A experiência de Kobanê irá perdurar |
Quinta, 16 Outubro 2014 | |||
Há cerca de um mês que os terroristas do Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS ou EIIS) lançaram a sua ofensiva sobre Kobanê. Os bravos homens e mulheres de Kobanê têm enfrentado corajosamente e das formas mais heróicas essa forças do obscurantismo.
Artigo de Houzan Mahmoud, ativista curda pelos direitos das mulheres
Os combantentes do EIIS são altamente treinados e bem equipados com dinheiro, recursos, tanques, armas e as últimas tecnologias. Esse arsenal tem sido utilizado com o objectivo de destruir Kobanê e a sua população. Acresce que a Turquia – a par de outros governos reacionários da região – foi denunciada como estando a ajudar e a apoiar o EIIS. Kobanê ficou isolada mas a sua população tem resistido sem qualquer fornecimento logístico ou de armas. O seu principal recurso tem sido a sua própria força de vontade, determinação e ideais humanistas. É este o recurso que os tem mantido. Lutam por uma política visionária de justiça social, igualdade de género e secularismo. Defrontam uma das mais brutais forças dos tempos modernos. O EIIS e a respectiva visão da sociedade são totalmente opostos a Kobanê. A agenda do EIIS é da Idade Média: assassinios, decapitações, mutilação de mãos, obrigar as mulheres a usar véu e um apartheid de género, bem como violações e escravidão sexual. Num comunicado, o EIIS declarou que os curdos não são muçulmanos e têm que se submeter à vontade do EIIS e pagar-lhe impostos. Caso contrário, o seu sangue, suas mulheres e crianças serão "Halal", ou seja, o EIIS irá matar e violar as mulheres curdas. Os EUA e o Ocidente viraram as costas a Kobanê, e dizem que não é problema deles se Kobanê cair. Os seus alegados bombardeamentos aéreos sobre o EIIS não têm sido efectivos. Porque é que o Ocidente não está interessado em apoiar os curdos de Kobanê? Antes de mais, eu pessoalmente nunca desejarei uma intervenção dos EUA ou do Ocidente em qualquer parte do Médio Oriente. Pois cada vez que isso acontece, deixa a população enredada num longo e infidável conflito, de violência e desordem política. Os governos que instalam só trazem mais repressão e clivagem a sociedades desvastadas. Foi o Ocidente quem levianamente traçou as fronteiras e dividiu o Curdistão em quatro pedaços, e desde então, geração atrás de geração tem sofrido com guerra, constante violência política, terror de estado, prisões, privações, execuções e genocídio. Há cerca de três anos, desde o início da sublevação síria, o povo curdo levantou-se, depois de durante muito tempo ter sido reprimido e privado dos seus direitos mais básicos. Nesse período, emergiu um novo modelo político baseado e defensor da experiência de auto-governo colectivo. Kobanê é um exemplo em perigo de autonomia política extraordinariamente democrático, secular e igualitário. Em que metade dos cargos oficiais são ocupados por mulheres, em que as pessoas desenvolvem as suas actividades comunitárias sem olhar a origens étnicas ou religiosas. É uma democracia local centrada na comunidade, que rejeita explicitamente a forma de estado-nação e assume a defesa do ambiente e a ecologia. Estes princípios chocam com os objectivos das potências ocidentais que sempre pretenderam um Médio Oriente conflituoso e dividido na base de diferenças étnicas, religiosas e tribais. Acresce que a igualdade de género e os direitos das crianças estão no centro do programa social do povo revolucionário de Kobanê. Tem-se visto muito pouco apoio dos governos ocidentais à luta dos bravos lutadores pela liberdade/peshmerga e é bastante óbvia a razão porque não querem apoiar Kobanê. Recusam-se a apoiar porque não é o tipo de modelo político e de sociedade que o Ocidente pretende. O único modelo de sociedade que promovem é a neoliberal, assente no individualismo, nos mercados e na divisão de classes. Para este modelo não interessa o colectivismo, os ideais políticos e revolucionários. O que nele impera é o carreirismo e o consumismo. O exemplo de Kobanê não encaixa portanto no modelo neoliberal de regimes etno sectários como os que os EUA e o Ocidente instalaram no Afeganistão e no Iraque após a ocupação. Kobanê é diferente: é uma política popular e inclusiva; com a igualdade de género no seu âmago. O mercado livre e o individualismo egoísta não são defendidos por estes lutadores. O que está a acontecer em Kobanê é uma nova revolução a todos os níveis. Fazer frente ao EIIS e manter uma experiência de gerir a sociedade na base de ação colectiva, igualdade de género e progresso cultural é um exemplo extraordinário. Kobanê e a sua população – tanto homens como mulheres – estão empenhados na sua causa e estão estabalecendo um novo exemplo de uma política nova para o Médio Oriente. O Ocidente não tenciona ver esta causa a espalhar-se. Não irá aceitar ou tolerar uma alternativa ao capitalismo como esta. Vivemos num mundo onde as pessoas são reduzidas ao sectarismo religioso, étnico e tribal. O Médio Oriente tem sido há muito tempo palco desse género de política em que um grupo oprime outro na base de uma clivagem religiosa e étnica. As mulheres e homens revolucionários de Kobanê estão demostrando uma nova alternativa de solidariedade humana, ultrapassando fronteiras de género, classe, religião e etnia. Acredito que a experiência de Kobanê e o seu exemplo de revolução e luta pela liberdade irão perdurar. Kobanê não falhará nem será derrotada. Houzan Mahmoud, ativista curda pelos direitos das mulheres MA in Gender Studies (SOAS-University of London), cursando o MA in Cultural Studies (Goldsmiths University)
Publicado originalmente em The Huffington Post. Tradução de Luís Carvalho.
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