Indonésia: Greve geral contra a precariedade, a "escravatura moderna" |
Terça, 23 Julho 2013 | |||
"Não somos robots que eles tratam como querem", declarou Ralenti um dos grevistas ao jornal "Jakarta Globe" no dia 3 outubro de 2012. E acrescentou: "Tratem-nos como humanos, deem-nos salários dignos e segurança de saúde"[1]. Estas declarações são claras no protesto e nas reivindicações, afinal tão próximas de nós e de muitas situações que os trabalhadores portugueses enfrentam. A Indonésia é um grande país, com mais de 237 milhões de habitantes, pelo censo de 2011[2]. Segundo o governo indonésio[3], o mercado laboral é composto por 41 milhões de pessoas, 40% das quais (16 milhões) na precariedade. Muito provavelmente estes números são bem inferiores à realidade. Por exemplo, de acordo com as estimativas mais recentes do "The world factbook" da CIA[4] o mercado de trabalho indonésio é composto por 118 milhões de pessoas. Apesar do elevado crescimento da economia indonésia, os salários são inferiores aos praticados na Tailândia, na Malásia e na China. Segundo a IndustriALL, enquanto a Indonésia está no 16º lugar mundial em termos de PIB, os seus salários estão no lugar 69[5] e a população confronta-se com uma elevada subida dos preços da alimentação e dos bens essenciais. Nos últimos anos, as lutas dos trabalhadores indonésios têm-se multiplicado, alcançando muitas vezes significativas vitórias. Greve Geral contra a precariedade, por melhores salários e cuidados de saúde No dia 3 de outubro de 2012, teve lugar uma greve geral dos trabalhadores indonésios[6], com 3 reivindicações: contra os contratos a prazo e pela sua limitação; por aumento de salários e por seguros de saúde. A greve foi seguida por mais de 2 milhões de trabalhadores, segundo os dirigentes sindicais, que referiram que o protesto provou a paralisação de mais de 5.000 fábricas em 12 províncias do país. Segundo a polícia, centenas de milhares de trabalhadores de mais de 700 empresas e 80 parques industriais, não só paralisaram, como se manifestaram nas ruas[7]. Em muitas das ações, os trabalhadores protestaram contra a precariedade, chamando-lhe a "escravatura moderna". Para a OCDE, como não podia deixar de ser, a crescente precariedade laboral na Indonésia deve-se não à procura do trabalho escravo pelas transnacionais, mas à "rigidez da legislação laboral"[8]. A greve e as manifestações foram altamente participadas em Jakarta e 24 outras cidades, nomeadamente Bogor, Depok, Tangerang, Cilegon, Karawang, Sukabumi, Bandung, Semarang, Surabaya, Sidoarjo, Batam, Medan and Makassar. A greve geral terá provocado uma perda de um bilião de rupias indonésias (cerca de 104 milhões de dólares) à economia do país[9]. No final da greve geral, o presidente da forte federação sindical dos metalúrgicos, Said Iqbal, declarou: "Isto foi um aviso. Demos ao governo duas semanas para dialogarem com as associações empresariais e sindicais. Então veremos se os resultados são satisfatórios". Em janeiro passado, a confederação mundial IndustriALL saudou[10] os sindicatos e os trabalhadores indonésios pelas suas vitórias na luta contra o "outsourcing" e por melhores salários. Com a luta travada, de que a greve geral foi um ponto alto, os trabalhadores conquistaram legislação que impõe que quem trabalhe há mais de três anos num posto de trabalho terá um contrato permanente e os contratos a prazo foram limitados a cinco setores: transportes, minas e serviços de limpeza, cantina e segurança. Os trabalhadores conseguiram ainda um aumento do salário mínimo em muitas áreas industriais da Indonésia[11]. Em Jakarta, Bekasi, Bogor, Karawang, Sidoarjo, Mojokerto e Batam os salários mínimos tiveram aumentos de 40,2% em média. Os salários continuam a ser baixíssimos, apesar dos elevados aumentos percentuais que conseguiram. Por exemplo, o salário mínimo em Jakarta subiu 46,5%, de cerca de 157 dólares para 230 dólares. A confederação IndustriALL destaca como exemplo de luta não só a greve geral, como as manifestações e marchas realizadas pelos trabalhadores, que terão mobilizado mais de 3 milhões de pessoas e alerta para a importância da "plena implementação" da nova legislação dos contratos a prazo. Os trabalhadores indonésios conseguiram ainda o compromisso governamental para a entrada em vigor de cuidados de saúde, em janeiro de 2014, e de pensões de reforma em 2015. Ponto de viragem A Greve Geral de 3 de outubro de 2012 poderá ter sido um ponto de viragem na luta social na Indonésia, segundo alguns analistas[12]. As lutas dos trabalhadores indonésios têm vindo em crescendo desde os anos 90, ainda durante a ditadura de Suharto. Nos anos 90, os trabalhadores dos setores têxtil, confeções e calçado desempenharam o papel principal nessas movimentações. Atualmente, os setores mais ativos têm sido os trabalhadores das grandes fábricas do automóvel, das motas e dos eletrodomésticos. A mobilização é ainda limitada, estando por enquanto centrada nos setores mais concentrados dos trabalhadores industriais, especialmente nos parques industriais, sendo no entanto patente um aumento de combatividade. Nos últimos anos algumas grandes lutas ganharam relevo e marcaram a evolução da situação social na Indonésia. Entre as quais, se destaca a longa greve dos trabalhadores da mina Freeport de Papua Ocidental por aumentos salariais[13]. Esta greve prolongou-se durante três meses, em condições muito difíceis e com a morte de 8 pessoas, mas teve grande apoio solidário dos trabalhadores indonésios e terminou com significativa vitória. Igualmente de relevo, a campanha pela segurança social desenvolvida por uma coligação de sindicatos e Ong's que conseguiu em 2011 legislação de proteção da saúde. Ainda de salientar o movimento grevista no início de 2012 com destaque para a sucessão de greves e manifestações, que na zona leste de Jakarta mobilizou mais de 200 mil trabalhadores. Convergência Sindical No seguimento deste movimento de lutas em crescendo o movimento sindical organizou um comício em Jakarta no dia 1 de Maio de 2012, que juntou 60 mil pessoas. Nesse comício foi anunciada a criação do Conselho de Trabalhadores Indonésios (MPBI), agregando 11 das maiores federações sindicais, incluindo a poderosa federação dos metalúrgicos, e três centrais sindicais: KSBSI, KSPSI e KSPI[14]. Este conselho diz representar 8 milhões de trabalhadores sindicalizados e ser a "voz" de todos os trabalhadores indonésios. O líder da central sindical KSBSI disse então que "as lutas dos trabalhadores têm estado fragmentadas, por isso criámos este conselho, a maior organização de trabalhadores da Indonésia". O líder da central sindical KSPSI afirmou: "Se o governo não ouvir a voz do trabalho, tomaremos as ruas". E foi o que fizeram: o MPBI tem vindo a convocar diversas ações de luta e campanhas. Foi este Conselho que convocou a Greve Geral de 3 de outubro de 2012.
Carlos Santos Referências: [1] http://www.thejakartaglobe.com/archive/more-than-2-million-workers-strike-in-indonesia/547954/ [2] Segundo a wikipedia em inglês, referência "Indonesia": http://en.wikipedia.org/wiki/Indonesia [3] http://www.thejakartaglobe.com/archive/indonesian-workers-demand-an-end-to-outsourcing/548109/ [4] https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2095rank.html [5] A IndustriALL é uma confederação mundial de sindicatos, criada em Copenhaga em 2012, juntando 3 federações sindicais internacionais: trabalhadores metalúrgicos; químicos; têxteis e vestuário: http://www.industriall-union.org/ [6] Podem ver-se vídeos sobre esta greve geral no youtube, pesquisando por mogok nasional, dois deles tem os seguintes links: http://www.youtube.com/watch?v=niQ3PCS8lzM e http://www.youtube.com/watch?v=5zJzdooz-bQ [7] http://www.thejakartaglobe.com/archive/more-than-2-million-workers-strike-in-indonesia/547954/ [8] Ver notícia em: http://www.theglobeandmail.com/report-on-business/international-business/asian-pacific-business/indonesian-general-strike-shuts-factories/article4584866/?cmpid=rss1 [9] http://www.asianewsnet.net/news-37235.html [10] http://www.industriall-union.org/industriall-inspired-by-indonesian-trade-union-victory [11] Na Indonésia o salário mínimo varia nos setores de trabalho e nas regiões. [12] Ver blogue de Max Lane: http://maxlaneonline.com/ [13] Ver vídeo sobre esta greve de westpapuamedia.info em: http://vimeo.com/32762098 [14] Ver notícia no Jakarta Post: http://www.thejakartapost.com/news/2012/05/01/workers-unite-under-new-labor-council.html
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A Comuna 33 e 34
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