Conferência em Viena sobre “Esquerda e Feminismo” Versão para impressão
Domingo, 29 Março 2009

Um convite de Birge Krondorfer1 na altura do Congresso Karl Marx em Lisboa, levou-me a Viena de Áustria para participar numa conferência organizada pela rede EL FEM (European Left Feminism) e pelo KPO (Partido Comunista da Áustria). Fui apresentada como investigadora em estudos sobre as mulheres, como membro de uma associação feminista e do Bloco de Esquerda, mas falando em nome pessoal.

Texto de Manuela Tavares

O folheto da Conferência em inglês tinha o sugestivo título: "How Feminist is the Left? How Left is Feminism?". Um debate aprofundado, numa assembleia de 120 mulheres, teve lugar em torno de questões como: o conceito de género e a neutralização das reivindicações feministas (Tove Soiland- Suiça); pós-socialismo e feminismo (Maria Jóo - Hungria); interdependências entre racismo, sexismo, classismo e política (Maureen Eggers - Alemanha) e a minha intervenção sobre feminismos e marxismo que despertou bastante interesse, tendo-me sido solicitado o power point em inglês que apresentei, por parte de Magda Kousiantza da Grécia, de Rosário Gálvez de Sevilha e de algumas jovens austríacas.

A conferência principal esteve a cargo de Frigga Haug, uma destacada investigadora alemã, cuja comunicação me deixou algumas preocupações. Partindo de algumas questões por resolver na teoria marxista: a ligação entre a produção e a reprodução e a fraca valorização atribuída a esta última esfera, Frigga Haug avança com a ideia de que as relações de género são relações de produção. Desta forma, o trabalho doméstico e familiar deixaria de ser algo à parte e a actividade reprodutiva passaria a ter a mesma dimensão que outras áreas de intervenção na sociedade, dado que contribuía para a criação e manutenção da vida humana. Num texto publicado na Internet: "For a life more just: the four-in-one-perspective", Frigga Haug defende quatro dimensões de vida em sociedade com igual peso: a esfera laboral, a reprodutiva, a política e a do desenvolvimento pessoal. Deste modo, estas quatro dimensões da vida humana teriam igual peso, correspondente a um período de 4 horas por dia. Uma política emancipadora passaria pela valorização destas quatro esferas, sendo que a do cuidado e da família passaria a ser vista como uma área onde ninguém teria que ser penalizado por a ela estar dedicado, inclusive as mulheres.

Tratando-se de um outro modelo de sociedade, mais equilibrado, com um novo ajustamento da gestão do tempo, esta proposta colheu o apoio da esmagadora maioria das austríacas, sem que algumas reservas fossem colocadas sobre as consequências da aplicação deste modelo no actual contexto, pois era dessa questão que se tratava, quando Frigga Haug afirmou ter sido solicitada pelo Partido da Esquerda Europeia para incorporar este seu pensamento no programa.

As vozes que questionaram, entre as quais a minha, foram poucas. Uma mulher de origem turca perguntou como seria possível uma mulher sobreviver trabalhando 4 horas por dia a ganhar a 5 euros à hora. Uma representante da Grécia falou de que este modelo implicaria uma maior redução dos serviços públicos de apoio às famílias e um aumento do trabalho a tempo parcial para as mulheres. A questão que apresentei foi tibiamente respondida. No modelo apresentado, em que as relações de género, uma vez integradas nas relações de produção, deixavam de ter autonomia, como seriam resolvidos os problemas da violência contra as mulheres, pois as contradições entre os sexos apareciam diluídas num modelo em que as relações de poder e de dominação masculina não estavam colocadas. Tudo seria então resolvido, segundo a conferencista, pela educação.

Sem pretender entrar num debate aprofundado sobre o modelo de organização da vida social apresentado, não resisto a colocar algumas questões. Se é um facto que a dicotomia entre o "público" e o "privado" na vida das pessoas deve tender a diluir-se; se é um facto que as tarefas do cuidado devem ser mais valorizadas socialmente, a solução tem de passar pela maior partilha entre homens e mulheres e pela criação de estruturas sociais que apoiem parte desses cuidados, como algo que a sociedade e os governos têm de assumir. Valorizar as tarefas do cuidado não passa por mentalizar as mulheres de que elas não têm de se sentir penalizadas por as assumirem, pois este tipo de posições apresenta contornos de um feminismo de direita que grassa em alguns países nórdicos e na Alemanha. Recordo, a economista alemã Eva Herman, que é autora de um "tratado" de 262 páginas contra o feminismo, no seu livro: O Princípio de Eva onde afirma: "Fomos facilmente seduzidas pelas oportunidades de carreira, quando de facto é mais salutar o mundo saudável e colorido das crianças e a atmosfera do lar, em vez de um local de trabalho frio e nalguns casos solitário". Eva Herman e Christa Muller são protagonistas de uma campanha na Alemanha para reivindicar mais ajuda para as donas de casa de modo a que as mulheres troquem o seu emprego pelo cuidado da casa e da família.2

Foi muito interessante ter participado nesta conferência e entender algumas das questões que estão hoje colocadas aos feminismos e à esquerda, que necessitam de respostas, para que em nome do marxismo não surjam soluções que, no actual contexto político europeu, resultem num recuo dos direitos das mulheres e da sua afirmação política, económica e social. Coloco ainda a necessidade do Bloco de Esquerda assumir mais decididamente a sua participação na rede EL FEM, como forma de influenciar, de debater e de ter papel no debate feminista, que se coloca nas esquerdas europeias.

Manuela Tavares

26 de Março de 2009

1 Birge Krondorfer foi uma das conferencistas no Congresso Karl Marx que fez parte do painel sobre Feminismos. Pertence à rede EL FEM (European Left Feminism) e é austríaca.

2 "Campanha de antifeminismo aparece na Alemanha", in Diário Notícias, 25 de Junho de 2007, p. 10.

 

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