Aborto ilegal é violência estatal |
Domingo, 28 Setembro 2014 | |||
A 28 de Setembro, por toda a América Latina, sucedem-se as ações contra a criminalização das mulheres que abortam. Esta data foi aprovada em 1990, no 5º Encontro Feminista Latino Americano e Caribe, realizado na Argentina.
Artigo de Manuela Tavares
RESUMO: Este artigo aborda a situação do aborto na América Latina, com especial enfoque no Brasil devido à conjuntura atual de eleições presidenciais. A 28 de Setembro, por toda a América Latina, sucedem-se as ações contra a criminalização das mulheres que abortam. Esta data foi aprovada em 1990, no 5º Encontro Feminista Latino Americano e Caribe, realizado na Argentina. Neste texto não se deixa de abordar o risco de recuo da legislação favorável à despenalização do aborto, devido às pressões conservadoras que grassam na Europa, apesar da recente notícia de recuo da lei Gallardón no Estado Espanhol, uma vitória das feministas que ao longo dos últimos meses se manifestaram contra tal lei. "Aborto ilegal é violência estatal" é o lema da campanha do dia 28 de Setembro na Nicarágua, país onde as mulheres foram impedidas de se manifestar no dia 8 de Março deste ano pelo direito à despenalização do aborto. Segundo a ginecologista Maria Pizarro, em Setembro de 2006, a lei que autorizava o aborto terapêutico, desde 1837, foi alterada e surgiu a penalização do aborto, dando origem a uma total desproteção das mulheres perante as complicações dos abortos clandestinos e inseguros, o que constitui uma forma cruel de violência. Segundo a Organização Mundial de Saúde, em cada dia realizam-se 55 mil abortos clandestinos e inseguros no mundo e destes 95% têm lugar na América Latina e Caribe. Acresce, ainda, que 99% da mortalidade materna no mundo tem origem em abortos feitos na ilegalidade e de forma insegura, pelo que esta situação constitui um grave problema de saúde pública. Apenas em Cuba, Uruguai, México e Guiana o aborto é legal. Nos restantes países o aborto só é permitido em casos de má formação do feto (e não em todas as situações), em casos de violação e de perigo de vida para a mulher, mas em muitos países nem mesmo esta limitada lei é aplicada. Na Argentina, 28% das mulheres que morrem nas urgências ginecológicas realizaram abortos clandestinos. Trata-se de uma questão crucial da saúde pública. Mas, a despenalização do aborto é também uma dívida da democracia em relação às mulheres argentinas. No Chile, em democracia desde os anos de 1980, só em 2011 foi aprovada na Comissão de Saúde do Senado uma moção para se vir a legislar sobre o aborto terapêutico, ainda proibido. Estimam-se entre 150 mil a 200 mil abortos clandestinos por ano. Michelle Bachelet está a procurar legalizar o aborto, mas apenas em três casos, perigo de vida para a mãe, má formação do feto ou caso de violação. Até agora, o aborto era proibido em todos os casos, mas a nova legislação, ao não permitir que a interrupção da gravidez se faça apenas por decisão da mulher, não irá resolver as graves situações de abortos inseguros que irão ocorrer. Na Colômbia calcula-se a existência de 400 mil abortos clandestinos por ano, com 48% de complicações; destas 18% são muito graves e exigem internamento hospitalar. O aborto clandestino é considerado a terceira causa de morte materna. O mesmo acontece na Costa Rica. Em El Salvador, desde 1973 que o aborto não era proibido por má formação do feto, perigo de vida para a mulher e violação. Contudo, em 1997, foram eliminadas todas as formas de aborto devido à pressão da igreja católica, dos movimentos "pela vida" e da direita. A constituição foi alterada e no seu artigo 1º, parágrafo 2, declara-se que o Estado deve proteger a vida humana desde a sua concepção. Os profissionais de saúde são obrigados a denunciar as mulheres que chegam aos hospitais com complicações de aborto clandestino. Acresce, ainda, a situação de 30% das adolescentes engravidarem, em muitos casos por abusos e violência sexual dentro da família. A Guatemala, com 65 mil abortos clandestinos e 25 mil mulheres com complicações pós aborto constitui um quadro penoso, em especial para as mulheres rurais com poucos recursos que se sujeitam a práticas ancestrais de aborto por não terem 500 dólares para darem a um médico que o pratica também na clandestinidade, mas com maior segurança de saúde. No Perú, Paraguai, Venezuela e Equador só é permitida a interrupção da gravidez quando a vida da mãe está em perigo. Os números de aborto clandestino são muito elevados. No Brasil, o aborto é a 4ª causa de morte materna. Estima-se a existência de um milhão de abortos por ano. Uma mulher aborta em cada sete e 55% das complicações de saúde das mulheres entre os 18 e 29 anos devem-se a abortos clandestinos e inseguros. Existem muitas mulheres condenadas por terem feito um aborto. 1600 mulheres morrem por ano de aborto clandestino. A situação paradoxal de um país, tido como uma futura "potência mundial", com uma mulher na presidência e outra candidata que fecham os olhos, que calam o que se passa com os direitos sexuais e reprodutivos no seu país. Dilma Rousseff com 37% das intenções de voto não quer perder influência, embora muitas feministas afirmem que se trata de uma total cedência às hierarquias religiosas, pois não reflete a posição maioritária do eleitorado sobre a despenalização do aborto. Marina Silva, fundamentalista evangélica, é contra a despenalização do aborto e satisfaz a sua clientela eleitoral. As "Católicas pelo Direito de Decidir" afirmam em comunicado recente: "É um dever ético e político de candidatas e candidatos dar a devida atenção à saúde das mulheres e propor ações que causem impacto nas causas da morbidade e mortalidade materna e que permitam o exercício pleno dos seus direitos. Ao invés de se curvarem à exigência de lideranças religiosas que têm condicionado o apoio da sua igreja e dos fiéis nas urnas ao seu posicionamento de repúdio à questão do aborto, deveriam tratar a temática com responsabilidade e não com fins eleitoreiros, dadas as consequências reais para a vida das mulheres. [...] Defendemos a legalização do aborto porque é uma questão de saúde publica e de respeito aos direitos e à cidadania das mulheres". ( "Candidatas e candidatos, o que têm a dizer?"catolicas.org.br) A artista plástica Maria Galindo que levou este ano à Bienal de S. Paulo a obra "Ùteros Ilegais" declarava à comunicação social brasileira: "Quem tem medo de debater o aborto? Subir a um palanque e dizer: eu sou a favor. Não do aborto, claro – da despenalização do aborto. No Brasil, os principais candidatos às eleições presidenciais preferem o silêncio. Ou jogam a cartada da democracia adivinhando resultados de eventuais referendos num país muito marcado pela religião. É o caso de Marina Silva, que é contra, seguindo os preceitos evangélicos que a levaram a retirar a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo do seu programa de governo [...]. A penalização do aborto é algo que atinge as mulheres pobres e jovens. É uma questão de classe. Tens dinheiro, ainda que seja ilegal, praticas um aborto; não tens dinheiro, morres". Feministas brasileiras consideram que o aborto se transformou em moeda de troca para ganhar votos e que as concessões políticas feitas representam ameaças democráticas porque comprometem o princípio do Estado laico. Para as feministas o direito ao aborto, a opção por ter ou não filhos e o livre exercício da sexualidade são requisitos básicos de justiça social e de consolidação das democracias. (Silvia Pimentel, 2012) Segundo a investigadora Lucila Scavone, um dos pontos fracos das lutas feministas pelo aborto tem sido a impossibilidade material e simbólica de atingir um público maior, já que o filtro dos meios de comunicação e das instituições educacionais e religiosas, na maioria das vezes, evita ou amaldiçoa o tema. A cada possibilidade de despenalização do aborto as forças conservadoras contra-atacam, cada vez com maior agressividade, cooptando a opinião pública favoravelmente. Esse é um desafio a ser enfrentado pelas feministas brasileiras empenhadas nessa luta. (Scavone, 2008) Os desafios colocados às feministas brasileiras e da América Latina são enormes, perante o quadro traçado. Contudo, o avanço dos conservadorismos na Europa não nos pode deixar descansadas/os, perante retrocessos civilizacionais que podem acontecer, mais a mais num quadro político neoliberal e austeritário. A tentativa do governo do Estado Espanhol de fazer recuar a lei e fazer regressar as mulheres ao aborto ilegal e inseguro é um exemplo do que pode vir a acontecer. As ações desenvolvidas pelas feministas ao longo destes últimos meses fez recuar o governo do PP e fazer cair o ministro Gallardón. O dia 28 de Setembro constitui um dia de luta não só das feministas da América Latina e Caribe, mas de todas as mulheres que tendo alcançado o direito a dispor do seu corpo e da sua sexualidade, fazendo as escolhas possíveis em relação à maternidade, não querem recuar nos seus direitos sexuais e reprodutivos. Este dia é também o dia de ação global pelo acesso ao aborto legal e seguro. Lembra-se, a este propósito, a reunião de 22 de setembro em Nova Iorque onde diversos países "celebraram" uma agenda inacabada e muito limitada nos seus resultados e que foi adoptada há duas décadas na Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento. Entre as palavras e os atos dos governantes distam vários oceanos inavegáveis pela falta de vontade, de coerência e de políticas públicas adequadas. Manuela Tavares Ativista feminista e investigadora em EMGF
|
A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
Karl Marx