A catástrofe do Bangladesh: uma amostra grátis do capitalismo mundializado |
Quinta, 08 Agosto 2013 | |||
A derrocada de um edifício de oito andares no Bangladesh totalmente inseguro que albergava várias fábricas têxteis onde trabalhavam 3500 pessoas provocou mais de mil mortos. Dias depois, um incêndio noutra fábrica têxtil causou oito mortes e, em novembro de 2012, outro incêndio numa fábrica têxtil, também no Bangladesh, causou 111 mortes. Nos últimos anos, houve no Bangladesh um total de 1700 mortos em acidentes similares. Estes números devem ser postos no contexto dos dois milhões de trabalhadores que, segundo a OIT, morrem a cada ano por causa de doenças e acidentes relacionados com o trabalho em todo mundo. Sem que a morte destes últimos alarme especialmente à opinião pública. Mas a cada vez que ocorre um desastre de dimensão catastrófica como o recente em Bangladesh, os meios de comunicação social ocupam-se do tema durante alguns dias, há gente que protesta, as autoridades anunciam «medidas», algumas multinacionais beneficiárias emitem declarações de pesar e até dizem que vão assinar acordos de segurança. Depois, tudo volta à «normalidade». Isto é, tudo fica na mesma. O acordo de 15 de Maio A catástrofe que provocou mais de mil mortos, pela sua repercussão na opinião pública mundial e o consequente risco de uma queda das vendas e dos lucros, requeria uma urgente lavagem de imagem por parte das multinacionais do negócio têxtil. Foi assim que se anunciou com "trompas e clarins" ("Conseguimos!" proclamaram as federações sindicais IndustriALL Global Union e UNI junto com algumas organizações sindicais nacionais) o "Acordo sobre incêndios e segurança dos edifícios no Bangladesh" (AISEB, Accord on Fire and Building Safety in Bangladesh) entre, por uma parte, a IndustriALL Global Union e a UNI (1), e pela outra parte, até ao dia 15 de maio, tinham assumido o compromisso de assiná-lo 39 multinacionais entre as mais importantes da indústria da moda e da distribuição, entre outras: Inditex, H&M, C&A, Carrefour, Primark/Penny, Tesco, PVH (Calvin Klein), Tchibo, Benetton, El Corte Inglés, Mango, Mark & Spencer, Next, Stockmann, N Brown Group, GStar, KIK, Aldi South, Aldi Noth, Helly Hansen, New Look, Mothercare, Loblaws, Sainsbury's, JBC, WE Europe, Esprit, Rewe, Lidl, Hess Natur, Switcher , A&F. Segundo o Acordo as empresas comprometem-se ao estabelecimento por cinco anos de um programa de prevenção e controle de incêndios e segurança dos edifícios nas fábricas têxteis do Bangladesh, que será formalizado nos 45 dias após a assinatura do acordo e financiado pelas empresas que o subscrevam. Também se prevê a designação de um inspetor de segurança independente, encarregado de verificar o estado das instalações das fábricas. Será responsável por assegurar que uma inspeção inicial de todas as instalações seja feita durante os primeiros dois anos após a assinatura do acordo. Até seis semanas após detetado um problema, difundirá a informação à opinião pública, junto com os planos para resolvê-lo. Enquanto um problema é resolvido, ainda que a produção pare, as fábricas deverão manter os empregos e salários de seus trabalhadores. Por não o fazerem, poderiam perder seus contratos com as multinacionais compradoras. Do mesmo modo, as partes do Acordo comprometer-se-ão a estabelecer mecanismos para a participação dos trabalhadores e seus sindicatos nos procedimentos estabelecidos no Acordo. Qualquer controvérsia passará primeiro por um esquema de resolução interna, depois por arbitragem e finalmente "poderia" passar para a Justiça. Pode ver-se o texto completo do Acordo (em inglês) no site da IndustriALL Global Union (NT1). Walmart, GAP, Auchan, Nike, Ralph Laurens, Adidas e outras grandes empresas optaram por não assumir esse compromisso. A Walmart (que se destaca pela perseguição aos ativistas sindicais em suas próprias empresas e faz todo o possível para impedir a sindicalização de seu pessoal) explicou, para justificar a sua aversão a assumir o menor compromisso, que em lugar de subscrever o Acordo AISEB, levará a cabo as suas próprias inspeções dos 279 fornecedores "autorizados" com que trabalha no Bangladesh. Assegura que assim obterá melhores resultados. Também informou que a cada trabalhador será dada formação em prevenção e ações contra incêndios. A Walmart diz que não se juntou ao acordo porque as medidas que adotou por conta própria são mais eficientes. Alega que enquanto os relatórios de AISEB poderão demorar até seis semanas para sair, os seus serão publicados na internet de forma imediata. AISEB poderá demorar 45 dias a decidir que medidas implementar, enquanto a Walmart afirma que já começou a executar as suas. No plano dos factos, o Acordo só compromete as grandes multinacionais a participar com quantias que são para elas irrisórias - 500.000 dólares anuais durante os 5 anos de vigência do Acordo – no estabelecimento de condições de segurança para evitar incêndios e derrocadas dos edifícios onde funcionam as fábricas têxteis dos seus fornecedores. Uma breve análise do acordo 1) O Acordo nem sequer prevê a indemnização das vítimas da derrocada de 24 de abril em Rana Rana Plaza. Que saibamos, só uma empresa (Loblaws do Canadá) tem falado em indemnizar às vítimas. Em novembro de 2012, um incêndio numa fábrica têxtil (Tazreen Fashion) no Bangladesh causou 111 mortos. C&A anunciou que ia indemnizar as vítimas: para os meninos que perderam um familiar no incêndio, 50 dólares por mês até que cumpram 18 anos, para o pai ou mãe sobrevivente 15 dólares por mês para a educação da criança e 1200 dólares a cada família dos falecidos no incêndio. Até agora as vítimas não vislumbraram as modestas indemnizações prometidas pela C&A. Porém no Acordo do 15 de maio nem sequer figura a promessa de uma indemnização. O princípio da responsabilidade solidária das empresas multinacionais com as empresas fornecedoras foi ignorado uma vez mais. Há que dizer que este princípio jurídico fundamental, a "responsabilidade solidária" (NT2), não vigora a nível internacional porque as reiteradas propostas, desde há mais de 20 anos, de algumas ONGs aos organismos especializados das Nações Unidas para que se adote como norma obrigatória de direito internacional nunca foram atendidas. 2) Também não figura no Acordo que as empresas compradoras se comprometem a aumentar os preços a pagam aos fornecedores, como um meio para aumentar os salários dos trabalhadores. 3) No Acordo não se menciona em absoluto nenhuma forma de promover e/ou garantir os direitos fundamentais dos trabalhadores a constituir sindicatos, a exercer livremente seus direitos e à negociação coletiva. Como é óbvio, a melhoria das condições de trabalho no Bangladesh depende em primeiro lugar da organização e a luta dos trabalhadores deste país. Mas os obstáculos (repressão e leis restritivas) que se lhes opõem são consideráveis. "Quando visitei o Bangladesh, em fevereiro apercebi-me de que de 5.000 fábricas só numa vintena existe um sindicato local registado e que funcione. Como resultado da intimidação e dos problemas de registo, menos do 1 por cento da força de trabalho está sindicada" ( Jyrki Raina, Secretário geral de Industriall Global, na sede deste organismo, 19 de março de 2013). Aminul Islam, sindicalista da Federação de Trabalhadores da Confeção e Industrial de Bangladesh (BGIWF na sigla em inglês) e membro do Centro de Solidariedade com os Trabalhadores de Bangladesh (BCWS), foi encontrado morto, a 5 de abril de 2012. Fotos da investigação policial, tiradas ao corpo de Islam, sugerem que o sindicalista foi torturado antes de ser assassinado (NT3). 4) O acordo estabelece obrigações sobretudo para os fornecedores. Por exemplo se o edifício não corresponde às condições de segurança e enquanto se procede aos reparos necessários os trabalhadores devem suspender seu trabalho, o dono da fábrica deve manter os postos de trabalho existentes e pagar os salários. O Acordo não estabelece contribuição alguma por parte das multinacionais para o cumprimento desta obrigação, contrariamente a algumas interpretações falsas de dirigentes sindicais triunfalistas. 5) Quanto à obrigatoriedade do Acordo e à possibilidade de exigir seu cumprimento perante um Tribunal com capacidade para impor suas decisões às partes, é válido só para os fornecedores. Diz o Acordo: "Os acordos do protocolo são (i) para apoiar e motivar o empregador para encontrar soluções no interesse dos trabalhadores e do setor e (ii) agilizar os procedimentos legais quando o fornecedor recuse adotar as ações exigidas pela legislação nacional". É falso sustentar que o Acordo é obrigatório ou vinculante, pois só prevê, em caso de conflito entre as partes, a eventual formação de um tribunal arbitral, sem estabelecer com precisão a forma de constitui-lo. Diz o Acordo: "5. Solução de conflitos. Qualquer conflito entre as partes que se de nos termos deste contrato será apresentado e resolvido pelo SC (Steering Comitee), que num prazo de 21 dias deverá decidir por maioria a pedido de qualquer das partes. A decisão do SC pode ser objeto de recurso para um processo de arbitragem final vinculante. Todo laudo arbitral poderá ser executado por um tribunal do país do signatário contra quem se solicita a execução e estará sujeito à Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Convenção de Nova Iorque) [NT4]. O processo de arbitragem vinculante inclui mas não está limitado à atribuição dos custos relacionados com a arbitragem e o processo para a seleção do árbitro, reger-se-á pela lei marco UNCITRAL sobre arbitragem comercial internacional de 1985 (com as emendas aprovadas em 2006)." O SC a que se refere o precedente ponto 5 do Acordo é o Steering Comitee (Comité Diretivo) que, segundo o ponto 4 do mesmo, será eleito pelos assinantes do Acordo e será constituído por três representantes das federações sindicais assinantes (IndustriALL Global Union e UNI), três representantes das empresas assinantes (as empresas multinacionais) e um representante (neutro, diz o Acordo) da OIT, eleito por esta última. A oposição firme das empresas multinacionais a celebrar acordos obrigatórios relativos aos direitos humanos em general e laborais em particular tem sido pública e reiteradamente manifestada por estas em diferentes épocas. E os organismos especializados das Nações Unidas vergaram-se perante a resposta negativa por parte do poder económico transnacional. Isto tem-se refletido no conteúdo dos Princípios orientadores para as empresas elaborados por John Ruggie (atualmente assessor de Barrick Gold) e aprovados pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em junho de 2011 (NT5). Em setembro de 2012 apresentou-se ao Conselho de Direitos Humanos um Relatório do Secretariado Geral da ONU referido a ditos Princípios Orientadores, em cujo parágrafo 11 se diz que deles "não se deriva nenhuma nova obrigação jurídica". A única obrigação -se se pode chamar assim- estipulada no Acordo de 15 de maio para as empresas multinacionais - financiar os trabalhos necessários para a segurança dos edifícios com 500.000 dólares anuais durante cinco anos- é puro lucro para ditas empresas. Na verdade, por um lado, a um custo mínimo e em suaves prestações procedem a uma lavagem da sua imagem perante a opinião pública, convenientemente divulgada por sindicalistas complacentes com o poder económico transnacional, por algumas ONGs e pelos grandes meios de comunicação social. Lavagem de imagem preventiva de um eventual boicote dos consumidores. E por outro lado, prevenindo os acidentes, as empresas multinacionais garantem a continuidade da produção nas fábricas e a sobrevivência da mão-de-obra mais barata do mundo. As grandes empresas, no cálculo custo-benefício, têm estimado em princípio mais ventajoso fazer um pequeno investimento na segurança dos edifícios, que continuar a fazer vista grossa quando os edifícios entram em colapso ou se incendeiam e morrem centenas de trabalhadores. Efetivamente, em janeiro deste ano, vinte e quatro diretores executivos de multinacionais do comércio de produtos têxteis escreveram ao primeiro-ministro de Bangladesh, Sheikh Hasina, expressando-lhe a sua preocupação pelo futuro da indústria têxtil de Bangladesh caso não se respondesse à questão da segurança contra incêndios e às causas subjacentes. "Estes problemas podem causar mais danos ao sector", disseram. (Assim informa Jyrki Raina, Secretário Geral de Industriall Global numa nota publicada o 19 de março de 2013 no site da referida organização sindical). À exigência de um controle externo realmente independente, as empresas multinacionais sempre têm respondido contratando auditorias de grandes consultoras multinacionais (2) ou aceitando o pseudo-controlo de conhecidas ONGs mais ou menos complacentes, cuja função oscila entre o controle e a assessoria (de preferência direta ou indiretamente remunerada) a essas mesmas empresas. "A responsabilidade social das empresas... adapta-se bem ao crescimento das alianças público-privadas e à crescente utilização de ONG como provedoras de serviços em novas formas de filantropia" (3). Por exemplo no âmbito da Clean Clothes Campaign (campanha roupas limpas) um grupo de ONG elaborou e publicou em fevereiro de 1998 um projeto de Código de conduta muito completo para o comércio e a indústria de confeção de vestuário de desporto (roupas e calçado). Nenhuma empresa aceitou. 6) Por último, embora frequentemente a empresa local que recebe a encomenda subcontrate sua execução a fábricas onde as condições de trabalho são ainda piores, o Acordo não inclui tais subcontratados, pois quando se refere ao âmbito do Acordo, estabelece que o mesmo cobre a todos os fornecedores que produzem para as empresas (multinacionais) signatárias do Acordo. E os subcontratados produzem para a empresa local, não para a empresa multinacional que faz o pedido ao fornecedor. No Acordo pode-se ler: "Âmbito: O acordo abrange todos os fornecedores que produzem produtos para as empresas signatárias". Dito de outro modo, o fundamental do Acordo do 15 de maio responde às preocupações e interesses expressos pelas empresas transnacionais. São eles que devem exclamar CONSEGUIMOS! e não as organizações sindicais e as ONGs defensoras (ou supostas defensoras) dos direitos dos trabalhadores. Um dirigente sindical da região teve o descaramento de declarar: "A minha principal preocupação é que os homens e mulheres que vêm todas as manhãs trabalhar para as fábricas têxteis do Bangladesh voltem vivos à noite para suas casas". E poderíamos acrescentar nós: e em suas casas recuperem forças comendo tigela de arroz e dormindo para voltar no dia seguinte para a fábrica para continuar sendo sobre-explotados. No entanto, fica por se ver se este Acordo, como se viu bastante limitado, será implementado assim que o drama for esquecido. Um acérrimo defensor do Acordo, Isidor Boix, Diretor do Departamento de Responsabilidade Social das Empresas (SER/RSC) da FITEQA-CCOO (Federação da Indústria Têxtil, Couro, Químicos e Afins – Comisiones Obreras [Estado Espanhol]) e Coordenador de IndustriALL para a aplicação do acordo-quadro com a Inditex Bangladesh, num artigo titulado intitulado "Em defesa dos direitos do trabalho. Primeiro grande acordo-quadro global", escreve: "A aplicação do presente Acordo, insisto, não vai ser fácil". No caso das fábricas têxteis do Bangladesh os interesses económicos em jogo são enormes. A sua produção representou no último ano o 80% do total das exportações do país, um montante de mais de 20 mil milhões de dólares [mais de 15 mil milhões de euros], sendo o segundo exportador de têxteis do mundo após a China. Isto traduz-se num enorme lucro para as empresas multinacionais com grandes marcas de vestuário de moda e gigantes mundiais da venda aos consumidores que compram a produção às fábricas têxteis do Bangladesh. O Grupo Inditex Por exemplo, o Grupo Inditex (um dos que se comprometeu a assinar o Acordo do 15 de maio) apresenta-se assim: "O Nosso Grupo Inditex é um dos principais revendedores de moda do mundo, com oito formatos comerciais -Zara, Pull & Bear, Massimo Dutti, Bershka,Stradivarius, Oysho, Zara Home e Uterqüe - que contam com 6.009 estabelecimentos em 86 mercados. O Grupo Inditex reúne mais de uma centena de empresas associadas às diferentes atividades no design, fabricação e distribuição têxtil. A singularidade do seu modelo de gestão, baseado na inovação e a flexibilidade, e os lucros atingidos, tornaram a Inditex num dos maiores grupos de distribuição de moda. A nossa forma de entender a moda – design de qualidade e resposta ágil para ajustar às novas exigências de mercado – permitiu-nos expandir internacionalmente a um ritmo acelerado e tem gerado uma excelente resposta comercial das diferentes cadeias. A primeira loja Zara abriu em 1975 na Corunha (Espanha), lugar onde se iniciou a atividade do Grupo e onde se localiza a sede da empresa. As suas lojas podem agora ser encontradas em locais privilegiados em mais de 400 cidades em cinco continentes." (NT6) Dois mil e trezentos milhões de euros de lucro líquido em 2012, mais 22% que em 2011 Quinze por cento do lucro líquido sobre o total do volume de negócios. Lucro equivalente a quase três anos de salário de todos os trabalhadores da indústria têxtil do Bangladesh. Estes enormes lucros, como os de outros grupos similares, são o resultado da sobre-exploração de milhões de trabalhadores da indústria têxtil nos países chamados periféricos, entre os quais os trabalhadores do Bangladesh são os que estão em piores condições no mundo em matéria de salários e de segurança no trabalho. No Bangladesh, trabalham neste setor mais de dois milhões de pessoas (a grande maioria mulheres jovens) por salários que, regra geral, não superam os 30 a 40 dólares mensais por um trabalho de 10 a 14 horas diárias seis dias por semana. Estima-se que no Bangladesh o salário mínimo para um trabalhador sem família deveria ser de 80 dólares mensais e de 160 para um trabalhador com dependentes. [Artigo 23, 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. (NT7) Artigo 3 º da Convenção 131 da OIT: Os elementos a tomar em consideração para determinar o nível dos salários mínimos deverão, da maneira possível e apropriada, tendo em conta a prática e as condições nacionais, abranger: a) As necessidades dos trabalhadores e das respetivas famílias, tendo em atenção o nível geral dos salários no país, o custo de vida, as prestações de segurança social e os níveis de vida comparados de outros grupos sociais; b) Os fatores de ordem económica, abrangendo as exigências do desenvolvimento económico, a produtividade e o interesse que há em atingir e em manter um alto nível de emprego.(NT8)] A Inditex e o preço da t-shirt As multinacionais pagam ao fornecedor entre 1 e 2,80 dólares por uma t-shirt. Isso significa um preço médio de 1,50 euros (NT9). E vendem-no ao consumidor final a uns 12 dólares (10 euros). O lucro líquido, por exemplo, no caso da Inditex, após a dedução de todas as despesas (matérias-primas, trabalho, transporte, publicidade, etc) é, como mencionado acima, 15%. No preço final ao consumidor a incidência do custo do trabalho no Bangladesh é aproximadamente do um por cento, isto é uns 12 cêntimos de dólar (10 cêntimos de euro) por peça. Um simples cálculo permite verificar que se, por exemplo, Inditex consentisse em reduzir seu lucro líquido de 15 para 13 por cento, e esta redução fosse utilizada para aumentar os salários dos trabalhadores, este salário duplicar-se-ia. Mas na realidade ocorre o contrário: as multinacionais pressionam por diferentes formas os fornecedores para que baixem os preços e estes, para tentar manter as suas margens de lucro, mantêm os salários extremamente baixos e não gastam na manutenção dos edifícios onde funcionam as fábricas. Monopsónio: Um dos meios de pressão da empresa multinacional é o monopsónio (situação comercial em que uma empresa é o único comprador de um ou mais fornecedores). O fornecedor deve ceder às exigências do comprador sob a ameaça de perder seu único cliente. Walmart e Carrefour Sem margem para dúvida, as empresas multinacionais da grande distribuição não só sobre-exploram os trabalhadores dos países mais pobres, como também exploram os trabalhadores de seus próprios países: baixos salários, horários prolongados e irregulares e instabilidade. E para evitar resistências espiam e perseguem os sindicalistas e não poucas vezes impedem a formação de sindicatos. São os casos do Walmart e do Carrefour, os dois maiores supermercados mundiais. Os funcionários das empresas de segurança que os supermercados contratam costumam ser ferozes também com os clientes. No final de dezembro de 2009, no supermercado Carrefour, no centro de Lyon, quatro seguranças (dois empregados diretamente pelo Carrefour e dois da empresa privada de segurança Byblos) mataram um jovem que tentava furtar uma lata de cerveja. Os advogados do Carrefour (um deles membro da Federação Internacional de Direitos Humanos-FIDH), deram uma versão dos factos destinada a eximir de responsabilidade do Carrefour, falando sobre o "profissionalismo" dos seguranças e culpando a vítima de estar alcoolizado e oferecer uma resistência violenta. Versão que, na investigação do caso, se revelou totalmente falsa (NT10). O que ocorre em Bangladesh é só uma amostra – extrema – do que significa para a humanidade o capitalismo mundializado. Nike Nos outros sectores industriais a situação é semelhante. A Nike, que é um "modelo" nesta matéria, não tem nenhuma fábrica. Toda sua produção é confiada a 736 unidades subcontratadas em 56 países. Em outubro de 2001, essas fábricas subcontratadas empregavam a mais de meio milhão de pessoas: 455 mil em Ásia (dos quais 176 mil na Chinesa e 100 mil na Indonésia) 35 mil na América Latina, 9.500 em África e 55 mil no resto do mundo. Os 20 mil funcionários que a Nike tem nos Estados Unidos ocupam-se das funções financeiras, do design e do marketing. Os salários oscilavam em 2002 entre 60 e 70 euros por mês na China e na Indonésia, para uma jornada de dez horas diárias seis dias por semana. Isto é, um salário de uns 25 cêntimos de euro por hora (4). E a Nike não se responsabiliza pela situação dos trabalhadores nesses centros de produção (5). Ranking mundial da exploração dos trabalhadores Há uma espécie de escala ou "ranking" mundial da exploração dos trabalhadores. Entre os mais explorados estão os do Bangladesh e de outros países asiáticos, africanos e nas empresa maquiladoras (NT11) da América Latina e das Caraíbas. E entre os relativamente menos explorados estão os trabalhadores de alguns países europeus e dos Estados Unidos. Com estas cinco variáveis, pelo menos, em relação aos países em desenvolvimento: 1) o grau de exploração varia de acordo com os setores produtivos; 2) a exploração é maior quando se trata de trabalhadores estrangeiros (em Alemanha, por exemplo, não existe salário mínimo nacional e os trabalhadores estrangeiros costumam ter um salário inferior aos trabalhadores alemães); 3) a exploração intensifica-se com os trabalhadores "negros"; 4) também é maior quando as empresas subcontratam a realização de determinados trabalhos: execução de obras (por exemplo na construção de barcos), serviços de vários tipos, entre eles a limpeza nas centrais nucleares, onde os riscos para a saúde são muito elevados (6) e 5) a exploração parece menor uma vez que o aumento do custo da vida se modera pelo facto de os trabalhadores poderem comprar produtos baratos (roupa e outros) provenientes dos países onde a exploração é máxima. Assim, de algum modo, os trabalhadores dos países ricos e intermédios dividem indiretamente com as grandes empresas o resultado da sobre-exploração dos trabalhadores dos países mais pobres. O que às vezes os leva a não reagir de forma mais combativa em frente à estagnação ou à diminuição de seus próprios salários reais. Para tratar de evitar que a opinião pública compreenda tudo isto e tire as devidas conclusões, no caso particular de Bangladesh, como é habitual em situações similares, os grandes meios de comunicação (7), os sindicalistas complacentes com o grande capital, algumas ONGs que vendem a fábula da Responsabilidade Social das Empresas e "especialistas" em diferentes matérias confundem as pessoas fazendo crer que o Acordo já foi assinado pelas grandes empresas multinacionais (13 de maio: Um porta-voz de Inditex disse à AFP que o acordo poderia ser assinado formalmente mais tarde, numa data a ser determinada por IndustriALL) e distorcem a realidade do verdadeiro conteúdo do Acordo do 15 de maio, atribuindo-lhe cláusulas sobre diferentes temas inexistentes no mesmo: como ter melhores condições de trabalho, direitos sindicais, preços justos para pagar ao fornecedor, etc.
* Artigo "La catástrofe de Bangladesh. Botón de muestra del capitalismo mundializado" de Alejandro Teitelbaum disponível em castelhano em argenpress.info, publicado em maio de 2013. Traduzido por Bruno Góis para a revista "A Comuna".
Notas 1 – IndustriALL Global Union é uma federação sindical internacional fundada em 2012 a partir da fusão da Federação de Trabalhadores da Indústria Metalúrgica (International Metalworkers' Federation/IMF), da Federação Internacional da Química, da Energia e das Minas (International Federation of Chemical, Energy, Mine) e da Federação Internacional da Indústria Têxtil, Vestuário e Couro (International Textiles Garment and Leather Workers' Federation, ITGLWF). A UNI Global Union apresenta-se como « a voz de 20 milhões de trabalhadores do sector de serviços do mundo ». 2 – Nos últimos anos, verificou-se uma tendência para que fossem as grandes empresas de consultoria a fizer auditoria e controle das empresas multinacionais, tanto em matéria de gestão económica e financeira (o que não é novo) como em matéria de gestão social, laboral e ambiental, o que constitui uma novidade. A auditoria e controle das grandes empresas constitui um novo mercado (o "mercado do controle") que gera lucros significativos para aqueles que realizam essas atividades, lucros que aumentam rapidamente de um ano a outro. "Trata-se de um fenómeno que deu origem a uma nova indústria de assessores e de agências que prestam serviços às empresas em matéria de responsabilidade social" (ver a nota 3).Em meados de 2002 os escândalos financeiros envolveram grandes consultoras como Arthur Andersen, que se desintegrou, a PriceWaterhouse Coopers e a outras, que ficaram numa posição delicada. 3 – Dwight W. Justice (Confederación Internacional de Organizaciones Sindicales Libres) – "El concepto de responsabilidad social de las empresas: desafíos y oportunidades para los sindicatos" In: Organización Internacional del Trabajo (Ed) – La responsabilidad social de las empresas: mitos y realidades. Manuales de Educación Obrera 2003/1. Número 130. p.1. (Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@ed_dialogue/@actrav/documents/publication/wcms_117578.pdf >) 4 – "Les petits pas de Nike" in Alternatives Internationales. 3 (juillet-août) 60-61. 5 – Em maio de 2002, o Supremo Tribunal da Califórnia condenou a Nike por enganar a opinião pública com uma campanha publicitária a respeito das condições de trabalho (que apresenta como boas) nas empresas subcontratadas no sudeste da Ásia, incluindo Vietname. O Tribunal defende que a Nike não pode invocar a Primeira Emenda da Constituição de Estados Unidos (liberdade de expressão) para realizar publicidade enganosa (New York Times, 04/05/02, página A4).7 6 – Ver Annie Thébaud-Mony – "Rationalité instrumentale et santé au travail: le cas de l'industrie nucléaire" in La Gazette Nucléaire. 175-176 (junio 1999) e, da mesma autora Travailleur peut nuire gravement à votre santé. Paris : Ed. La Découverte, 2007-2008. 7 – Os meios de comunicação "informaram" poucos dias após a catástrofe de Bangladesh que umas 300 fábricas tinham cessado as atividades por "razões de segurança". A verdade é que fecharam na sequência dos protestos dos trabalhadores e reabriram três dias depois. Notas do Tradutor NT1 –"Accord on Fire and Building Safety in Bangladesh", disponível em <http://www.industriall-union.org/sites/default/files/uploads/documents/2013-05-13_-_accord_on_fire_and_building_safety_in_bangladesh.pdf#overlay-context=>. NT2: Na legislação portuguesa, este princípio pode ser encontrado na secção IV "Garantias de créditos do trabalhador" do Código de Trabalho, no Artigo 334º "Responsabilidade solidária de sociedade em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo"; o número 4 do Artigo 12º "Presunção de contrato de trabalho" remete para o mesmo princípio no que toca ao pagamento da coima. REPÚBLICA PORTUGUESA – Código de Trabalho. Disponível no site da Comissão para Igualdade no Trabalho e no Emprego em <http://www.cite.gov.pt/pt/legis/CodTrab_indice.html>. NT3 – Link referenciado pelo autor <http://www.ethique-sur-etiquette.org/Aminul-Islam-assassine,120>. NT4 – Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. Data de conclusão 10/06/1958. Local de conclusão. Nova Iorque. (Disponível no site do Gabinete de Documentação e Direito Comparado em <http://www.gddc.pt/siii/docs/rar37-1994.pdf >; Portugal é Estado parte desde 18 de outubro de 1994). NT5 – A/HRC/17/31, Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre as Empresas e os Direitos Humanos. (Disponível em Inglês em <http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Business/A-HRC-17-31_AEV.pdf > e em Castelhano em <http://www2.ohchr.org/SPdocs/Business/A-HRC-17-31_sp.doc>) NT6 – Disponível no site da Inditex em castelhano em <http://www.inditex.com/es/quienes_somos/nuestro_grupo> e em Inglês em <http://www.inditex.com/en/who_we_are/our_group>. NT7 – Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em <http://dre.pt/comum/html/legis/dudh.html>. NT8 – Organização Internacional do Trabalho. Convenção n.º 131. Relativa à fixação dos salários mínimos, designadamente no que respeita aos países em vias de desenvolvimento. Disponível em < http://www.dgert.mtss.gov.pt/conteudos%20de%20ambito%20geral/oit/legislacao_oit/conv_131_dec_77_81.htm>. NT9 – Link referenciado pelo autor: <http://www.alibaba.com/product-tp/137230745/100_cotton_men_T_shirt.html>. NT10 – Link referenciado pelo autor: <http://www.liberation.fr/societe/0101611568-une-mort-en-direct-sur-la-videode-carrefour>. NT11 – As maquilas ou empresas maquiladoras, termo originário do México, são empresas que importam materiais sem o pagamento de impostos a fim de proceder à sua transformação, sendo que o produto do trabalho volta ao país de origem das matérias importadas, não sendo comercializado no país onde é produzido.
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