O Luxemburgo e a sua democracia minoritária |
Terça, 16 Junho 2015 | |||
Uma coisa ficou clara com o Não no referendo ao direito de voto dos imigrantes no Luxemburgo: Se os imigrantes querem ver os seus direitos reconhecidos, vão ter de lutar por eles
Artigo de Jessica Lopes, luxemburguesa luso descendente, ativista da Solidariedade Imigrante
No dia 7 de Junho os Luxemburgueses deram uma mensagem muito clara aos seus imigrantes e descendentes de imigrantes: O 'Não' ao direito de voto dos cidadãos estrangeiros nas legislativas venceu de forma angustiante, com 78% dos votos, dececionando as esperanças de muitos portugueses que representam, com 16% da população, a maior comunidade estrangeira no Luxemburgo. Depois desta derrota resta-nos tentar entender o que esse 'Não' realmente significa. Por isso é importante percebermos a situação muito específica em termos demográficos do Luxemburgo, como também a situação politica tensa que vive o país neste momento e que sem dúvida teve a sua influencia neste resultado. Luxemburgo – Uma situação demográfica única na Europa O Grão-Ducado do Luxemburgo sempre teve uma vasta experiência em imigração. Os italianos que chegaram aos milhares nos inícios do século XX para trabalhar nas fábricas de aço, as numerosas famílias de portugueses que vieram trabalhar no setor dos serviços e da construção desde meadas dos anos de 1960, os refugiados da ex-Jugoslávia que encontraram proteção no início dos anos 1990 e os eurocratas que se instalaram com a instalação das instituições europeias, fazem com que hoje mais de 44% da população não tenha a nacionalidade luxemburguesa. Até aqui tudo bem. O problema começa quando nos apercebemos que esses residentes estrangeiros que vivem e trabalham no Luxemburgo e contribuem assim e desde sempre, para o desenvolvimento do país, têm as mesmas obrigações que os 'nacionais', sem entretanto poderem gozar dos mesmos direitos. Negar o direito de voto aos estrangeiros, priva quase metade da população de exercer a sua cidadania e assim, de participar concretamente na construção do Luxemburgo do futuro. Essa percentagem vai continuar a crescer e a divisão entre o eleitorado e a população residente irá, portanto, continuar a aumentar. Um "défice democrático" foi mesmo o principal argumento dos que estão a favor do direito de voto dos estrangeiros. Os protagonistas dessa luta foram o primeiro-ministro Xavier Bettel como também a associação de defesa dos direitos dos imigrantes ASTI que através da plataforma "Migrations et Intégrations", fez companha para sensibilizar a população sobre a importância do direito de voto para todos/as. Viver, trabalhar e decidir juntos, foi o lema que sempre defenderam. Luxemburgo – Uma sociedade que continua tradicionalista O Luxemburgo foi governado durante 19 anos seguidos pelo seu ex primeiro-ministro Jean-Claude Junker do Partido Popular Social Cristão (CSV). O ex-primeiro-ministro muito popular sempre foi apreciado por ser um político próximo do povo e conservador dos valores tradicionais. Foi em Dezembro 2013 depois de um terramoto político que tocou o Luxemburgo que o governo mudou. Uma mudança talvez radical: O governo é hoje composto por uma coligação de três partidos (liberais, socialistas e ecologistas) e o primeiro-ministro Xavier Bettel manifestam desde o início uma vontade de mudança e de modernização. Ele quer fazer do Luxemburgo «Um pais moderno e reconhecido como tal». O reformador muito apressado deverá talvez acalmar a sua pressa: os Luxemburgueses demostraram que continuam a ser um povo tradicionalista e conservador. Com o referendo, o Luxemburgo viveu um momento importante da sua democracia. Foi o primeiro país da Europa a ter questionado o alargamento do seu corpo eleitoral e que colocou a questão de dar o direito de voto aos estrangeiros. Muitos hoje interpretam esse fiasco com a vitória do "Não", como uma mensagem do povo para o primeiro-ministro que quer forçar a mudança. O significado do 'Não' para os imigrantes Enquanto luso-descendente a quem foi negado o direito de voto o que me preocupa hoje, são as consequências destes resultados sobre a coesão social do povo e os efeitos que isto terá na construção duma identidade nacional. A mim quando me perguntam de onde eu sou, respondo sem hesitar «Eu sou do Luxemburgo». As minhas raízes podem estar a milhares de quilómetros, mas é o Luxemburgo que eu escolhi para fazer a minha vida, pais onde toda a minha família escolheu trabalhar e que me permite ser uma mulher livre e independente. País que me deu a oportunidade de fazer o que mais gosto. O Luxemburgo faz parte da história da minha família e constrói a nossa identidade. Nunca imaginarei envelhecer num outro sítio. Mas será que o "meu" país também gosta tanto de mim? Porquê é que não me quer deixar fazer parte das decisões? Será desconfiança, por eu ou os meus pais não termos nascido aqui? Não sei... «Quando soube dos resultados eu senti que eles têm medo de nós. Têm medo do que poderia acontecer se também tivéssemos os mesmos direitos que eles» comenta o Luca um luso-descendente como eu. Hoje, mais do que nunca, o Luxemburgo está dividido em dois; dum lado, os luxemburgueses e do outro lado os estrangeiros. E cada lado com os seu direitos. O Luxemburgo está a violar os direitos humanos. O seu artigo 21 diz que «... o povo deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual...». Não podemos continuar a fingir que o Grão-Ducado é um bom exemplo de interculturalidade e de democracia. Hoje, são os imigrantes que devem dizer 'Não'. Neste momento, quase metade do povo não pode votar. O parlamento não é representativo de todo um povo mas sim apenas de 50%. «Queremos ficar como somos» diz uma expressão popular luxemburguesa que se refere à ambição do povo luxemburguês a continuar independente. O grande erro foi de pensar que impedir aos imigrantes de participar de forma concreta na construção do futuro, iria proteger a identidade nacional dos luxemburgueses e permitir que eles fiquem o que são. Mas afinal de contas o que é a identidade nacional luxemburguesa? Na verdade o Luxemburgo sempre foi um país multicultural que precisa dos seus imigrantes como eles precisam dele. A imigração sempre foi uma parte muito importante do desenvolvimento do país e tem um papel indispensável na sustentabilidade do sistema. O medo não se justifica, sobretudo porque a identidade nacional é algo que evolui permanentemente, e que o direito de voto dos estrangeiros, longe da empobrecer só fortalece essa identidade nacional. Além disso, pelo resto do mundo, o carater internacional e multilinguístico do país, é já a verdadeira identidade do Luxemburgo. O direito de voto permitiria que os residentes estrangeiros se sentissem reconhecidos e representados e promoveria sem dúvida, a integração dos imigrantes. Negando esse direito, excluem os estrangeiros da participação política nacional. O direito de voto ligado à residência e não à nacionalidade é uma ferramenta indispensável pela coesão social e para o futuro do Luxemburgo, dando sentido à justa reivindicação "Aqui Vivo, Aqui Voto". Terminaria com uma análise do jornalista Marco Goetz que diz o seguinte: "O Luxemburgo perdeu a oportunidade de dizer ao mundo, Olha, nós somos cidadãos do mundo e, mesmo se não somos um grande país em termos de área, por isso ainda somos Global Player. 'Para nós, o mundo está em casa' poderia ter sido o lema do nosso país. Infelizmente isso não aconteceu. Hoje, o que esse 'Não' deixou ao Luxemburgo uma cicatriz no rosto." Até quando é que o Luxemburgo vai conseguir reservar os direitos fundamentais só aos luxemburgueses e excluir de todas as decisões os imigrantes quando são eles também que contribuem para a riqueza do país? Uma coisa ficou clara com este referendo: se os imigrantes querem ver os seus direitos reconhecidos, vão ter de lutar por eles. Jessica Lopes Luxemburguesa (nascida no Luxemburgo, filha de pai português e mãe Italiana) luso descendente, Ativista da área da Interculturalidade e Cidadania na Solidariedade Imigrante-Associação para a defesa dos direitos dos imigrantes
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