por não haver outra hipótese. Uma maior atenção seria dada no investimento em formação de gestão de pessoas dentro das empresas, para as suas trabalhadoras, no sentido de terem uma larga fonte de candidatas ao preenchimento das quotas. As trabalhadoras ganhariam maior poder na gestão do ambiente de trabalho, incluindo maior flexibilidade para gerir o trabalho e os seus compromissos familiares. Os restritos boys’ clubs seriam abalados e passariam a levar a sério em consideração mulheres como potenciais futuras “chefes”. Em suma, o que a proposta legislativa em construção pretende é abalar o ambiente grande-empresarial no sentido de o tornar mais favorável à progressão de carreira das mulheres do que o é no presente, no sentido de acabar com um desequilíbrio de poder, neste caso, o poder económico.

Sara Reis



[1] Women in economic decision-making in the EU: progress report (Comissão Europeia, 2012)
 

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