Cinema: A Mãe (Pudovkin, 1926; Gorki) |
Segunda, 11 Maio 2015 | |||
A personagem "Mãe" é de facto demonstrativa de um processo de tomada de consciência de classe.
Artigo de Sandra Almeida
A Mãe Baseado na obra de Maxim Gorki Realização: Vsevolod Pudovkin URSS, 1926
Há filmes que realmente vale a pena ver ou rever. E assim é porque a mensagem implícita ou explícita está sempre lá, ou seja, está sempre neles; porque neles está o Homem, a sua condição e, nesse âmbito, o que interessa recuperar e valorizar, é algo de inequívoco, não só mas particularmente, em determinadas épocas, contextos ou circunstâncias. A Mãe, versão cinematográfica da obra de Gorki, é um desses filmes. Sem dúvida que o tempo em que vivemos, com a imposição da Austeridade por parte do poder financeiro e do poder político de cariz neoliberal e social-liberal, com as respetivas consequências a nível económico, político e social, é particularmente propício para a visualização ou revisitação de realizações culturais que se debruçam sobre realidades mais ou menos recuadas no tempo ou mesmo sem tempo específico determinado, e que disponibilizam ao público, de forma séria e cuidada, as situações e condições com que o Homem em geral ou determinados grupos se viram confrontados, preparando e atuando no sentido de alteraram essas mesmas realidades, por razões de natureza vária, sempre no sentido da melhoria e do progresso. Numa época em que o que impera a nível de produção cinematográfica é a apresentação de filmes de baixa qualidade, porque o que realmente importa é conseguir o lucro fácil a partir dessas mesmas produções, em detrimento da relevância e substância da mensagem inerente à produção e que se pretende fazer passar, quando se consegue ter acesso ou recuperar filmes de grande qualidade, é um ganho que não pode ser esquecido e que deve ser referenciado. Datado de 1926, A Mãe leva-nos até à revolução falhada de 1905 na Rússia de Nicolau II. O filme apresenta-nos as más condições de vida dos operários e das suas famílias; aborda a tentativa de realização de uma greve numa determinada fábrica, greve essa resultante da tomada de consciência de classe de um conjunto de operários; põe em confronto este grupo de operários (denominados "os grevistas") com um outro (os "não grevistas") que, independentemente da sua situação de classe, da mesma não tem consciência e por isso se posiciona contra os colegas, quer impedindo a sua atuação, quer aliciando outros com fragilidades várias, quer fazendo denúncias à administração da fábrica, quer ajudando o exército e a polícia nas respetivas perseguições e posteriores atuações. O filme apresenta ainda o conformismo e o medo vivido particularmente por esses indivíduos e suas famílias, na medida em que a miséria e a obediência às autoridades é vista e encarada como inevitável devendo por isso ser respeitada. Visível, também a conjugação de forças desfavoráveis à luta operária, à conquista de direitos e da respetiva dignidade humana: o Exército, a Polícia, os Juízes. Toda a sociedade estava, pois organizada para defesa do Czar e pela manutenção de determinada ordem social. As diferenças sociais deviam, neste contexto, ser mantidas, as elites respeitadas e o desenvolvimento e distribuição da riqueza verificar-se só para e a favor de alguns. Temos, portanto, um filme que apresenta e denuncia um sistema político, económico e social baseado nos títulos, no poder do dinheiro, nas desigualdades e na cumplicidade entre as elites. Excluídos de dignidade e de direitos, aqueles que através da sua força de trabalho criam riqueza mas não são parte da distribuição da mesma. Quanto à personagem "Mãe", ela é de facto demonstrativa de um processo de tomada de consciência de classe. Ao longo do filme vemos essa evolução plenamente integrada no desenvolvimento da ação e dos acontecimentos. Assim, numa primeira fase, vemos uma mulher resignada com a pobreza em que vive e que, depois da morte do marido (no âmbito da greve falhada), tem medo relativamente ao destino do filho- Pavel (que descobre envolvido nas lutas); temos também uma mulher que mostra uma grande ingenuidade face ao que é proferido, neste caso, por membros do exército sendo que dessa ingenuidade resultará a detenção do filho. Numa segunda fase, já depois de um julgamento com decisão pré-determinada e da prisão do filho, temos uma mulher que se torna cúmplice da luta em curso, fazendo chegar ao filho preso mensagens dos amigos deste. Numa terceira fase vemos uma mulher que participa numa grande marcha operária realizada no dia 1 de maio (no âmbito da qual se integrava a fuga planeada de Pavel) e que sente renovadas as suas forças quando o filho a ela se junta depois da uma fuga que acaba por ser conseguida. O clímax do filme, que é também o ponto alto da força desta mulher, é quando, depois da intervenção brutal da política, provocando um número considerável de mortos, inclusive Pavel, esta agarra na enorme bandeira que desde o início da marcha se vê erguida na frente na mesma, e com ela desfila em direção às forças policiais que continuam o seu avanço sobre os manifestantes. Sofrimento e força atingem o seu ponto máximo. A mulher, a mãe está lá, na luta, representando também o filho até que... é morta. E como ela sente a dor, como sente... Estamos, realmente, perante um excelente filme. Aconselho a sua visualização. Não só, mas em especial, nestes tempos difíceis em que o mundo do trabalho está a ser particularmente atacado com despedimentos, cortes nos salários, destruição de carreiras, precaridade, retirada de direitos, aumento dos horários de trabalho, limitações crescentes à atuação dos sindicatos, etc. Um filme que, sem dúvida, nos faz pensar sobre os retrocessos verificados neste presente cada vez mais cheio de desregularizações e em que a dignidade humana e a democracia estão seriamente postas em causa. Sandra Almeida
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