A Constituição foi de férias? |
Sábado, 17 Agosto 2013 | |||
Nenhuma lei resiste sem força social. A lei suprema do nosso país, a Constituição da República Portuguesa, não é exceção. A Assembleia Constituinte não foi buscar aos céus os artigos que gravou no alicerce da nossa democracia. Fundou-se na vontade do povo. Vontade que foi possível porque o braço forte dos jovens capitães abriu com um golpe decisivo as portas de Abril. Foi a perspetiva da guerra que politizou a juventude e, abertas as portas, o povo saiu às ruas, aprendeu rápido o que pensava nunca vir a saber. O povo começou uma revolução. O direito dos exploradores vergou-se ao direito dos explorados. O processo revolucionário não pediu licença para organizar comissões de trabalhadores, comissões de moradores, ocupar terras e fábricas, fazer dos palácios escolas. "Só há liberdade a sério quando pertencer ao povo o que o povo produzir" é a banda sonora deste movimento passado e do futuro do movimento. É certo que o processo revolucionário tinha (sido) terminado em novembro de 1975. Porém a força popular e o espaço aberto para o povo decidir sobre o seu futuro, para erguer-se das trevas e querer conquistar o fogo do sol para semear na terra, essa força permitiu que os avanços da luta popular fossem escritos na Lei. Direitos sociais e políticos, nacionalizações, órgãos de democracia popular, de base. A constituição prometia "abrir caminho para uma sociedade socialista". Podemos sorrir hoje com a declaração de voto FAVORÁVEL do CDS ao artigo 1º da Constituição: "O Grupo Parlamentar do CDS deseja declarar que votou o artigo 1º porque a referência ao objetivo da transformação da sociedade numa sociedade sem classes consta da declaração de princípios do CDS (...)". Bem sabemos que na votação final da Constituição, já em Abril de 1976, o mesmo CDS, então em nome do "personalismo de inspiração cristã", foi o único partido a votar contra o texto final da Constituição por a considerar "paternalista", por assegurar "relações de produção socialistas". Na outra ponta do espectro da constituinte, o deputado da UDP, saudando a Constituição, sublinhava que embora a Constituição servisse de barreira contra as forças reacionárias, "é a luta do povo e só ela que é decisiva". A história depois tu conheces, pá. Em resumo, basta olhar à volta. Fazer estas notas no calor de um Verão quente nas temperaturas, mas não no termómetro revolucionário, não são saudades de nada para quem tem 27 anos nesta democracia de 39 anos. É apenas uma pausa em tempos de estraçalhamentos dos nossos direitos sociais: país colonizado, 15,7% de desemprego oficial, 40% de desemprego jovem, sem contar com os que partiram, roubo às pensões, salários de miséria, aumento da desigualdade entre homens e mulheres, destruição dos serviços públicos. São tempos de ataques conservadores aos direitos sociais e políticos: cada uma no seu lugar, e milhares na fila da caridade. A Constituição foi de férias? Não sei. Só sei que para haver direito às férias, ao lazer, à cultura, à felicidade, o povo precisa de se erguer de novo. E é decisivo o papel das jovens tabalhadoras e dos jovens trabalhadores, "exército precário" na reserva, e do seu braço forte. A democracia precisa de nós. Bruno Góis
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